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domingo, 1 de março de 2020

O Mito e seu lugar de fala - Nas entrelinhas

”Diariamente, Bolsonaro se relaciona com os jornalistas tratando-os como ‘párias’. Suportar essa situação para qualquer um humilhante faz parte das agruras da profissão

A relação entre o discurso e a verdade é cada vez mais complexa. Na teoria, trabalha-se com três conceitos fundamentais: 
- condições de validade (ou seja, se a afirmação é válida ou corresponde aos fatos)
- pretensões de validade (a narrativa ou os argumentos utilizados para o convencimento); 
- e o resgate das condições de validade (quando o discurso é legitimado pelo ideal de fala e como tal, apesar de imposto unilateralmente, obtém certo consenso). Se na filosofia lidar com a verdade é um assunto complexo, nas redes sociais então nem se fala. A verdade morre e ressuscita todos os dias, de diferentes maneiras, num embate cujo desfecho nem sempre é o melhor para a sociedade. A opinião pública se forma a partir do choque de versões, no qual o contraditório acaba sendo o meio mais eficaz de aproximação da realidade.

Nessa guerra de informação, a tropa de elite é formada pelos jornalistas profissionais, cuja relação com a política é quase inseparável. Há cerca de 100 anos, numa palestra antológica (“A política como vocação”), o sociólogo alemão Max Weber destacou que os jornalistas pertencem a uma espécie de “casta de párias” e que “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Ao discorrer sobre o mundo da política, o papel da imprensa e as vicissitudes do jornalismo, dizia a que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte” e sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”: “A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…) Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders  não suporiam facilmente”.

Grandes mulheres também, diria Max Weber, nos dias de hoje, porque há 100 anos o jornalismo não era uma profissão majoritariamente feminina, como agora acontece; muito pelo contrário, havia poucas mulheres nas redações. Mesmo assim, sobrevivem ainda o machismo, a misoginia e o assédio sexual e/ou moral, em todos os níveis de relações de poder, às vezes até nas redações. É óbvio que estou contextualizando o embate entre o presidente Jair Bolsonaro e a jornalista Vera Magalhães, colunista do Estado de São Paulo que divulgou mensagens de WhatSApp do presidente da República em apoio às manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), convocadas para 15 de março.

Comportamento
Diariamente, Bolsonaro se relaciona com os jornalistas tratando-os como “párias”, ao sair do Palácio do Alvorada. Suportar essa situação para qualquer um humilhante faz parte das agruras da profissão, da mesma forma como aspirar gás lacrimogêneo na cobertura de manifestações e correr o risco de ser vítima de uma bala perdida nas reportagens policiais. Bolsonaro coleciona agressões verbais a jornalistas, como as recentes declarações misóginas contra Patrícia Campos Mello. Volte e meia, ofende um colega numa coletiva. Suportar esse tipo de agressão não faz parte dos manuais de redação. Não existe um comportamento padrão para isso, a reação depende de cada um. No caso mais recente, porém, Bolsonaro colidiu com “Sua Excelência, o fato”, como diria Ulysses Guimarães, numa situação na qual se contrapôs ao Congresso, ao Supremo e à Constituição de 1988. Perdeu! Vera validou o que disse com três vídeos compartilhados pelo próprio Bolsonaro.

A “mimesi” de Bolsonaro nas redes sociais faz parte da construção do “Mito”. É uma imitação da realidade, não uma reprodução. A mimesi ocorre quando a ação humana é representada de forma melhor (tragédia e epopeia) ou pior (comédia) do que a realidade. É uma representação em torno do mito, ou seja, da ação, que deve seguir sempre os critérios da verossimilhança. O mito é caracterizado por um conjunto de ações escolhidas e organizadas, sua construção se remete a algo que poderia acontecer e não ao que aconteceu.

Bolsonaro construiu o Mito a partir de um “lugar de fala” que não é a Presidência da República, mas o universo de origem de sua candidatura. Procura manter um eleitorado cativo, com perfil originário de suas eleições para a Câmara, mas agora nacionalizado: militares, policiais, milicianos, caminhoneiros, taxistas, ruralistas, pentecostais, ultraconservadores e reacionários. [todos, possuidores individuais de um voto = ao de qualquer eleitor, seja ele quem for.] Em consequência, aparta a autoridade constituída — a Presidência — do carisma do “Mito” e se isola politicamente. Ocorre que um determinado mito pode ser episódico (são os piores) e fruto da surpresa (emoção causada por fatos inesperados). Isso depende da percepção do espectador, não depende, por exemplo, de haver um único herói na trama. Na tragédia, como na sua campanha eleitoral, o mito se forma pela peripécia e o reconhecimento; na comédia, porém, acaba desconstruído. É o que pode acontecer com Bolsonaro na Presidência quando briga com os fatos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


sábado, 15 de junho de 2019

O calvário de Moro

[imperativo ter em conta:

- não existe, até o presente momento, o menor fiapo de prova a garantir a autenticidade das supostas conversas;

- provas obtidas por meio ilícito  não são válidas.

Tanto que os comentários de um dos  integrantes do 'intercept', erra quando diz que vem mais coisa por aí.

Que venham.]

A divulgação de conversas privadas com procuradores da Lava Jato expõe o ministro da Justiça, Sergio Moro. Por ora, no entanto, há muita espuma em torno do caso e um desejo irrefreável de setores do judiciário de desmoralizar a Lava Jato e criar um ambiente favorável à soltura de Lula

Os diálogos revelados, na última semana, pelo site The Intercept Brasil sacudiram a República por envolverem o suprassumo da operação Lava Jato, em especial, o ministro da Justiça, Sergio Moro – ex-juiz até então acima de qualquer suspeita e elevado à condição de herói nacional depois de mandar para a cadeia empresários e políticos poderosos. A reportagem, no entanto, deixa uma série de fios desencapados expostos. A origem do material, obtido provavelmente de forma ilícita, a maneira como foi divulgado e por quem – um jornalista que jamais escondeu ser partidário da causa lulista – abrem margem para dúvidas. Divulgada a íntegra, observou-se que algumas trocas de mensagens foram descontextualizadas na edição. Ainda há, portanto, uma nuvem de mistérios e contradições a pairar sobre o caso ao qual se pretende dar ares de escândalo. 

Algo, no entanto, já é possível depreender das conversas até agora reveladas: como a figura mitológica Antígona que enterrou o irmão à revelia do rei, o ex-juiz Sergio Moro parece ter admitido, movido pelo dever, flexibilizar os limites das normas que regem o convívio dos magistrados com os procuradores. Aparentemente, o juiz entendeu que, para desmantelar quadrilhas, enjaular empreiteiros e apanhar os mais altos hierarcas do País, não bastaria agir candidamente, sob pena de perder a batalha para criminosos donos de conhecidos tentáculos no Judiciário, Executivo e Legislativo.  

A julgar pelos efusivos aplausos recebidos pelo magistrado durante o jogo do Flamengo, em Brasília, na quarta-feira 12, a sociedade nutre semelhante compreensão. Por isso, ao fim e ao cabo, fatalmente Sergio Moro tende a ser absolvido no tribunal do povo. Ocorre que o desenlace do rumoroso episódio não constituirá um referendo popular. E essa é a nossa tragédia grega: é possível condenar um juiz que pode ter colocado a ética da convicção acima da ética da responsabilidade, de que falava o sociólogo Max Weber, na hora de enviar para trás das grades corruptos – muitas vezes confessos – flagrados no maior assalto aos cofres públicos da história recente do Brasil? Uma coisa é certa: existe um desejo incontido de setores do Judiciário para anular os processos da Lava Jato. Os que sempre acalentaram o sonho de desmoralizar a operação, mas receavam virar alvo de críticas, agora rasgaram de vez a fantasia. A campanha está aberta.

Será preciso mais do que mera vontade para desacreditá-la. Os diálogos revelados até agora não evidenciam crime ou ilegalidade de fato. Não há plantações de provas, nem desrespeito ao devido processo legal. As conversas sugerem que Moro instruía procuradores da Lava Jato. Mostram uma proximidade na relação com integrantes do Ministério Público Federal por meio da qual o julgador não só orientava como cooperava com o acusador. Em trechos dos diálogos, Moro aconselhou o procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos e pistas informais. “Talvez fosse o caso de inverter a ordem das duas planejadas”, sugeriu Moro a Deltan Dallagnol, falando sobre fases da investigação. “Não é muito tempo sem operação?”, questionou o atual ministro da Justiça, após um mês sem que a força-tarefa fosse às ruas. “Não pode cometer esse tipo de erro agora”, repreendeu, se referindo ao que considerou uma falha da Polícia Federal. Em outra conversa, Dallagnol relata a Moro que o ministro do STF Luiz Fux garantiu que a Lava Jato poderia contar com ele. Ao que o ex-juiz respondeu: “In Fux we trust”. Trata-se de um desvio ético capaz de fazer com que Moro perca a presunção da infalibilidade?

Decerto. Não se verifica, porém, antecipação do juízo de mérito de processos pelo juiz. Também não são tratadas questões relativas à culpa de acusados. Ademais, nada do que fora divulgado é muito diferente do que acontece nos corredores e gabinetes do poder Judiciário, não raro à luz do sol. Como bem lembrou a deputada estadual Janaína Paschoal “em um país em que parentes de ministros advogam nos tribunais superiores, a nata da advocacia criminal faz jantar em homenagem ao presidente da Corte que julgará suas causas, em que o magistrado da causa oferece festa de aniversário para a parte e um ex-ministro de Estado se refere a um ministro do STF (Gilmar Mendes) como “nosso advogado” e ninguém se considera suspeito, parece piada querer fazer um carnaval por causa de três frases em um grupo de whatsapp”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez coro: “O vazamento de mensagens entre juiz e promotor da Lava-Jato mais parece tempestade em copo d’água”, disse. A maioria dos juristas segue a mesma linha. Entende que a proximidade entre procuradores e juízes é normal no Brasil — ainda que possa ser considerado imoral e viole o código de ética dos magistrados.



Os diálogos

O site Intercept Brasil publicou, no domingo 9, uma série de diálogos entre integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná com o então juiz Sergio Moro. Neles, o atual ministro da Justiça aparece orientando o trabalho dos procuradores em investigações.

[destacamos que não foi publicado pelo 'intercept' nenhuma 'captura de tela' , que sirva de subsidio para comprovar, ainda que de forma contestável, a tenacidade do material.

Todo o material divulgado reforça o entendimento das conversas terem sido forjadas.]

(...) 

Também ouvimos Leandro Demori, editor executivo do site e o outro responsável pelo que já é conhecido como o Escândalo Vaza Jato.

Moro e os procuradores federais cometeram crimes?
Não dissemos que o juiz nem os procuradores cometeram crimes. Nossas reportagens até agora mostraram que Moro pode ter violado regras éticas claras ao interagir com eles nos casos em que parecia julgar de forma neutra. Ele e Deltan Dallagnol, ao afirmarem que não havia um ambiente de colaboração mútua, não estavam sendo verdadeiros. Deltan e outros procuradores da Lava Jato também afirmaram apartidarismo, mas entre eles, queriam que o PT perdesse a eleição e estavam dispostos a tomar medidas para tanto. A força-tarefa tinha sérias dúvidas sobre o caso contra Lula, enquanto diziam ao público que as evidências de sua culpa eram inegáveis. [Lula é corrupto, é ladrão, está preso cumprindo pena de uma condenação, tem outra a ser confirmada nos próximos dias e responde a mais processos, que gerarão novas condenações.

Ainda que seja solto - não devido aos vazamentos, que nada provam e sim por já ter cumprido um sexto da pena = primeira condenação - será preso novamente, logo que a segunda condenação seja confirmada pelo TRF - 4.]

A revelação parcial das conversas não indicaria direcionamento?
Se publicássemos tudo, seríamos acusados de irresponsabilidade e de invasão de privacidade. Se publicássemos apenas as exceções, diriam que tiramos o material do contexto. Selecionamos trechos contextualizados e nada distorcidos.

MATÉRIA COMPLETA, em IstoÉ


 

terça-feira, 9 de abril de 2019

Olavista de carteirinha

“A nomeação de Weintraub foi uma solução doméstica para uma disputa entre olavistas, militares e técnicos do próprio ministério, com objetivo de melhorar a gestão sem mudar a orientação ideológica”


A nomeação do economista Abraham de Bragança Vasconcelos Weintraub para o comando do Ministério da Educação, pelo presidente Jair Bolsonaro, no lugar do atrapalhado colombiano Ricardo Vélez Rodrigues, reforça a orientação ideológica que o antecessor tentou implementar na pasta, ao contrário do que muitos que criticavam o ministro defenestrado esperavam. Weintraub é discípulo do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do clã Bolsonaro, e militante de primeira hora da campanha eleitoral do atual presidente da República. A diferença é a experiência como gestor, no mercado financeiro, além de pertencer à cozinha do Palácio do Planalto, pois participou da equipe de transição do governo e é muito ligado ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem era o braço direito até agora.

Um vídeo na internet intitulado “Marxismo cultural x Economia”, no qual faz uma palestra ao lado de seu irmão Arthur, revela as ideias básicas do novo ministro, que estão em linha com as de Bolsonaro e do seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araujo. Na visão dos Weintraub, é preciso fazer uma cruzada contra o “marxismo cultural”, que domina as universidades do Brasil e do mundo, entre as quais, a de Harvard. Numa leitura enviesada de Max Weber, sociólogo alemão, os dois irmãos fazem uma defesa enfática do protestantismo como eixo de resistência às ideias de esquerda e católicas, que seriam responsáveis pelo atraso da Europa ibérica e da América Latina. Citando Alemanha, Japão e China, também fazem apologia da política de terra arrasada como via de crescimento.

A nomeação de Weintraub foi uma solução doméstica para uma disputa entre olavistas, militares e técnicos do próprio ministério. Em tese, Weintraub tem mais capacidade de articulação política e trânsito no Palácio do Planalto, mas nada garante que o ministro terá autonomia para formar a própria equipe. Provavelmente, terá que arbitrar os conflitos existentes e, ao mesmo tempo, enfrentar os que surgirão quando começar a implantar a nova política educacional de Bolsonaro. A Educação não é a especialidade do novo ministro, que sempre esteve mais focado na reforma da Previdência.

Lista tríplice
Embora a prioridade do governo seja o combate ao analfabetismo e a implantação de novos currículos escolares, o ministro Vélez notabilizou-se por declarações e propostas polêmicas, além de uma sucessão de nomeações e demissões na pasta. Entre as trapalhadas, um e-mail do ministro pedindo aos gestores de escolas que enviassem ao MEC vídeos mostrando as crianças cantando o Hino Nacional e lendo o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro.

Vélez anunciou dois novos secretários executivos que não foram aceitos pelo governo. A educadora evangélica Iolene Lima foi demitida antes de ter assumido; a secretária da Educação Básica, Tânia Leme de Almeida, em seguida, pediu demissão após descobrir que o nível de alfabetização das crianças não seria mais avaliado. A mudança fora pedida pelo seu secretário de Alfabetização ao presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Marcus Vinícios Rodrigues, que foi demitido. Vélez manteve a avaliação. O ministro também criou, no Inep, uma comissão para vigiar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e identificar “questões com teor ofensivo a tradições”.

A grande interrogação sobre a nova política é a gestão das universidades, cujas listas tríplices para nomeação de reitores são mera formalidade, pois há eleições diretas e o mais votado costuma ser escolhido reitor. A eleição mais recente foi a da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior subordinada à pasta, na qual foi eleita a médica Denise Pires (Chapa 10), professora do Instituto de Biofísica (IBCCF). Das 76.957 pessoas aptas a votar (4.270 professores, 9.189 técnicos e administrativos e 63.498 estudantes), apenas 20.887 votaram (3.189 professores — 74,6%; 4.591 técnicos — 49,9%; e 13.107 estudantes — 20,6%).

A chapa 10 obteve 9.427 votos. A chapa 40, liderada pelo professor Oscar Rosa Mattos, da Escola Politécnica e da Coppe/UFRJ, obteve 8.825 votos, e Chapa 20, encabeçada por Roberto dos Santos Bartholo Junior, da Coppe/UFRJ e da Faculdade de Letras, teve 2.281 votos. Não existe vinculação formal entre a eleição e a indicação da lista tríplice pelo Colégio Eleitoral da UFRJ designado para fazer as indicações ao ministro, mas o resultado da consulta sempre é respeitado.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Nas redes da intriga

O novo ativismo é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico


A crise que culminou com a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência guarda dentro de si uma crise maior, alimentada pelo próprio Governo, a crise da democracia representativa. Esse é um fenômeno contemporâneo globalizado que vai se alastrando à medida que os novos meios de comunicação vão abrindo espaço cada vez maior para a participação direta dos cidadãos nas decisões politicas.  Esse empoderamento do cidadão tem seu lado negativo quando os políticos passam a se guiar pelas redes sociais, em vez de liderar ações necessárias ao país, mesmo quando impopulares. O atual Congresso é exemplo concreto desse momento conturbado que vive a democracia. Parlamentares montam estúdios em seus gabinetes para lançar mensagens permanentes, e votam de acordo com as redes sociais.

Um governo eleito fundamentalmente pela ação nas redes sociais, beneficiado pelo poder de expor suas ideias sem ser confrontado, devido à possibilidade de não comparecer a debates de televisão, sente-se dono da comunicação politica. E reputa de “inimigos” aqueles que contestam suas decisões. Um governo desse tipo fica exposto a intrigas e manipulações várias.  O caso em questão é exemplar dessa situação. Se o ministro Gustavo Bebianno foi demitido devido às acusações de manipulação ilegal de dinheiro na campanha eleitoral, a mesma decisão deveria ter atingido o ministro do Turismo, acusado também de desviar recursos partidários utilizando-se de “laranjas”.

Na verdade, independente de Bebianno ser ou não culpado, o que determinou sua derrubada foi uma disputa de poder com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro. Especialista em usar as mídias sociais para defender seus pontos de vista, ele teve atuação permanente durante a campanha, mesmo que apartado do aparato formal.  Foi um trabalho solitário, ao lado do pai, sem características profissionais, o que permite a ele até hoje o papel de portador da voz do presidente, fora do circuito oficial que assume posições com base na intermediação com o Congresso, nas pressões da sociedade, na representatividade das corporações, todos representantes da opinião pública.

Carlos, não. É do tipo Twittero que pretende formar a opinião pública, com o uso das novas tecnologias que permitem inclusive a potencialização do alcance das mensagens com o uso de robôs e técnicas de disparos em massa de mensagens que desequilibram a disputa de ideias no espaço público.  A democracia representativa está sendo desvirtuada pelas mídias sociais, transforma-se em uma nova espécie de democracia direta. A ética da responsabilidade que Max Weber definiu para a atuação política não pode submeter-se à irresponsabilidade das redes sociais. O político, como ressaltava o próprio Weber, tem sua ética peculiar, mas quando ela se confronta com a ética da consciência, não pode prevalecer.

O homem moderno, de posse da tecnologia, dispensa intermediários e pretende assumir as rédeas do próprio futuro, interferindo nos governos, na política nacional. A contrapartida deveria ser uma classe política capaz de cumprir seus deveres, de assumir o papel contra-majoritário justamente para guiar, e não ser guiado. A democracia representativa se apresenta em contraposição à democracia direta, que com o uso de plebiscitos e consultas populares, torna mais fácil assumir decisões difíceis. O prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que anuncia pretender fazer um plebiscito para decidir se derruba a ciclovia Tim Maia é exemplar desse comportamento.


O surgimento de governos populistas seria, para alguns estudiosos, sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico. A democracia representativa sofre, segundo esses especialistas, com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias.  O cidadão empoderado não tem responsabilidade por suas opiniões nas redes sociais, e os políticos e governantes não podem resolver que a solução é seguir a maioria que se expressa nas redes sociais, que certamente não representa a maioria dos cidadãos e pode muito bem estar sendo manipulada.


Merval Pereira, jornalista - O Globo

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Mourão pode fazer história. Ou não


Na próxima semana, com a ida de Jair Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial em Davos, o vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão assumirá o País. Investido no cargo de presidente, o general terá uma oportunidade histórica: a de, num gesto de grandeza, talvez o mais eloquente de sua trajetória, revogar a promoção do próprio filho.  [absolutamente sem sentido que Mourão adote tal providência; injusta, arbitrária, ilegal e mesmo imoral - o filho do Mourão tem competência e mérito (as carpideiras já falaram tudo contra a promoção, exceto que o promovido é incompetente e sem mérito); 
por isso, demiti-lo é pisotear a meritocracia e insuflar as injustas e imorais cotas - essas sim, devem ser extingas,  conforme promessa de Bolsonaro ao falar em um dos seus discursos em privilegiar o mérito = extinguir as cotas.]

Não é trivial. Recentemente, Mourão deu por encerrada a refrega. Relegou-a a “assunto morto”, de morte matada, não de morte morrida, como dizia João Cabral de Melo Neto. O triplo twist carpado do salário de Mourinho, depois de um ato de generosidade do presidente do Banco do Brasil, não é, ou não deveria ser, como tentou fazer crer Mourão, motivo de regozijo nem para ele, nem para o filho, muito menos para quem neles depositaram as mais sinceras esperanças de mudar o País, a partir do fulgir de uma “nova era”. O futuro presidente interino precisa entender que a glória é fugaz, mas a obscuridade dura para sempre. Ao fim, é como a conclusão melancólica do Eclesiastes (XII, 8) sobre a pequenez da alma humana: ‘vanitas vanitatum et omnia vanitas’ ou “vaidade das vaidades. Tudo é vaidade”.

Se quiser, no entanto, Mourão terá a chance de dar a “meia volta, volver” mais enobrecedora de sua carreira pública. Basta lembrar da distinção estabelecida pelo sociólogo alemão Max Weber entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Quando diz ao filho e funcionário de carreira do Banco do Brasil Antônio Rossellisso é mérito seu, é uma coisa que é sua, lhe pertence, acabou”, Mourão age movido pela ética da convicção. Mostra-se convicto de que o rebento não errou e, por isso, deve permanecer onde está, sem ser acossado. Equivoca-se, porém. Weber ensinou que quanto maior o grau de inserção de qualquer político na vida nacional, maior deve ser o afastamento de suas convicções estritamente pessoais. Ao primar por um bem maior para o seu povo, o governante maduro, como o Spoudaios de Aristóteles, deve saber a hora de se orientar pela ética da responsabilidade. [a prevalecer este entendimento todo pai importante deve cuidar para ter filhos, iresponsáveis, incompetentes e fadados a acabar com tudo que o pai tenha deixado de bom.
Não há o mais remoto indicio que o fato de ser filho do general Mourejarão tenha favorecido o Antonio - imaginar, achar que, não vale.] Ou seja, de colocar a responsabilidade acima da convicção. Pois aproxima-se aquele momento em que estadistas são separados de cambalachos de farda. É contigo, Mourão. Ao abrir mão dos encantos e delícias do poder, mesmo que para o filho, Mourão pai inauguraria uma nova galeria da história, onde perfilaria um militar capaz de prescindir de ser “dono do poder”, como escreveu Raymundo Faoro em seu antológico diagnóstico certeiro da origem do patrimonialismo brasileiro.

Comenta-se em Brasília que, [a frase 'comenta-se em Brasilia, ou em qualquer outro lugar é o mais seguro indício que está sendo iniciada a divulgação de uma foca, de um boato, em linguagem, moderna de uma 'fake news'; diante da repercussão negativa da ascensão do filho a assessor especial da Presidência do Banco do Brasil, Mourão só não teria forçado a renúncia de Mourinho até agora porque teme sair do episódio ainda mais desmoralizado do que entrou. “Como alterar o Diário Oficial? Está feito”, insiste uma pessoa próxima a ele. Há saída para tudo, ensina a vida nacional. Reza a lenda que, durante o governo JK, o ex-telegrafista dos Correios Rômulo Marinho foi a Alicio Sales Coelho, então diretor do Departamento Nacional do Trabalho, para que ele intercedesse junto ao presidente da República no sentido de permitir-lhe um financiamento do Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Servidores para a compra de uma casa, uma vez que seu casamento estava próximo. Disse-lhe Sales Coelho: “Vou pedir ao presidente, mas se ele escrever autorizo com “s” não é para valer e não vou poder fazer nada. Sei que ele usa esse código secreto”. JK autorizou. Só que com “s”.

Quando tudo caminhava para o infortúnio, Rômulo encontrou uma maneira de revogar a decisão presidencial. Comprou uma Parker 51, idêntica a que Juscelino usava, e rasurou o documento. Resultado: o “s” virou “z” e o financiamento foi aprovado. Popularizou-se, então, o termo canetada. A partir da próxima semana, Mourão estará a uma canetada de alterar o rumo de sua própria história.

Sérgio Pardellas - IstoÉ



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Carisma, Identificação, Confiança

Estrutura partidária e recursos financeiros são, sem dúvida, muito importantes para candidatos em campanha. Existe, porém, algo mais que vai além de imagens construídas artificialmente por marqueteiros. Trata-se dos elementos carisma, identificação, confiança.

Carisma, conceito geralmente confundido com populismo, significa “dom da graça”. Em seu estudo sobre autoridade carismática, Max Weber analisa essa característica atribuída a profetas e heróis vistos como forças realmente revolucionárias na história. Transposto o conceito para a política, carismático é o personagem que foge ao habitual graças a sua ascendência sobre os demais, ao seu fulgor que impõe a adesão e admiração, ao seu talento pessoal.

Nesta eleição de 2018, se pode dizer que entre os candidatos à presidência da República, Jair Messias Bolsonaro é o carismático. Note-se que ele é chamado de mito. E mito tem simbologias ligadas a personagens como deuses e heróis. Esses componentes são por vezes misturados a fatos que caracterizam humanos. Assim sendo, Bolsonaro é percebido pelo inconsciente coletivo como uma espécie de herói por ser um homem contra o sistema.
Um homem sem estrutura partidária, sem recursos financeiros, que enfrenta um sistema onde avulta a difamação de sua imagem pela mídia mais poderosa. Um sistema infiltrado pelo PT em desespero para retornar ao poder.  Um poderoso sistema que quase deu fim sua vida.

A identificação também é essencial ao candidato e se dá quando alguém se assemelha aos eleitores através de propósitos, valores, comportamentos. E quando nesses tempos do politicamente correto um líder fala o que está preso na garganta de milhões de pessoas, a identificação acontece. O eleitorado de Bolsonaro se identifica com o mito que tem a coragem de se expressar corajosamente pela maioria silenciosa.

Bolsonaro representa também o antipetismo e o porquê disto é fácil de entender. Depois de quase 14 anos de PT chegou-se a um ponto de degradação não apenas econômica, mas também de valores.  
Nesses anos de Lula/Dilma a esquerda requentada, que escamoteou a realidade dos tenebrosos e fracassados sistemas comunistas, tornou a corrupção institucionalizada.  Promoveu a louvação e a defesa dos bandidos insuflando assim a violência. Dedicou-se a perversão das crianças através da falácia de que não existem meninos e meninas, estimulando a sexualidade prematura e a pedofilia. O aborto tornou-se algo natural.
 
O feminismo descambou em manifestações grotescas de mulheres nuas que, paradoxalmente, se ofereceram como objeto. A Lei Rouanet financiou exposições abertas a crianças e jovens onde prevaleceram a degradação da arte, a vulgaridade, a mediocridade, o apelo a pedofilia, a zoofilia, a profanação através de aberrantes figuras religiosas. A reação a esse estado de coisas não pode ser explicada simploriamente como conservadorismo da direita radical, de moralismo burguês, mas trata-se da repulsa espontânea da sociedade diante da depravação, da decadência moral, do favorecimento a desintegração social.

Nesse quadro, em que todos os mecanismos morais, éticos e estéticos afrouxaram sente-se a necessidade da ordem, do equilíbrio. Desse modo, quando Bolsonaro vocaliza as angústias e perplexidades porque passa a sociedade brasileira, a identificação acontece naturalmente e ele se torna um de nós.

Finalmente, sem confiança nenhum candidato vence. Mais atento nessa eleição, descrente dos políticos mergulhados nos esquemas de corrupção do governo petista, o povo está mais imune às promessas mirabolantes. Pouco interessa aos eleitores os partidos, as simulações ideológicas, os programas de governo. O que se deseja é alguém que transmita segurança e esperança. Alguém em que se possa confiar. E isso Bolsonaro transmite, o que também o diferencia dos demais candidatos.

Entenda-se, que se ganhar, Bolsonaro não fará milagres porque a herança maldita do presidiário e de seu poste Rousseff não se conserta em um dia. O Congresso seguirá venal com parlamentares voltados para seus próprios interesses. A Justiça, com exceção do juiz Moro e de outros magistrados continuará injusta. Haverá sempre o risco de nova tentativa de assassinato. Continuará a perseguição pelos meios de comunicação, O PT tentará destruir o eleito porque petistas não perdoam quem ganha dos seus companheiros.

Mesmo com toda dificuldade que o espera, sendo bem-intencionado e cônscio de sua responsabilidade, Bolsonaro fará o que estiver ao seu alcance. O que não dá é reeditar o pesadelo do autoritarismo, da incompetência, da corrupção, da esbórnia petista. Isto sim, seria uma desgraça inominável.
 
Por: Maria Lucia Victor Barbosa, é Socióloga.
 
 
 

sábado, 13 de janeiro de 2018

O ilegal, o imoral e os maus costumes

A elite dirigente deixou de dar bons exemplos à sociedade e o Judiciário, num arriscado voluntarismo, atropela os demais poderes da República

Há no Brasil um quadro de decadência social que se faz visível no plano moral. Há no Brasil um quadro anárquico entre os poderes, sobretudo quando um deles avoca para si a missão salvacionista de corrigir o outro, como vem ocorrendo nos últimos dias no campo jurídico. Há no Brasil um quadro de ilegalidades e maus costumes que vem do topo da pirâmide dos donos do poder – não apenas do estamento político mas, também, das demais elites dirigentes. Há no Brasil, em decorrência disso tudo, uma crise ética. E um risco às instituições republicanas.

Em todas as áreas (legal, moral e dos costumes), o bom exemplo aos cidadãos tem de ser dado pela ação racional do estamento burocrático superior (Max Weber, “A ética protestante e o espírito do capitalismo”). Trata-se da função pública. No Brasil, ainda pela metodologia weberiana, o que se vê é o contrário, é a irracionalidade da cobertura a desnortear os andares inferiores, a desnortear toda a sociedade. Tome-se o salão nobre do Palácio do Planalto, todo aprumado na terça-feira 9 para a posse da deputada federal Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. As horas voaram, e lá ficou o salão inútil porque tal posse foi barrada pela Justiça. Motivo: a deputada carrega duas condenações por descumprimento da legislação… advinhe… trabalhista. [um médico condenado por ter cometido um 'erro médico' não pode ser ministro da Saúde? Pandiá Calógeras, civil, engenheiro, foi ministro da Guerra - único civil a ocupar aquela pasta e não foi dos piores ministros; 

Cristiane descumpriu a legislação trabalhista, foi condenada duas vezes pela Justiça do Trabalho, mas, tais condenações não a impedem de ser ministra do Trabalho.
A propósito, talvez alguém tenha esquecido, a Justiça do Trabalho é Poder Judiciário e o Ministério do Trabalho integra o Poder Executivo.

Outro aspecto importante: já não está mais em questão a probidade, moralidade da quase ministra e sim a cassação de uma atribuição que a Constituição impõe como privativa do presidente da República - ou seja, nomear ministros, desde que o nomeado atenda aos requisitos estabelecidos claramente pela CF - art.87, caput;  

muito provavelmente o caso Cristiane Brasil teve uma pequena influência no rebaixamento do Brasil pela S & P, mas, não pela moralidade administrativa e sim por ser a prova cabal que a República Federativa do Brasil, regime presidencialista, é presidida por um presidente que não tem poder para sequer nomear um ministro de Estado.
O risco dessas intervenções salvacionistas é exposto com maestria no último parágrafo desta matéria.]


É imoral. Na mesma direção (e sem trocadilho), dirige o Detran de Minas Gerais um delegado que acumula 120 pontos em multa na carteira de habilitação: trata-se de César Augusto Monteiro Alves Júnior, nomeado pelo governador petista Fernando Pimentel. É imoral e ilegal. Fiquemos nisso? [o primeiro erro foi cometido pelo povo de Minas quando elegeu um corrupto, Fernando Pimentel, governador do Estado. Agravante: além de corrupto Fernando Pimentel é petista, ex-guerrilheiro.

Mas, mesmo assim - apesar de ser desagradável apoiar qualquer coisa feita por um petista  -  temos que reconhecer que  o fato do individuo ser péssimo motorista, ou um motorista irresponsável, não o impede de ser um bom administrador. 
Seria questionável se ele tivesse sido nomeado motorista.] 

Não. Em Goiás, a lei e a ética foram jogadas no triturador de lixo: o coronel da Polícia Militar Anésio Barbosa da Cruz, réu em processo de tortura (que é crime contra a humanidade e inafiançável), segue como diretor em trinta e seis colégios militares, nos quais estudam cerca de seis mil crianças e adolescentes. [o coronel Anésio é réu (não foi condenado, quando é condenado se tem a certeza da prática do ato criminoso pelo condenado, mas, réu também pode ser inocente;
No Brasil, é recorrente, que qualquer ação mais enérgica da polícia é considerada abuso de autoridade, tortura, violação dos direitos humanos, etc.
Sempre a polícia é condenada - no Rio, em 2017 foram assassinados 134 policiais militares e  teve pessoas que se declaram  defensoras dos direitos humanos que insinuaram  houve exagero dos policiais, o que motivou a maior parte dos 134 assassinatos. 
Muitas vezes uma ação mais enérgica do policial, as vezes até um grito com um suspeito é considerado tortura.
E, com absoluta certeza, o coronel PM Anésio Barbosa, foi nomeado para o cargo por competência em administração escolar e jamais vai ministrar qualquer palestra sobre formas de ação policial para crianças e adolescentes.
Sua condição de acusado, não impede que seja um excelente administrador escolar.] São esses os condutores do comportamento social que entram, por meio de suas falas, atitudes e costumes, em nossas casas e em nosso dia a dia. Fica difícil, assim, pedir por exemplo para que nossos filhos se portem com urbanidade no trânsito se temos o ás do volante dos cento e vinte pontos mandando por aí. Na quarta-feira 10 confirmou-se que ele perdeu a carteira, mas não o cargo.

Fatos como esses não podem acontecer – e, quando acontecem, o tecido social paga o alto preço do esgarçamento moral, o preço da ameaça da anomia (Émile Durkheim, “As regras do método sociológico”). Mas isso é uma coisa. Coisa bem diferente, mas que também não ajuda em nada o cerzimento do rasgo na tripartição dos poderes, é quando um desses poderes invade o campo do outro. Volte-se ao caso de Cristiane

A sua indicação pode ser imoral e equivocada, mas não é ilegal. Mais: nomear ministro é constitucionalmente da competência do Poder Executivo, e ponto final. Assim, a Justiça Federal, movida por voluntarismo moralizante (olha o risco!), foi açodada ao barrar-lhe a posse. Tanto é assim que dentro da própria Justiça há voz discordante, que veio à luz pela fala de uma juiza do Rio de Janeiro: “não há norma legal que impeça a nomeação de Cristiane”. [o próprio artigo 37, caput, da CF, invocado para exigir da quase ministra moralidade - algo do tipo condenar alguém por analogia - determina com clareza solar (sem necessidade de interpretação ou aplicação por analogia) que a administração pública deve obedecer ao principio da legalidade.]
Tanto ela quanto o governo anunciaram ir à Justiça na semana passada. O mérito ou demérito na escolha teria de ter ficado nos contornos do Executivo, o Judiciário nada tem a ver com o caso. Oportunistas comparam essa situação com a nomeação de Lula à Casa Civil, feita por Dilma. Bobagem: no caso de Lula havia “desvio de finalidade”, ele foi nomeado para escudar-se no foro privilegiado.


O Poder Judicário igualmente extrapolou na questão do indulto de Natal. É da estrita competência do presidente da República, conforme dita a Constituição, fixar os critérios do indulto. São famosos os indultos concedidos por José Linhares, após a Segunda Guerra, e por Juscelino Kubitschek, quando da inauguração de Brasília. Com Itamar Franco iniciou-se a tradição do indulto natalino, e tal ato sempre foi, e é, atribuição exclusiva do presidente. Pois bem, autoridades do MP consideraram o decreto excessivamente liberal, sob a alegação de que beneficia corruptos (ah, o salvacionismo!). 

A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF (“interpreta as fadas dos contos infantis e tem valia similar à delas”, segundo escreveu o jornalista José Nêumanne em “A comédia bufa com a sra. Brasil”, referindo-se às visitas da magistrada a presídios), suspendeu liminarmente um ato legítimo do presidente da República, e agora cabe ao plenário decidir se ele valerá ou não. Também nesse tema a AGU, por sua vez, viu-se com igual direito de anunciar na semana passada que recorrerá juridicamente. 

Quer Cristiane seja ou não nomeada, quer o indulto sobreviva ou não, fez-se tempestade em copo d’água. Ressalte-se, porém, que sempre que se tenta com atitudes salvacionistas reverter atos legítimos de um dos poderes, há o risco de se quebrar não só o copo mas toda a cristaleira o risco do desmanche da República.
 
Fez-se tempestade em copo d’água. Sempre que se tenta, com atitudes salvacionistas, reverter atos legítimos de um dos poderes, há o risco de se quebrar não só o copo mas toda a cristaleira – o risco do desmanche da República.

Antonio Carlos Prado - IstoÉ