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domingo, 22 de novembro de 2020

Constituição – realidade e ficção - O Estado de S. Paulo

Almir Pazzianotto Pinto

Demagogia em conluio com utopia foi o erro de deputados e senadores eleitos em 1986

É impossível fazer vista grossa para a crise que assola o País e a responsabilidade que recai sobre a Constituição da República.

[Matéria excelente, extremamente atual, não se deixando contaminar por fatos intempestivos, e que mostra os erros do excesso de direitos. País que tem direito para tudo, termina por esquecer os direitos que realmente importam.]

Exceto raros ex-integrantes da Assembleia Nacional Constituinte, é opinião generalizada que a oitava Carta Magna teve o prazo de validade ultrapassado. Não porque pequeno grupo conspire para derrubá-la. A morte virá por falência múltipla dos órgãos, decorrente de septicemia. Poderoso argumento utilizado contra a convocação de nova constituinte consiste no receio da perda de direitos sociais, relacionados no Capítulo II do Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Afinal, o que é a Constituição, também denominada Lei Fundamental? Os especialistas na matéria não costumam pôr-se de acordo acerca da correta definição. Pinto Ferreira, após citar uma dezena, define-a como “conjunto de normas convencionais ou jurídicas que, repousando na estrutura econômico-social e ideológica da sociedade, determina de uma maneira fundamental e permanente o ordenamento do Estado” (Da Constituição, Ed. José Konfino, 1956).

Poderia ter dito apenas “conjunto de normas fundamentais que regem a organização do Estado”. As definições convergem, todavia, na afirmação de que compete à Constituição determinar regras fundamentais. Tudo o que não for fundamental pertence à esfera da legislação ordinária.  
Assim o dizia o artigo 178 da longeva Carta Imperial de 1824, que vigorou por 65 anos e recebeu emenda uma única vez: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições dos respectivos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos. Tudo o que não for constitucional pode ser alterado, sem as formalidades requeridas, pelas Legislaturas ordinárias”. 
A Constituição republicana de 1891 foi a que mais se aproximou do salutar princípio. Daí ter durado 40 anos, com poucas mudanças, feitas de uma só vez, em 3/9/1926.

Para ser verdadeira e não descambar para o enganoso terreno da utopia, a Lei Fundamental deve refletir a realidade e não oferecer mais do que a infraestrutura econômica consegue proporcionar. [o que inclui, sem limitar, oferecer direitos em demasia e sem a contrapartida dos deveres.]  Como diria Oliveira Vianna, o traço dominante das últimas constituintes consiste na fatídica crença no poder mágico das palavras. Da Constituição de 1988 recolho como exemplos de ilusionismo o elenco dos direitos sociais, a definição do salário mínimo, a proteção contra a automação na forma da lei, as garantias relativas à saúde, à educação, à segurança, ao emprego, ao trabalho (artigos 6.º e 7.º, IV e XXVII, 144, 170, 196, 205).

Os direitos sociais relacionados nos 34 incisos do artigo 7.º oferecem frágil cobertura a minoritário mercado formal, onde se encontram os que têm carteira profissional anotada. Para a maioria desempregada, subocupada ou desalentada prevalece a lei da oferta e da procura, agravada pela crise aprofundada pela pandemia, cuja extensão o presidente Jair Bolsonaro insiste em menosprezar. São 14 milhões de desempregados, 9 milhões sem carteira profissional assinada, 21,4 milhões de autônomos, 51,7 milhões abaixo da pobreza, vítimas das fantasias dos constituintes de 1988.

Direitos fundamentais, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis são a igualdade perante a lei, a liberdade de imprensa e de opinião, a dignidade, a cidadania, a pluralidade política, o voto universal e secreto, o acesso ao trabalho e à livre-iniciativa. Não basta, para usufruí-los, que se encontrem escritos e encadernados. 
A Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada em 17/9/1789 por 55 delegados representantes de 12 Estados, tem sete artigos, emendados 20 vezes. 
Não faz referência a direitos sociais, que só se concretizam quando o Estado é democrático e a economia, vigorosa, funciona bem.

Para que a admiremos a Constituição deve ser conhecida e manter vínculos de fidelidade com o povo. Eruditos comentários redigidos por acadêmicos e professores estão fora do alcance do grosso da população. São ótimos para a venda de livros que dissertam sobre mundo irreal. O Idealismo da Constituição, livro de Oliveira Vianna, talvez o único que analisou o fracasso da Constituição de 1934, está fora de circulação. Parafraseando o autor, a Constituição de 1988 falhou por instituir relações conflitantes entre idealismo, utopia e realidade nacional.

Fonte do direito positivo ordinário é a vontade revelada pelo Estado. Fonte do direito constitucional, entretanto, é a vontade revelada pelo povo por meio dos seus representantes, salvo quando não dimana, como em 1964, da ruptura da ordem jurídica provocada por golpe militar. Fazer da demagogia, em conluio com forte dose de utopia, fonte do Direito Fundamental foi o erro em que incidiram deputados e senadores eleitos em 1986, investidos erroneamente de poder constitucional.

Estamos a caminho da nona Constituição. Se não encontrarmos a fórmula política consensual para redigi-la e promulgá-la, a letal combinação entre crise econômica e crise social poderá deflagrar crise institucional cujo desfecho virá, como em 1964, pela violência das armas.

Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho governo Sarney  e presidente do TST

 

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Corrupção e política

Governar tem como condição o respeito aos outros na negociação de propostas

A luta contra a corrupção tem permeado a vida pública brasileira nos últimos anos. Seja por ter aumentado nos governos petistas, saindo, por assim dizer, dos padrões costumeiros até então, seja por sua ampla divulgação, ela se tornou uma verdadeira bandeira política. Ganhou as ruas e a consciência dos cidadãos. O desgaste público da ex-presidente Dilma Rousseff, moralmente atingida indiretamente por seu partido, as manifestações de rua, o papel central que a Lava Jato veio a assumir e a eleição do atual presidente são expressões dessa reconfiguração entre a moral e a política.

Acontece, porém, que a vida política, ao gravitar em torno desse eixo, sofreu um deslocamento importante, como se a resolução dessa questão fosse ela mesma a solução de todos os problemas nacionais. Seria uma chave mestra capaz de abrir qualquer porta. Mas ela é apenas a chave para uma fechadura específica, incapaz, por si só, de equacionar outros problemas importantes. Note-se a importância que a Lava Jato adquiriu. De uma investigação sobre a corrupção envolvendo partidos e personagens políticos os mais variados veio a apresentar-se como uma espécie de redenção nacional. A linguagem teológico-política é aqui clara, por seu caráter salvacionista. Seu efeito colateral foi, porém, o de que seus agentes vieram a se representar como se fossem missionários a anunciar a boa nova.

Seu corolário são exacerbações de funções e ações que podem até ameaçar o Estado de Direito, quando prisões preventivas são utilizadas sem nenhum critério, como se viu recentemente na prisão do ex-presidente Michel Temer. Ele foi encarcerado sem ter sido ouvido, julgado ou condenado, sem ter podido exercer o que é o mínimo num Estado de Direito: o direito à defesa.

Algo análogo está acontecendo com o presidente Jair Bolsonaro. Ganhou a eleição ancorado numa campanha contra o PT, contra a corrupção e contra a criminalidade, sendo ele também um fervoroso defensor da Lava Jato. Tornou o seu principal juiz, Sergio Moro, ministro da Justiça, numa nítida demonstração de sua prioridade. Não sem razão o projeto do novo ministro contra a criminalidade foi logo enviado ao Congresso Nacional. Igualmente importante, do ponto de vista eleitoral, foi o apoio dos evangélicos, ao tornar a questão dos costumes assunto principal, ancorado na luta contra o politicamente correto. A pauta nacional estaria, assim, esgotada. Nada foi expresso, muito menos debatido, sobre as reformas previdenciária e tributária, apesar de serem questões que, se não forem equacionadas, podem levar o País à insolvência fiscal, com todos os problemas sociais e econômicos daí decorrentes. O máximo que foi dito é que qualquer pergunta a esse respeito deveria ser dirigida ao “posto Ipiranga”, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Só que governar o País não equivale a comprar gasolina ou ir a uma loja de conveniência. Os problemas são muito mais complexos. Os impasses do atual projeto da Previdência bem mostram sua atualidade. A esse respeito o governo demonstra falta de articulação política e ausência de atuação no processo de formação da opinião pública, seja pelas mídias tradicionais, seja pelas redes sociais. A desorientação parece ser seu único norte. Há, porém, uma lógica nessa desorientação, a de permanecer no discurso de campanha, recorrendo à luta contra a corrupção, o politicamente correto e a violência no campo e nas cidades. O foco permanece eleitoral, com as mídias pessoais do presidente concentrando-se prioritariamente nesses pontos, sem que se vislumbre uma campanha mais ampla sobre as reformas, sobretudo de cunho liberal. Há um primado da pauta conservadora sobre a liberal.

A pauta conservadora vem se caracterizando pela lógica do confronto, como se se tratasse de uma luta de tipo salvacionista do bem contra o mal, da virtude contra o vício, dos amigos contra os inimigos. Toda crítica e divergência é vista como uma espécie de heresia, um desvio do reto caminho, aquele que é traçado por seus autores, os que se representam como tal. A vida política vê-se, assim, restringida por esse tipo de enquadramento ideológico. Ora, esse enquadramento tem uma lógica própria, baseada num tipo de movimento permanente, cujo traço principal consiste na agressão, na consideração do outro como inimigo, no tratamento do adversário como alguém que deve ser excluído. A exclusão é seu norte e o tratamento dos críticos, a sua desqualificação. Sob esse prisma, o País deveria viver num processo de constante instabilidade, como se essa fosse a condição de governar.

Instituições democráticas, todavia, exigem estabilidade e obediência a ritos institucionais. Governar tem como condição o respeito aos outros na negociação de propostas. Nada vai goela abaixo. A negociação política pressupõe concessões de ambos os lados. Não se pode simplesmente considerar o outro um corrupto por apresentar certas demandas. Por exemplo, deputados apresentam emendas em função de suas bases eleitorais. Podem ser postos de saúde, campos de futebol ou escolas. Tudo isso é legítimo e faz parte do jogo político. Não há nenhuma vergonha nisto. Mesmo o preenchimento de cargos, baseado na ficha limpa dos pretendentes, se enquadra nesse tipo de negociação. Logo, não se pode identificar tal negociação política com uma luta da “nova política” contra a “velha”, do “bem” contra o “mal”.

Contudo, se à lógica da negociação política for aplicada a lógica do combate “religioso” à corrupção, como se assim tudo pudesse ser resolvido, o País só aprofundará seus problemas. Sem as reformas previdenciária e tributária o Brasil ruma para uma crise social, econômica e institucional, em que a instabilidade provocada pela luta política fundada na exclusão será somente um fator de ingovernabilidade.

Denis Lerrer Rosenfield - Professor de filosofia na UFRGS
 
 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Comandante do Exército vê risco de crise social no país

O comandante do Exército, general-de-Exército Eduardo Villas Bôas, disse ver risco de a atual crise virar uma "crise social" que afetaria a estabilidade do país, o que, segundo ele, diria respeito às Forças Armadas.

"Estamos vivendo situação extremamente difícil, crítica, uma crise de natureza política, econômica, ética muito séria e com preocupação que, se ela prosseguir, poderá se transformar numa crise social com efeitos negativos sobre a estabilidade", afirmou.

O militar prosseguiu: "E aí, nesse contexto, nós nos preocupamos porque passa a nos dizer respeito diretamente".

Villas Bôas deu as declarações em inédita videoconferência na sexta (9) para 2.000 oficiais temporários da reserva, os R2, que se prepararam durante o serviço militar, mas não seguiram carreira. A conversa, com transmissão para oito comandos pelo país e cujos trechos circulam na internet, foi aberta a perguntas e teve a presença, por exemplo, do ex-governador Roberto Magalhães (DEM-PE), saudado pelo general.

O militar, que foi escolhido para o comando do Exército pela presidente Dilma Rousseff no início deste ano e já afastou intervenção militar em outras declarações, disse não ver uma crise institucional e que as instituições funcionam, dando como exemplo a reprovação das contas da petista pelo Tribunal de Contas da União.

"Dispensa a sociedade de ser tutelada. Não são necessários atalhos nos caminhos para chegar ao bom termo."

Questionado pela Folha sobre o significado de eventual crise social dizer respeito ao Exército, a instituição citou artigo da Constituição que afirma que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", sob autoridade presidencial.

"Foi com o pensamento de legalidade, de estabilidade e de legitimidade que o comandante do Exército se referiu", disse em nota.

Segundo o Exército, que tem desenvolvido projeto recente de reaproximação com reservistas, "a única intenção [do evento] foi manter o contato com ex-companheiros".

O presidente do conselho de R2, Sérgio Monteiro, terminou assim nota publicada após a palestra: "Os tenentes estão de volta, prontos! Dê-nos a missão!".

 

VEJA ABAIXO TRECHO DA VIDEOCONFERÊNCIA

Videoconferência do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas

Texto Exército Brasileiro


Comandante do Exército conversa ao vivo com militares temporários da reserva de todo o País

 
Fortes e coesos. Essas palavras resumem a integração dos militares da reserva com o Exército Brasileiro. Isso foi comprovado durante uma videoconferência, realizada no dia 9 de outubro, entre o Comandante do Exército, General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, e oficiais temporários da reserva (os chamados R2) de todo o Brasil. Mais de dois mil ex-integrantes do serviço ativo lotaram os auditórios dos oito comandos militares de área para participar da sessão virtual, transmitida em tempo real, cujo objetivo foi estabelecer um diálogo mais eficaz entre a reserva e o Comandante.
Esse efetivo, mesmo após deixar as fileiras da Força Terrestre, continua se organizando em associações que, de maneira vibrante, cultuam os valores militares aprendidos na caserna e representam uma interface significativa entre a Instituição e a sociedade. Não à toa, muitos deles hoje ocupam funções estratégicas nas mais diversas áreas. É o caso do ex-governador de Pernambuco, ex-prefeito de Recife, ex-deputado federal e também antigo oficial R2, Roberto Magalhães, que estava presente na videoconferência; além de desembargadores, magistrados e outros profissionais.

O Gen Villas Bôas respondeu a perguntas sobre os mais variados temas,
desde as ações para a valorização dos oficiais da reserva e os desafios do novo Ministro da Defesa, à atual crise vivida pelo País. O Comandante tranquilizou todos os participantes ao dizer que a Instituição encara esse momento de dificuldades do Brasil a partir de três pilares essenciais: a estabilidade, a legalidade e a legitimidade. Com eles, afirmou, o Exército pode se unir às outras instituições para ajudar o País a enfrentar o cenário atual e a buscar um projeto de desenvolvimento que traga mais harmonia entre os diferentes agentes públicos e a sociedade.

Todas as ideias e sugestões trazidas pelos oficiais R2 foram acolhidas pelo Comandante, e algumas serão objeto de estudos para, depois da devida análise, entrarem em vigor. Nas suas últimas palavras, o Comandante pediu que todos mantivessem o mesmo espírito de entusiasmo que sempre marcou os quadros do Exército, enfatizando que seguir em frente como um bloco uníssono, sem rupturas, é o melhor de todos os caminhos.


Fonte: Defesa Net