Marcio Antonio Campos
Duas semanas atrás, tratamos aqui do “caminho sinodal” alemão, que andava tão aloprado que conseguia preocupar até mesmo cardeais de posições bem controversas, como Walter Kasper e Christoph Schönborn. Em 2019, quando começou essa sandice, o papa Francisco já tinha enviado uma carta aos católicos alemães avisando que o caminho não era por ali. Como não adiantou muito, o Vaticano resolveu ser um pouco mais enfático.
Em uma declaração datada de 21 de julho, a Santa Sé afirma com todas as letras que “é necessário esclarecer que o ‘caminho sinodal’ na Alemanha não pode obrigar os bispos e os fiéis a assumir novas formas de governo, nem novas regras de doutrina e moral”. Acrescenta que “não é lícito implantar nas dioceses, antes de uma concordância no nível da Igreja universal, novas estruturas ou doutrinas, que representariam uma ferida na comunhão eclesial e uma ameaça à unidade da Igreja”.
Alguns amigos ficaram alarmados com a menção a “novas doutrinas”, como se o Vaticano estivesse dizendo “calma, não façam besteira sozinhos, esperem por nós para fazermos besteira todos juntos”. Mas não é para tanto. A Santa Sé está apenas dizendo que não interessa o que os “sinodais” alemães decidam sobre ordenação de mulheres; celibato sacerdotal; comunhão para quem quiser independentemente de ser católico ou não, de ser pecador público ou não; contracepção artificial; o que for – nada disso tem a menor validade, porque o que vale é a doutrina imutável da Igreja, algo que não se decide “de baixo para cima”.
É inimaginável que um puxão de orelha desses não tenha tido o conhecimento e a aprovação do papa Francisco
Ponte aérea Frankfurt-Manaus
Mas o papa meio que já deu suas respostas na exortação pós-sinodal Querida Amazônia. Sobre as mulheres, escreveu que não se pode “reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas, na realidade, este horizonte limitaria as perspectivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e subtilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável”, e que “as mulheres, que de fato realizam um papel central nas comunidades amazónicas, deveriam poder ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e permitam expressar melhor o seu lugar próprio” (o destaque é meu). Sobre a ordenação sacerdotal de homens casados, o papa não diz absolutamente nada. Então, se a Igreja na Amazônia estiver pensando em trilhar o caminho dos “sinodais” alemães, para ela também vale o aviso do Vaticano.
O pedido de perdão do papa Francisco no CanadáO papa está no Canadá para uma “viagem penitencial”. Nesta segunda-feira, sua conta oficial no Twitter em português trouxe a seguinte mensagem:
Sendo católico e tendo morado alguns anos no Canadá, creio que é importante comentar certos pontos da visita do Papa e seu pedido de perdão aos indígenas canadenses.
1. As escolas residenciais foram um genocídio cultural e a Igreja tem sim responsabilidade quanto a elas, assim como também têm certas denominações protestantes e o governo canadense. O exagero propagado por alguns grupos revanchistas quanto ao dano causado não exime esta culpa. O pedido de perdão do Papa é cabido e necessário para um vital processo de reparação.
2. O Canadá tem um “Centro de Verdade e Reconciliação” criado para a questão das escolas residenciais. Por meio dele, há várias exigências contra a Igreja – algumas plausíveis, outras descabidas. Uma delas é o pedido de perdão formal. A demonstração de boa vontade nos municia para abrir o diálogo da outra parte e para rechaçar as exigências descabidas.
3. O ódio anticlerical lá é forte e depois das recentes agressões anticatólicas, com incêndio criminoso de igrejas, este pedido de perdão é ainda mais relevante e evangélico. Deixa claro que os intolerantes e agressores, agora, são esses grupos que exploram a vulnerabilidade social dos indígenas para nos atacar; e não nós. No campo político, isto reequilibra a balança a favor da Igreja.
4. Indígenas no Canadá não são como no Brasil: organizam-se em federações e têm representação política formal, com assentos nos parlamentos. Um pedido de perdão em cerimônia oficial é importante também por isso.
5. Nota-se também que o Santo Padre citou nominalmente as reduções jesuíticas no Brasil e Paraguai como um bom exemplo de evangelização de povos indígenas que não usaram de agressão colonialista. Provou que é possível evangelizar sem destruir e derrubou mais uma mentira anticatólica.
6. Ah, o Papa usou um cocar? Ótimo, agora os indígenas o reconhecem como autoridade. Cocar não é fantasia de carnaval, é uma coroa – e os papas também usaram coroas romanas e germânicas pagãs. E como disse o Padre Antônio Vieira: “a coroa de penas é tão digna quanto a coroa de ouro”.
Julgar as pessoas de outrora a partir do que sabemos hoje é sempre algo complicado. Pode ser que elas estivessem realmente crentes de que faziam a coisa certa. Mas hoje sabemos que não era a coisa certa, e por isso é preciso retificar.
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