Eliane Cantanhêde
Depois da França, nova guerra ideológica de Bolsonaro é com a fundamental Argentina
Quem atacou primeiro, Bolsonaro ou Macron, Bolsonaro ou Alberto
Fernández? Cada um tem sua versão, mas o resultado é que as relações do
Brasil com a França se deterioraram e com a Argentina têm um horizonte
sombrio. E para que? Quem lucra com isso?
[o Macron está fora da disputa quem atacou primeiro; agora ele está arrumando coragem para propor internacionalizar a Califórnia - que está pegando fogo. Quanto a pergunta sobre a Argentina, - quem atacou primeiro? - foi o argentino, quando em entrevista fez gesto obsceno pregado a libertação de um presidiário brasileiro.]
O presidente Jair Bolsonaro não deveria se meter nas eleições da
Argentina, apoiando um candidato já então virtualmente derrotado e
destratando a chapa favorita e afinal vitoriosa. Nem por isso Fernández
deveria, já no primeiro instante, lançar o “Lula livre”. Uma provocação
boba, além de um desrespeito ao Judiciário brasileiro. E a guerra
continua.
Brasil e Argentina são parceiros inseparáveis, gostem ou não seus
presidentes. Juntos, lideram o Mercosul, somam dois terços do
território, da população e da economia de toda a América do Sul e,
apesar de muito menor do que os gigantes China e EUA, a Argentina é o
terceiro maior parceiro comercial brasileiro, logo atrás dos dois.
Crises nesses casos cruzam fronteiras.
As ondas na América do Sul são historicamente coordenadas: o populismo a
la Peron e Vargas, as ditaduras militares monitoradas por Washington no
Uruguai, Paraguai, Argentina, Brasil e Chile, a redemocratização com
hiperinflação de Alfonsin e Sarney, a estabilização econômica (ou
“neoliberalismo), liderada pelo Brasil e disseminada por toda parte.
A onda seguinte foi um tsunami, o “bolivarianismo” de Hugo Chávez na
Venezuela, que arrastou Bolívia, Equador, Argentina, Uruguai e,
rapidamente, também Paraguai, mas deixando de fora Colômbia, Chile e
Peru, que se mantiveram fiéis à abertura do mercado, à desestatização e à
globalização. Com a debacle venezuelana e os desvios da esquerda no Brasil, os
“neoliberais” pareciam o paraíso, soprando ventos conservadores que, de
certa forma, reforçaram e vitória de Bolsonaro na potência regional. O
paraíso, porém, não era tanto assim e o Chile, sempre citado como
exemplo de estabilidade política, econômica e social, virou um
verdadeiro inferno com o governo Sebastián Piñera. A classe média, e não
só ela, tinha sido expulsa do paraíso.
A guinada à direita, desde o Cone Sul até os Países Andinos, excluía a
Venezuela, conferia ares pragmáticos à Bolívia de Evo Morales e deixava o
México falando sozinho à esquerda no Norte. Entretanto, não parece ter
ido muito longe. E o que se tem é que a hegemonia da esquerda foi fugaz
com Chávez, Lula, Kirchner, Mujica, Lugo e Rafael Correa e, de certa
forma, Bachelet. E a direita não se consolidou com Bolsonaro, Piñera e
afins.
Há uma polarização em que ninguém tem razão, ninguém ganha, todos
perdem. Assim como o Brasil não enxerga vida além de Lula e Bolsonaro, o
subcontinente se digladia entre uma esquerda populista e oportunista e
uma direita mesquinha, atrasada, reacionária. Que tal tentar equilibrar
responsabilidade fiscal com inclusão social? Rigor com generosidade?
Deveres para os poderosos e direitos para os mais desvalidos? Enquanto a guerra ideológica corre solta, o maior problema do Brasil e
dos países à sua volta continua sendo o mesmo, onda atrás de onda,
regime atrás de regime, governo atrás do governo, líder atrás de líder: a
desigualdade social. A maioria parece conformada, mas costuma produzir
surpresas. As lições do Chile são preciosas para todos os vizinhos da
região, particularmente para Bolsonaro e Paulo Guedes.
Alerta
Bolsonaro fala em criar o Partido da Defesa Nacional, para chamar de seu e abrigar a leva de majores, delegados, generais e capitães do PSL. Nada poderia ser pior para as Forças Armadas, que não estão sabendo avaliar devidamente os riscos da contaminação política dos quartéis. Isso nunca deu certo. [as FF AA são formadas por CIDADÃOS BRASILEIROS e sua presença na política só assusta os políticos mal intencionados e os que estão a serviço deles.]
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
Bolsonaro fala em criar o Partido da Defesa Nacional, para chamar de seu e abrigar a leva de majores, delegados, generais e capitães do PSL. Nada poderia ser pior para as Forças Armadas, que não estão sabendo avaliar devidamente os riscos da contaminação política dos quartéis. Isso nunca deu certo. [as FF AA são formadas por CIDADÃOS BRASILEIROS e sua presença na política só assusta os políticos mal intencionados e os que estão a serviço deles.]
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo