Infelizmente, os dados
conhecidos da Operação Zelotes, que pegou a rede de propinas instalada
em torno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, têm
sido parciais na exposição de empresas e incompletos na apresentação dos
fatos. Por mais que isso seja lamentável, é alguma coisa, pois o
contrário poderia ser uma Operação Abafa.
Até agora, sabe-se o seguinte:
Numa
conversa telefônica com um sócio, o conselheiro Paulo Roberto Cortez
disse o seguinte: “Quem paga imposto é só os coitadinhos. Quem não pode
fazer acordo, acerto — não é acordo, é negociata — se fode.” Cortez está
sendo investigado pela Polícia Federal, que pediu sua prisão. Ela foi
negada pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, que
julgou-a desnecessária.
Em 2011, o ex-presidente do Carf, Edson
Pereira Rodrigues, ofereceu seus serviços de consultoria à Ford para
livrá-la de multas da Receita: “Se eu participar (...) eles têm mais ou
menos 95% de chances de ganhar. Caso contrário, perderão com certeza.” O
Carf livrou a Ford de cobranças que chegaram a R$ 1,78 bilhão. A filha
de Rodrigues, que também é conselheira, teria faturado R$ 1,14 milhão
com “um auto”.
Um conselheiro do Carf informou numa mensagem ao
chefe da coordenação de Pesquisa e Investigação da Receita, Gerson
Schaan, que “os acórdãos em anexo foram ‘negociados’ com as pessoas
daquele esquema que já conversamos (...) houve pagamento de R$ 1
milhão”. Tratava-se de uma multa de R$ 200 milhões imposta à fabricante
de carrocerias Marcopolo. Fica uma questão: o que Schaan fez com a
informação?
Segundo a PF, João Inácio Puga, membro do conselho do
banco Safra, negociou com Jorge Victor Rodrigues, ex-conselheiro do
Carf, o caso de uma cobrança de R$ 793 milhões. No lance teria havido um
capilé de R$ 28 milhões. A prisão de Puga e Rodrigues foi considerada
desnecessária pelo juiz Ricardo Leite.
Enquanto os “coitadinhos”
padecem preenchendo suas declarações de imposto de renda, assistem à
exposição de uma rede de anistias montada no andar de cima para iludir a
Viúva. Para quem sonha com o surgimento de um “Tea Party” no Brasil,
dando base a um movimento populista de direita, a bola está em campo. Há
um ano, quando começou a Operação Lava-Jato, as empreiteiras, bem como a
Petrobras e o próprio Palácio do Planalto, desprezaram suas
consequências. Deu no que deu. Se o Planalto, a Fazenda e a Receita
repetirem o erro diante da Operação Zelotes, acabarão contaminados pela
ação dos malfeitores. Diante da Lava-Jato, rodaram programas velhos num
sistema novo e só se deram conta disso depois que 64 acusados foram para
a cadeia e 12 resolveram colaborar com a Viúva.
Pelo pouco que a
Polícia Federal já liberou, parece provável que haverá prisões.
Havendo-as, bastará que um canário cante para que a Zelotes fique
parecida com a Lava-Jato. A Polícia Federal sentiu cheiro de
queimado em 74 processos do Carf. Em doze deles, encontrou “elementos
consideráveis de irregularidades”. Nesse “Grupo dos Doze” estão grandes
empresas que se safaram de cobranças num total de R$ 12,4 bilhões. Como
as empreiteiras no ano passado, estão todas fechadas em copas.
Ao
contrário das empreiteiras apanhadas nas petrorroubalheiras, as empresas
que se livraram das cobranças da Receita não estão metidas em negócios
onde a corrupção fazia parte do cotidiano. Além disso, elas podiam ter
razão em seus litígios com a Receita, mas se pagaram propinas, o crime
está no jabaculê. Para quem pôs a mão na cumbuca, pode ser melhor
reconhecê-lo agora.
A Receita arrisca virar uma Petrobras
Se
o doutor Joaquim Levy e o secretário Jorge Rachid bobearem, a Receita
Federal corre o risco de sofrer um abalo semelhante ao que aleijou a
Petrobras porque sua direção foi lenta e tolerante diante da exposição
de roubalheiras de alguns malfeitores. Rachid disse há poucos dias que
as investigações da Operação Zelotes começaram em 2013. Tem razão, mas,
sendo um veterano servidor e tendo ocupado a mesma função entre 2003 e
2008, ele sabe que essa foi a denúncia que andou. Muitas outras
atolaram.
A Polícia Federal pediu a prisão de Jorge Victor
Rodrigues, ex-auditor e ex-conselheiro do Carf, metido em casos que
envolviam os bancos Safra e Santander. Ele foi sócio do escritório de
consultoria SBS. Em 2005, uma investigação do Ministério Público de
Brasília mostrou que a SBS assessorou a Fiat para livrá-la de multas no
valor de R$ 630 milhões. Como o litígio foi resolvido na esteira de uma
Medida Provisória, não se pode saber o que houve. A Fiat livrou-se do
contencioso e pagou R$ 12,9 milhões ao escritório de advocacia que
contratara os serviços da SBS. Em 2007, o Tribunal Federal de Brasília
decidiu que faltavam elementos para comprovar a denúncia dos
procuradores. Quatro anos depois, Jorge Victor Rodrigues foi nomeado
para uma suplência do Carf, como representante dos contribuintes.
Se
a porta giratória da Receita na qual circulam auditores que viraram
consultores tivesse sido travada em 2003, os policiais da Zelotes
poderiam estar tratando de outros casos.
Al mare
Um
desocupado jura que viu o petrocomissário Pedro Barusco chegando em seu
automóvel ao aprazível condomínio do litoral fluminense onde tem casa. Ao pé da letra, é seu direito cumprir prisão domiciliar no domicílio de verão.
Autoengano
Lula
e o comissariado ameaçam com mobilizações dos movimentos sociais em
defesa do governo. Há muito de autoengano nisso. Na manifestação dos
“movimentos sociais” de 13 de março, havia um cidadão da Guiné que
carregava um grande balão e não entendia patavina de português. Estava
lá porque recebera R$ 30.
A CUT vem sofrendo uma erosão, comida por denominações à sua esquerda e até mesmo por grupos capazes de se aliar a milícias. O
PT não tem mais bandeiras para levar gente à rua. Resta-lhe a
possibilidade de levantar temas que pelo menos desestimulem as
manifestações contra ele.
O segundo Enem
Lula
e Dilma garantiram que o MEC realizaria dois exames do Enem a cada ano.
Foi parolagem. Em 2013, quando era ministro da Educação, o comissário
Aloizio Mercadante disse que não faria o segundo exame porque sairia
caro, preferindo construir mais creches.
Em 2014, não houve o
segundo Enem e o desembolso do governo para a construção de creches foi
de apenas 25,3% dos R$ 3,5 bilhões previstos, desempenho inferior ao do
ano anterior. Trocaram uma parolagem por outra.
Por: Elio Gaspari - O Globo