Quando foi que um mero objeto inanimado, um instrumento tecnológico, se tornou alvo de reverência de alguns, os mesmos que, até ontem, também criticavam o troço?
De Lula a Ciro Gomes, passando por Rodrigo Maia, João Amoedo, Roberto Requião e Simone Tebet, entre tantos outros, vários políticos da esquerda já tinham manifestado desconfiança com nosso opaco e centralizado processo eleitoral.
Eis que, agora, duvidar de sua “inviolabilidade” virou crime hediondo, enquanto a urna se transformou em objeto sacrossanto de idolatria!
No fundo, eis o que mudou: Bolsonaro é o presidente. E Bolsonaro, ao contrário dos demais, mantém sua coerência. Afinal, ele sempre criticou o modelo sem transparência que temos, mesmo tendo vencido várias disputas eleitorais — o que só aumenta a legitimidade de sua demanda, já que não é choro de mau perdedor.
Mas, se Bolsonaro disser que beber água faz bem à saúde, teremos vários políticos, com a cumplicidade da imprensa, alertando para os incríveis perigos do consumo excessivo de H2O. A coisa realmente virou uma palhaçada insana.
Por exemplo: o ministro Edson Fachin, presidente do TSE, achou adequado convidar embaixadores para falar de um possível futuro golpe contra a nossa democracia, alfinetando Bolsonaro de maneira escancarada.
O presidente resolve reagir, convida dezenas de embaixadores — e também os membros do STF e do TSE — e apresenta ao mundo seus motivos embasados para desconfiar da lisura do processo.
Aí vem a turba de militantes disfarçados de jornalistas acusá-lo de… golpista!
Eis como o editorial do Estadão começa seu comentário sobre o caso: “Na segunda-feira, Jair Bolsonaro disse ao mundo que o Brasil não era uma democracia confiável. Desde então, o Brasil e o mundo têm dado uma impressionante resposta rechaçando as teorias conspiratórias”. ]
Para o jornal, quem representa o Brasil não é o presidente eleito por quase 58 milhões de votos, mas o STF, alguns juízes federais, a OAB e, claro, a própria mídia militante.
O editorial continua: “Nada poderia ter sido mais acachapante para a credibilidade de Jair Bolsonaro do que a nota do governo dos Estados Unidos. Um dia depois de o presidente da República dizer que a apuração das urnas eletrônicas no Brasil era uma farsa, os Estados Unidos afirmaram o exato oposto, reiterando sua confiança em nosso sistema eleitoral”.
Resta só explicar alguns detalhes:
1. O governo norte-americano atual é de esquerda, e Joe Biden enfrenta inúmeros problemas em casa, com taxa recorde de rejeição;
2. A própria vitória de Biden se deu numa tremenda confusão eleitoral, com milhões de norte-americanos desconfiando muito de sua lisura, com razão;
3. Se os norte-americanos confiam tanto na urna brasileira, caberia entender por que, então, não a adotam de vez, já que vários Estados ainda preservam os votos em cédulas de papel.
O Estadão comemora a tentativa de investigarem o presidente Bolsonaro pelos “ataques” às urnas eletrônicas. Parem para pensar em quão bizarro é isso!
Querem punir o presidente por relatar seus motivos de desconfiança com um processo sem transparência, comandado por ativistas disfarçados de juízes, que agem como partido de oposição ao governo atual.
A velha imprensa aplaude esse ativismo, enxergando em ministros como Fachin, Alexandre de Moraes e Barroso os defensores da democracia brasileira, das instituições republicanas. Justo aqueles que mais rasgam a Constituição da qual deveriam ser os guardiões!
Vamos resgatar o passado recente, já que a memória da imprensa parece bem ruim, um caso espantoso de amnésia. O PSDB já desconfiou de eleições presidenciais quando Aécio Neves perdeu de forma estranha para Dilma Rousseff, em 2014. O partido contratou auditoria externa, mas concluiu que esta era impossível. O líder tucano à época, deputado Carlos Sampaio, leu o resultado, deixando no ar a preocupação com a lisura do processo.
“Nada é infalível, só Deus. Vamos pegar o que aconteceu aqui, quantas denúncias já foram feitas de defunto que vota, de cidades que têm mais eleitores do que habitantes.” Essa fala foi de ninguém menos que Lula, em 2002. Para ele, dado esse histórico, “não sabemos se a urna pode ser manipulada ou não”. Ou seja, desconfiar de um sistema centralizado e opaco sempre foi algo natural no Brasil, até porque países com tecnologia bem mais avançada que o nosso rejeitam esse modelo, para garantir maior transparência e possibilidade de aferição pública dos votos.
O Parlamento já havia aprovado o voto impresso, e, por uma ginástica jurídica, o STF conseguiu tornar isso inconstitucional
Mas eis que, no governo Bolsonaro, virou dogma repetir que nosso sistema é inviolável. E quem ousar criticar ou “atacar” esse processo eleitoral será rotulado de golpista e poderá acabar preso. Teve um “jornalista”, que foi devorado pelo monstro do boleto faz tempo, que chegou a comparar a desconfiança com as urnas com o terraplanismo! Amém.
Nenhum técnico ou ministro do TSE aceitou convite da Câmara ou do Senado para prestar esclarecimentos sobre as urnas eletrônicas. Toda dúvida sobre esse assunto é tratada como ataque mortal, como grave ofensa.
É injusta a argumentação de que não há prova de fraudes, sendo que estas, aparentemente, nem poderiam ser verificadas.
O ônus da prova de inviolabilidade é do TSE, que tem feito um péssimo trabalho nesse sentido.
A “lógica” deles é como a do investigador lusitano na piada: sem encontrar um só fio de cabelo na cena do crime, manda prender o careca da esquina. Talvez seja culpa do careca mesmo…
Quando atiram no mensageiro, abrindo inquérito para investigar Bolsonaro por ter vazado investigação “sigilosa” de uma invasão de hacker ao sistema, alimentam ainda mais nossa desconfiança.
O hacker ficou cerca de oito meses passeando por lá, e os dados foram apagados sobre o que ele obteve nesse período, o que torna tudo muito mais suspeito.
Houve ajuda de dentro para essa “invasão”, já que não há sinais de “portas” digitais arrombadas? Por que apagaram os logs, ou seja, os rastros do criminoso?
O Parlamento já havia aprovado o voto impresso, e, por uma ginástica jurídica, o STF conseguiu tornar isso inconstitucional. Na nova tentativa, por meio de uma PEC, houve clara ingerência de ministros supremos, como Barroso, para derrotar a medida. Toda a postura do “sistema” só nos leva a crer que pode existir fraude mesmo, e a obrigação de mitigar esse receio é do TSE. Mas, ao demonizar o presidente, que simplesmente aponta fatos incômodos, essa turma acaba dando um tiro no pé.
Ficamos, portanto, polarizados desta forma: de um lado, aqueles que reverenciam, agora, a urna eletrônica brasileira, como o mais fantástico instrumento eleitoral do planeta, inviolável, totalmente blindado contra qualquer tentativa de fraude, em que pese o próprio Fachin alegar preocupação com risco de invasão de hackers russos; do outro lado, aqueles que se permitem o direito ou mesmo o dever democrático de questionar um processo tão centralizado e sem transparência, comandado por gente que deu todos os sinais do mundo de seu viés ideológico e partidário, disposta a tudo para impedir a reeleição de Bolsonaro.
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Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste
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