Augusto Nunes
O PT sonha com a união de todos os brasileiros em torno do ex-presidiário que dividiu o Brasil
Fora do partido ninguém prestava, recitaram as virgens de bordel nas duas últimas décadas do século 20. Em 1985, por exemplo, o já morubixaba Lula ordenou à bancada no PT que se abstivesse de votar no Colégio Eleitoral formado para escolher o civil que ocuparia a Presidência da República — atribuição privativa de generais desde 1968. Para o chefe, não havia diferenças entre um Paulo Maluf — ele mesmo — e Tancredo Neves. Três deputados federais entenderam que Tancredo era infinitamente melhor. Foram expulsos do partido.
Impedido de assumir o cargo pela doença que ocultara para garantir uma transição sem traumas, Tancredo foi substituído pelo vice José Sarney. “Fora, Sarney!”, gritaria a companheirada nos cinco anos seguintes. (“Sarney é o maior ladrão do Brasil”, afirmou Lula em 1988, num comício em Vitória. Hoje os dois casos de polícia são amigos.) No mesmo ano, o então deputado Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT na Assembleia Constituinte, determinou que a bancada inteira assinasse o texto aprovado por ampla maioria, com uma ressalva: todos rejeitavam “uma Constituição que ignora os direitos da classe trabalhadora”. Que direitos seriam esses? Ninguém sabe.
Na eleição presidencial de 1989, o segundo colocado no primeiro turno vencido por Fernando Collor negou-se a pedir apoio aos demais candidatos afastados da etapa final. Sempre avesso a demonstrações de altivez, líderes do PSDB e do PMDB decidiram comparecer a um comício nas imediações do Estádio do Pacaembu. Hostilizados na chegada pela plateia restrita a militantes do PT, figuras como Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Ulysses Guimarães se enfurnaram por duas horas no fundo do palanque. Nenhum deles foi convidado a discursar. Se houvesse o convite, é improvável que algum topasse.
Até 1992, quando o adversário vitorioso foi afastado da Presidência, a companheirada berrou “Fora, Collor!”. Consumado o impeachment, bucaneiros incansáveis colocaram na alça de mira o vice que acabara de assumir. Disposto a cauterizar ao menos algumas feridas abertas pela polarização feroz, Itamar Franco convenceu a petista Luiza Erundina a aceitar uma vaga no ministério. Erundina foi suspensa pelo PT. E os gritos de “Fora, Itamar!” só cessaram quando o substituto de Collor repassou o gabinete no Palácio do Planalto.
A face escura começou a exibir suas dimensões siderais antes mesmo do triunfo de Lula na eleição de 2002: seis meses antes, o PL recebeu do PT R$ 4 milhões em troca da cessão do candidato a vice, José Alencar, e da promessa de apoio parlamentar. A expansão da “base governista no Congresso” custaria uma bolada multimilionária em espécie — e um prejuízo político astronômico.
Como o janismo, o getulismo, o ademarismo, o brizolismo, o lulismo morrerá com a morte física do único deus da seita
Nem assim faltaram gargantas para ressuscitar a barulheira. “Fora, Temer!”, esgoelaram-se os corais de picadeiro até o fim do governo do vice de Dilma. Em 1º de janeiro de 2019, começou o “Fora, Bolsonaro!”, com o patrocínio do consórcio de imprensa, das lojinhas de porcentagens, das bestas quadradas de distintos setores, de banqueiros sensíveis e, sobretudo, dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A conspiração dos democratas que odeiam a liberdade ainda não chegou ao desfecho. Mas é possível enxergar o Brasil redesenhado pelo rebaixamento do STF a partido político.
Leia também “Os manés estragaram a suprema boca-livre”
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste