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segunda-feira, 28 de junho de 2021

Exército: sigilo no caso Pazuello é assunto interno e segue a Constituição

Em manifestação à ministra Cármen Lúcia, do STF, a Força diz que seguiu o que prevê a Lei de Acesso à Informação a respeito de dados e informações pessoais

O Exército enviou à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, 28, uma manifestação em que defende o sigilo de 100 anos imposto sobre o procedimento administrativo disciplinar aberto contra o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e arquivado pelo comandante da Força, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Pazuello foi alvo do procedimento por ter comparecido a uma manifestação política ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro, em 23 de maio. As regras da caserna proíbem que militares da ativa, como o ex-ministro, participem de atos do gênero.

O Exército alega no documento que não classificou o processo como sigiloso, mas apenas seguiu o que preveem a Constituição e a Lei de Acesso à Informação a respeito de informações pessoais. Segundo a Força, a defesa apresentada pelos militares submetidos a processos disciplinares pode incluir provas como pareceres médicos e informações pessoais próprias ou de familiares deles, “caracterizando assim informações de caráter personalíssimo”.

Assinada pelo coronel Marcelo Silva Rodrigues, chefe da assessoria de apoio para assuntos jurídicos do gabinete do comandante do Exército, a manifestação pede a rejeição de uma ação movida no STF por partidos de oposição como PT, PCdoB, PSOL e PDT contra o sigilo. Cármen é a relatora do pedido dos opositores para derrubar a medida. “A administração militar não ‘restringiu o acesso ao processo administrativo’, apenas cumpriu o que determina a própria Constituição Federal e a Lei de acesso à Informação, restringindo o acesso a seu conteúdo, com o propósito de resguardar informações pessoais ali contidas”. “O que se busca com essa argumentação é defender que o princípio da publicidade e da transparência não sejam sobrepostos, por motivações eminentemente políticas, aos direitos individuais de restrição de acesso de informações de cunho pessoal garantidas pela Carta Magna”. [a celeridade com que o STF atende todos os pedidos feitos por partidecos sem votos, sem programa de governo, sem parlamentares, tipo os nominados,  prestes a sumirem sepultados pela 'cláusula de barreira', especialmente quando o que solicitam tem como único objetivo aporrinhar o governo Bolsonaro, nos leva a perguntar: é voz corrente que a Justiça no Brasil está sobrecarregada de processos - especialmente a Suprema Corte e os tribunais superiores - então o que motiva a que os pedidos mais descabidos quando apresentados por partidecos em processo de extinção (ou se fundem ou a 'cláusula de barreira' ferra com eles) sejam imediatamente processados pelo STF?]

O Exército ainda sustenta que o procedimento trata de assunto interno, “unicamente uma relação personalíssima entre um militar e seu comandante”. Não haveria, na visão da corporação, interesse público nas informações. “Trata-se de uma questão ‘interna corporis’, sem qualquer pertinência temática com o período em que o Gen Eduardo Pazuello foi Ministro da Saúde”.

Blog Maquiavel  - VEJA

 


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Esperteza que engole o dono - Alon Feuerwerker

O noticiário relata que os presidentes do Senado e da Câmara buscam um atalho para se candidatarem à reeleição, mesmo no meio da legislatura. A Constituição proíbe expressamente isso, mas argumenta-se que o tema é interno às casas legislativas. Assunto interna corporis, a ser resolvido entre os candidatos e seus eleitores (deputados e senadores).

Se o Brasil não tivesse sido transformado, e sempre sob as anunciadas melhores intenções, num paraíso da insegurança e do criacionismo jurídicos, a tese continuísta seria rechaçada sem piedade. Mas aqui a pessoa acorda de manhã sem saber que trecho da Constituição está vigorando, ou se algo foi introduzido durante a noite na Carta “porque é justo”.

Nessas horas é prudente recorrer à sabedoria do Conselheiro Acácio, o personagem de Eça de Queiroz que nos advertiu sobre as consequências virem sempre depois. Se os presidentes das duas Casas do Congresso podem pleitear um novo mandato contra a letra expressa da Carta, argumentando ser "assunto interno" do Legislativo, por que não usar o mesmo critério para o presidente da República e os eleitores dele? [na segunda alternativa  vale o argumento democrático: se provém do presidente Bolsonaro ou dos seus apoiadores é ilegal, é antidemocrático, é contra a Constituição e vale violar princípios da democracia para combatê-los;
mas, se partir da 'turma', de algum supremo ministro, ou de algum grupo minoritário, vamos usar toda a força da 'constituição',  a que existe na interpretação, e aprovar.]

Se alguém pode ter direito a uma reeleição que a Constituição proíbe, bastando para isso que assim o queiram os eleitores envolvidos, por que negar ao ocupante do Palácio do Planalto a possibilidade de se submeter ao julgamento do eleitorado para tentar obter um terceiro mandato? 
Ou um quarto? Ou um quinto? E por que não a possibilidade da reeleição ilimitada? [se depender da vontade dos apoiadores da interpretação criativa, todos inimigos do presidente Bolsonaro =  inimigos do Brasil + adeptos do 'quanto pior, melhor' + turma do mecanismo, haveria sim um terceiro turno para tirar o capitão da cadeira.] 

Afinal, se o povo não estiver de acordo, que derrote o presidente-candidato. Seria só a extensão para o conjunto dos eleitores de um direito antes reservado aos membros do colégio eleitoral que escolhe os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Se suas excelências do Congresso Nacional podem outorgar-se essa possibilidade, por que negar ao povo?

Foi aliás o argumento de Evo Morales para driblar a consulta popular que o derrotara e tentar buscar um novo mandato de presidente na Bolívia. O resultado é conhecido. Como se diz, esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. O Brasil não é propriamente um exemplo de apego à letra da lei. O estado de direito por aqui costuma ser, digamos, flexível. Coisa exacerbada nesta era de bonapartismos, quando o pessoal que pede respeito às regras é visto como uma gente chata que abusa do mimimi.

No rumo atual vamos deslizando perigosamente para o predomínio de uma única lei: a do mais forte. Sabe-se hoje que as portas do inferno foram abertas lá atrás com a aprovação da reeleição no Executivo. O que veio depois foi só consequência. Não tem mesmo jeito, sempre acabamos voltando à sabedoria do Conselheiro.

Poderia ser o contrário. Poderíamos aproveitar o momento para dar um basta na reeleição ou pelo menos estabelecer regras mais justas. Por que um governador ou prefeito precisam renunciar ao mandado para poder concorrer contra um presidente que pode lutar pela reeleição confortavelmente sentado na cadeira e com a caneta na mão?

Alon Feuewerker, jornalista e analista político

Publicado originalmente na revista Veja 2.703, de 09 de setembro de 2020