Que muitas pessoas amem o Estado é natural, pois é uma forma de amor
próprio. Os mais empolgados encarnam o objeto de seu amor e, amando o
Estado, amam a si mesmos.
Os demais possuídos por essa volúpia pensam
que o Estado lhes pertence e o amam como a um bem próprio.
Os dois
grupos, por suas paixões, ferem o funcionamento das instituições.
A tragédia
central dessa relação não é, de modo algum, o patrimonialismo nem a
corrupção, nem a inanição fora do agasalho do Estado.
A tragédia central
é o controle da manifestação das opiniões, notadamente das opiniões
políticas.
Esse é sonho de consumo de quem, funcionalmente, se confunde e
se funde com o Estado. Controlar o que os adversários podem dizer até a
extinção total de seu sentido é o mecanismo preferido dos
totalitarismos para se eternizarem no poder. Não é à toa que ditadura –
usura do poder – rima com censura.
As ideias
acima são pensamentos da noite de ontem (02/05) enquanto via defensores e
opositores se digladiarem em prolongado contraditório. Os que a
defendiam, não por acaso alinhados com a esquerda, viviam algo que para
eles é o inferno da comunicação: não terem palavra ou chavão que lhes
permitam controlar o discurso.
Afinal, censura é censura e chamar uma
lei de censura de “lei da liberdade, transparência e responsabilidade”
dá um nó na língua e outro no cérebro. Sua rota de fuga era defender o
combate à criminalidade: “Tem gente morrendo por falta dessa lei!”,
diziam a todo instante, enquanto as máscaras caíam e eram pisoteadas no
tapete do plenário.
Combate ao
crime? Por parte de quem? Da turma do desencarceramento, do prender não
resolve, do helicóptero devolvido ao André do Rap, da impunibilidade do
“di menor”, do desarmamento, da liberação das drogas, do “polícia não
sobe morro”, dos processos anulados por erro de CEP?
Desde quando o
combate ao crime virou prioridade de Estado num governo de esquerda?
Quando foi que o topo do poder judiciário pisou no acelerador do combate
à criminalidade objetiva com a energia e o dinamismo equivalentes aos
usados para pôr tornezeleiras nas tias do zap e aos subjetivos “crimes”
de fake news e discursos de ódio?
Como podem punir o Google por defender
editorialmente seus interesses “afetando a independência do Parlamento”
e atravessar a rua e ir ao Congresso para ... fazer o quê, mesmo?
E não
perceberam a mesma conduta no governo afetar a independência do
Parlamento quando compra votos com emendas para tentar aprovar a Lei da
Censura?
O que a
sociedade tem visto, com louvores de muitos, sim, é a censura objetiva.
Primeiro, já de longa data, como prática de direito uti possidetis
esquerdista nos relevantes espaços da Educação e da Cultura, portas
cerradas a toda divergência conservadora ou liberal, imediatamente
rotulada de fascista e de extrema-direita. Depois, na diversidade de
modos e casos testemunhados durante a recente campanha eleitoral.
Ontem,
quiseram meus sentidos discernir um grito de independência ecoar no
plenário da Câmara dos Deputados. Desconheço sua extensão, mas percebi no
bulício do plenário um coro de fundo a entoar “Não passarão!”, palavras
nem sempre decisivas, mas marcantes em momentos significativos da
história do último século.
Espero que
também as plataformas aprendam algo com a censura que quer agir contra
elas. Algumas, com claro viés progressista, censuram com habitualidade
seus usuários conservadores reduzindo-lhes a propagação ou jogando-os
para detrás das cortinas do shadowban.
O PL
2630/2020 é PL da Censura, sim. Leis contra o crime são leis penais, de
tipificação precisa, sem subjetividade e sem “veja bem, doutor”. Sua
eficácia depende menos do rigor e muito mais da efetiva relação
crime/aplicação da pena.
O resto é censura, eterna volúpia dos amantes
do Estado.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.