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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Mudança de rumo - Merval Pereira

O Globo

A interferência do presidente Jair Bolsonaro em corporações como a Polícia Federal, a Receita, o Coaf, as Polícias Militares, fundamentais no combate à corrupção, na direção oposta àquela que balizou sua campanha presidencial, é um dos mais intrigantes movimentos políticos dos anos recentes. Bolsonaro foi eleito principalmente pelo sentimento antipetista que continua latente. Mas ampliou seu eleitorado cativo, de militares e assemelhados, com a adesão da classe média urbana, que exigia o combate à corrupção como maneira de conseguir bons serviços públicos e um padrão ético civilizado. [destaque-se que até o presente momento nenhuma das ações do governo Bolsonaro, exercendo seu legítimo poder de interferir em órgãos federais, significa boicote a qualquer operação de combate à corrupção.
O ato que mais tem sido criticado e qualificado como contrário ao combate à corrupção é a Lei de Abuso de Autoridade que, até o presente momento, ainda não foi objeto de decisão do presidente da República, seja sancionando ou vetando total ou parcialmente.]
 A Operação Lava-Jato fez com que os brasileiros juntassem causa e efeito, compreendendo que a corrupção constrangia o investimento governamental em áreas carentes de equipamento urbano de transportes, de saúde, de educação, saneamento básico.  Na campanha presidencial, Bolsonaro anunciou logo que o superministro da Economia seria Paulo Guedes, seu “posto Ipiranga”. O que lhe valeu o apoio de um eleitorado liberal que buscava ao centro a solução para livrar-se do PT. Bolsonaro tornou-se a solução à mão.

 Eleito, deu um golpe de mestre convidando o juiz Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção, para ministro da Justiça e Segurança Pública, juntando em uma figura icônica dois setores vitais para a melhoria do cotidiano do brasileiro. Os dois superministros continuam sustentando seu governo, o da Economia exitoso até agora com as reformas estruturais, o da Justiça em momento de baixa na estrutura palaciana, mas ainda contando com o apoio da população.    [Moro tem sido vítima sistemática de ações do Congresso Nacional que procuram desmoralizá-lo mas, seu crescimento junto ao povo tornou a divulgação pelo site intercePTação  de supostas conversas   em o escândalo que encolheu'.]

Vítima de uma fatalidade política, a partir do momento em que seu filho Flávio foi envolvido em uma investigação de corrupção, quando era deputado estadual no Rio, Bolsonaro mudou de rumo.  Um grande acordo foi costurado com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que misturou interesses pessoais com os do Estado brasileiro.  Toffoli revelou recentemente à revista Veja que o pacto que intermediou entre os três poderes – Executivo, Judiciário, e Legislativo - não nasceu do nada, como parecia. Havia, segundo seu relato, uma movimentação entre os militares que estavam no Governo, empresários insatisfeitos com a economia e políticos que visava tirar o presidente Bolsonaro do governo anda no alvorecer de seu mandato.

Essa ação política, que os aproximou, coincidiu com investigações da Receita e do Coaf sobre ministros do Supremo, Flavio Bolsonaro, e as respectivas famílias. Acatar o pedido de Flavio para que o Coaf não repassasse seus dados fiscais sem autorização judicial ajudou a família de Bolsonaro e a dos ministros do Supremo, mas fez com que o presidente ficasse escravo de uma nova agenda política, a de travar a Operação Lava-Jato e similares.  O espírito do momento é esse, e por isso a Câmara acelerou a aprovação da lei de abuso de autoridade, cuja finalidade subreptícia é colocar barreiras legais, ou reforçar as já existentes, às investigações, transformando em crime ações que hoje são, ou deveriam ser, apenas infrações administrativas.

A legislação brasileira é feita para não funcionar, já disse o ministro do Supremo Luis Roberto Barroso. As tecnalidades existem para impedir que se prendam pessoas famosas, poderosas, que tenham bons advogados, que encontrarão sempre na lei um subterfúgio para anular provas e impedir investigações. Sua relação com o ministro Sérgio Moro deteriorou-se, e com a lei de abuso de autoridade, a tendência é deteriorar-se também a relação com outras corporações. A Receita Federal está em pé de guerra pela tentativa de nomear um novo responsável pelo Porto de Itaguai, no Rio de Janeiro, base eleitoral dos Bolsonaro e conhecido ponto de atuação de milicianos e contrabandistas. Parte dos eleitores de Bolsonaro vai ficar revoltada quando entender que ele está boicotando a Lava-Jato, mas outra está satisfeita com o que está fazendo em outras áreas, como liberação de porte de armas, combate à pornografia, mudança de enfoque da conservação do meio-ambiente.

Os liberais de centro-direita estão satisfeitos os caminhos da economia
. Mas a recuperação da economia depende também da elevação do padrão ético do país. E da melhoria de nossa imagem no exterior. 


Merval Pereira,  jornalista  - O Globo


terça-feira, 2 de julho de 2019

A conspiração Tabajara e conexão STF - Arapongas

O povo parece estar mais atento para impedir que os sorridentes sabotadores lhe tomem o que é dele



 
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, declarou que, se fosse parlamentar, Sergio Moro estaria preso. Nenhuma autoridade ou figura pública relevante jamais havia se referido ao ex-juiz e atual ministro da Justiça dessa forma. Nem os arapongas do Lula fantasiados de jornalistas investigativos, que saíram à caça aberta do homem que simboliza a operação Lava Jato, falaram em prisão de Moro.


segunda-feira, 1 de abril de 2019

Corrupção e política

Governar tem como condição o respeito aos outros na negociação de propostas

A luta contra a corrupção tem permeado a vida pública brasileira nos últimos anos. Seja por ter aumentado nos governos petistas, saindo, por assim dizer, dos padrões costumeiros até então, seja por sua ampla divulgação, ela se tornou uma verdadeira bandeira política. Ganhou as ruas e a consciência dos cidadãos. O desgaste público da ex-presidente Dilma Rousseff, moralmente atingida indiretamente por seu partido, as manifestações de rua, o papel central que a Lava Jato veio a assumir e a eleição do atual presidente são expressões dessa reconfiguração entre a moral e a política.

Acontece, porém, que a vida política, ao gravitar em torno desse eixo, sofreu um deslocamento importante, como se a resolução dessa questão fosse ela mesma a solução de todos os problemas nacionais. Seria uma chave mestra capaz de abrir qualquer porta. Mas ela é apenas a chave para uma fechadura específica, incapaz, por si só, de equacionar outros problemas importantes. Note-se a importância que a Lava Jato adquiriu. De uma investigação sobre a corrupção envolvendo partidos e personagens políticos os mais variados veio a apresentar-se como uma espécie de redenção nacional. A linguagem teológico-política é aqui clara, por seu caráter salvacionista. Seu efeito colateral foi, porém, o de que seus agentes vieram a se representar como se fossem missionários a anunciar a boa nova.

Seu corolário são exacerbações de funções e ações que podem até ameaçar o Estado de Direito, quando prisões preventivas são utilizadas sem nenhum critério, como se viu recentemente na prisão do ex-presidente Michel Temer. Ele foi encarcerado sem ter sido ouvido, julgado ou condenado, sem ter podido exercer o que é o mínimo num Estado de Direito: o direito à defesa.

Algo análogo está acontecendo com o presidente Jair Bolsonaro. Ganhou a eleição ancorado numa campanha contra o PT, contra a corrupção e contra a criminalidade, sendo ele também um fervoroso defensor da Lava Jato. Tornou o seu principal juiz, Sergio Moro, ministro da Justiça, numa nítida demonstração de sua prioridade. Não sem razão o projeto do novo ministro contra a criminalidade foi logo enviado ao Congresso Nacional. Igualmente importante, do ponto de vista eleitoral, foi o apoio dos evangélicos, ao tornar a questão dos costumes assunto principal, ancorado na luta contra o politicamente correto. A pauta nacional estaria, assim, esgotada. Nada foi expresso, muito menos debatido, sobre as reformas previdenciária e tributária, apesar de serem questões que, se não forem equacionadas, podem levar o País à insolvência fiscal, com todos os problemas sociais e econômicos daí decorrentes. O máximo que foi dito é que qualquer pergunta a esse respeito deveria ser dirigida ao “posto Ipiranga”, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Só que governar o País não equivale a comprar gasolina ou ir a uma loja de conveniência. Os problemas são muito mais complexos. Os impasses do atual projeto da Previdência bem mostram sua atualidade. A esse respeito o governo demonstra falta de articulação política e ausência de atuação no processo de formação da opinião pública, seja pelas mídias tradicionais, seja pelas redes sociais. A desorientação parece ser seu único norte. Há, porém, uma lógica nessa desorientação, a de permanecer no discurso de campanha, recorrendo à luta contra a corrupção, o politicamente correto e a violência no campo e nas cidades. O foco permanece eleitoral, com as mídias pessoais do presidente concentrando-se prioritariamente nesses pontos, sem que se vislumbre uma campanha mais ampla sobre as reformas, sobretudo de cunho liberal. Há um primado da pauta conservadora sobre a liberal.

A pauta conservadora vem se caracterizando pela lógica do confronto, como se se tratasse de uma luta de tipo salvacionista do bem contra o mal, da virtude contra o vício, dos amigos contra os inimigos. Toda crítica e divergência é vista como uma espécie de heresia, um desvio do reto caminho, aquele que é traçado por seus autores, os que se representam como tal. A vida política vê-se, assim, restringida por esse tipo de enquadramento ideológico. Ora, esse enquadramento tem uma lógica própria, baseada num tipo de movimento permanente, cujo traço principal consiste na agressão, na consideração do outro como inimigo, no tratamento do adversário como alguém que deve ser excluído. A exclusão é seu norte e o tratamento dos críticos, a sua desqualificação. Sob esse prisma, o País deveria viver num processo de constante instabilidade, como se essa fosse a condição de governar.

Instituições democráticas, todavia, exigem estabilidade e obediência a ritos institucionais. Governar tem como condição o respeito aos outros na negociação de propostas. Nada vai goela abaixo. A negociação política pressupõe concessões de ambos os lados. Não se pode simplesmente considerar o outro um corrupto por apresentar certas demandas. Por exemplo, deputados apresentam emendas em função de suas bases eleitorais. Podem ser postos de saúde, campos de futebol ou escolas. Tudo isso é legítimo e faz parte do jogo político. Não há nenhuma vergonha nisto. Mesmo o preenchimento de cargos, baseado na ficha limpa dos pretendentes, se enquadra nesse tipo de negociação. Logo, não se pode identificar tal negociação política com uma luta da “nova política” contra a “velha”, do “bem” contra o “mal”.

Contudo, se à lógica da negociação política for aplicada a lógica do combate “religioso” à corrupção, como se assim tudo pudesse ser resolvido, o País só aprofundará seus problemas. Sem as reformas previdenciária e tributária o Brasil ruma para uma crise social, econômica e institucional, em que a instabilidade provocada pela luta política fundada na exclusão será somente um fator de ingovernabilidade.

Denis Lerrer Rosenfield - Professor de filosofia na UFRGS
 
 

domingo, 4 de novembro de 2018

Moro no governo dos 'humanos direitos'

Ele conhecerá outro lado da corrupção nacional, aquele em que se desrespeitam as prerrogativas dos cidadãos 

Sergio Moro lustrou a biografia de Jair Bolsonaro e de seu futuro governo ao aceitar o superministério da Justiça. Foi um tiro na mosca, pois seu trabalho à frente da Lava Jato tornou-se um marco na história da política nacional, faxinando a corrupção do andar de cima.  Ao sentar na cadeira, será apresentado a outro tipo de corrupção sistêmica, aquela que ofende os direitos dos cidadãos. Ele entrará num governo em que o futuro ministro da Defesa, general da reserva Augusto Heleno, disse que “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”. [frase que foi aprovada por a quase totalidade da população, do povo, vítima da ação de bandidos que quando são abatidos pela justa, legal e necessária ação da polícia, sempre contam com o apoio da turma dos 'direitos dos manos'.]
 
Desfolhando as mazelas da criminalidade nacional, acrescentou: “É um absurdo tratar isso como uma situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção”. 
Quais tratamentos de exceção Moro sancionará, ninguém sabe.  O futuro governador do Rio de Janeiro, oficial da reserva da Marinha [também ex-juiz federal] , singra um discurso apocalíptico e anuncia que “não vai faltar lugar para colocar bandido, cova a gente cava e presídio, se precisar, a gente bota em navio em alto mar”.
Pura demagogia, e Witzel conhece a história dessas cadeias flutuantes. Elas se chamavam presigangas e eram usadas na Colônia e no Império. A última presiganga de que se tem notícia funcionou no navio Raul Soares, onde puseram presos políticos em 1964. 

Os discursos repressivos de hoje têm amplo apoio popular, o que os torna mais perigosos, pois quando ficar demonstrada a vacuidade do palavrório, os demagogos mudarão de assunto.  Sergio Moro diz que a sua prioridade será o combate à corrupção e ao crime organizado. Por falta de experiência na área criminal do andar de baixo, descobrirá isso quando cair sobre sua mesa o caso de alguma roubalheira que usava um posto de gasolina da Baixada Fluminense para lavar dinheiro da corrupção e do tráfico.

Puxando os fios, como ele fez em Curitiba, será fácil descobrir poderes que se instalaram no século passado, sobreviveram à ditadura, aninhados nos desvãos dos DOI e ressurgiram com a redemocratização, sambando na avenida e negociando nos palácios. 
Hoje, como sempre, os ferrabrazes ganham desenvoltura quando sentem-se amparados pela opinião pública. Alguns ministros da Justiça, como Seabra Fagundes e Milton Campos, sentiram o cheiro de queimado e foram-se embora. Outros, como o professor Luís Antônio da Gama e Silva, redator do AI-5, inebriaram-se. Cada um escolhe seu caminho e Moro escolherá o seu. 

Pode-lhe ser útil a lembrança do que ocorreu com Carlos Medeiros Silva quando sentou naquela cadeira, em 1966. Um coronel que servia no gabinete apresentou-se: “Ministro, vim conhecê-lo. Sou o representante da linha dura aqui no ministério”.  Medeiros era um mineiro miúdo e discreto. Cioso da autoridade, sobretudo da sua, respondeu: “Coronel, agradeço muito seus relevantes serviços, mas o senhor está dispensado. Agora, o representante da linha dura aqui sou eu”.

O ‘Posto Ipiranga’ contatou Moro

“Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato”, disse o general da reserva Hamilton Mourão na quarta-feira. [juntando três pontos:
- a certeza de que Moro não pretende mais atuar como juiz;
- que o contato entre Paulo Guedes e Moro ocorreu meses após a condenação e encarceramento de Lula - quando sequer havia a certeza que Bolsonaro seria candidato; 
- e que a sentença condenando o presidiário petista - no caso do triplex - foi confirmada em todas as instâncias - do TRF-4 ao plenário do Supremo (visto que a defesa do condenado petista impetrou mais de cem ações tentando libertar o presidiário Lula),nada fundamenta a reprovação ao ato de um emissário do presidente da República, conversar com o magistrado que proferiu tal sentença.] 
 
O vice-presidente eleito referia-se à primeira sondagem da equipe do candidato Jair Bolsonaro para atrair o juiz Sergio Moro. O intermediário, segundo o general, foi Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do capitão. Segundo Moro, “isso não tem uma semana”. Portanto, teria acontecido depois do dia 27 de outubro. Mourão falou em “semanas”. Quantas? Moro e Guedes prestariam um grande serviço à moralidade pública se esclarecessem a data precisa desse contato, até porque o próprio presidente eleito mostrou-se confuso ao tratar do episódio.

O esclarecimento seria desnecessário para qualquer outra pessoa, mas Moro interferiu no processo eleitoral no dia 1º de outubro, quando liberou um trecho da colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci. Foram 11 páginas de parolagem que ganharam a previsível repercussão, pois faltavam seis dias para o primeiro turno.  O “contato” teria ocorrido “durante a campanha”, o que é esquisito, mas seria jogo limpo. Se ele aconteceu antes da liberação do depoimento de Palocci, teriam sujado o jogo e a conduta de Moro deveria ser analisada pelo Ministério Público e pelo Conselho Nacional de Justiça. [pedindo vênia ao ilustre autor da matéria, expressamos o entendimento que a liberação do depoimento de Palocci foi mínimo - os fatos que pesaram contra Haddad foram, destacamos alguns:
- a certeza da maioria do eleitorado que com Bolsonaro as chances de recuperação do Brasil são bem melhores do que as com o poste petista, que só tinha a oferecer a piora das condições de vida dos brasileiros;
- os crimes cometidos por Lula, PT e os 32 processos aos quais Haddad responde;
- a burrice petista de aceitar Lula como insubstituível e criar a figura do candidato por procuração;
- a rejeição da maior parte dos brasileiros (não só do eleitorado) ao PT, ao Lula e tudo que significam de pior para o Brasil.]
A ação do Judiciário está contaminada pela onipotência. Felizmente o Supremo Tribunal Federal derrubou todos os atos relacionados com o arrastão realizado em 17 universidades de nove estados nas últimas semanas. Todas as ações foram determinadas por juízes.  No início de outubro completou-se um ano do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, mandado para a cadeia por uma magistrada e proibido de entrar na instituição.

 

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Bolsonaro, o ‘mito’, derrotou a ‘ideia’ Lula

O presidente eleito fez da megalomania do ex-presidente presidiário sua força



José Nêumanne (publicado no Estadão)

Desde 2013 que o demos (povo, em grego) bate à porta da kratia (governo), tentando fazer valer o preceito constitucional segundo o qual “todo poder emana do povo” (artigo 1.º, parágrafo único), mas só dá com madeira na cara. Então, em manifestações gigantescas na rua, a classe média exigiu ser ouvida e o poste de Lula, de plantão no palácio, fez de conta que a atendia com falsos “pactos” com que ganhou tempo. No ano seguinte, na eleição, ao custo de R$ 800 milhões (apud Palocci), parte dessa dinheirama em propinas, ela recorreu a um marketing rasteiro para manter a força.

Na dicotomia da época, o PSDB, que tivera dois mandatos, viu o PT chegar ao quarto, mas numa eleição que foi apertada, em que o derrotado obtivera 50 milhões de votos. Seu líder, então incontestado, Aécio Neves, não repetiu o vexame dos correligionários derrotados antesSerra, Alckmin e novamente Serra ─ e voltou ao Senado como alternativa confiável aos desgovernos petistas. Mas jogou-a literalmente no lixo, dedicando-se à vadiagem no cumprimento do que lhe restava do mandato. O neto do fundador da Nova República, Tancredo Neves, deixou de ser a esperança de opção viável aos desmandos do PT de Lula e passou a figurar na galeria do opróbrio ao ser pilhado numa delação premiada de corruptores, acusado de se vender para fazer o papel de oposição de fancaria. O impeachment interrompeu a desatinada gestão de Dilma, substituída pelo vice escolhido pelo demiurgo de Garanhuns, Temer, do MDB, que assumiu e impediu o salto no abismo, ficando, porém, atolado na própria lama.


Foi aí que o demos resolveu exercer a kratia e, donas do poder, as organizações partidárias apelaram para a força que tinham. Garantidas pelo veto à candidatura avulsa, substituídas as propinas privadas pelo suado dinheiro público contado em bilhões do fundo eleitoral, no controle do horário político obrigatório e impunes por mercê do Judiciário de compadritos, elas obstruíram o acesso do povo ao palácio.  Em janeiro, de volta pra casa outra vez, o cidadão sem mandato sonhou com o “não reeleja ninguém” para entrar nos aposentos de rei pelas urnas. Chefões partidários embolsaram bilhões, apostaram no velho voto de cabresto do neocoronelismo e pactuaram pela impunidade geral para se blindarem. Mas, ocupados em só enxergar seus umbigos, deixaram que o PSL, partido de um deputado só, registrasse a candidatura do capitão Jair Bolsonaro para conduzir a massa contra a autossuficiência de Lula, ladrão conforme processo julgado em segunda instância com pena de 12 anos e 1 mês a cumprir. O oficial, esfaqueado e expulso da campanha, teve 10 milhões de votos a mais do que o preboste do preso.

Na cela “de estado-maior” da Polícia Federal em Curitiba, limitado à visão da própria cara hirsuta, este exerceu o culto à personalidade com requintes sadomasoquistas e desprezo pela sorte e dignidade de seus devotos fiéis. Desafiou a Lei da Ficha Limpa, iniciativa popular que ele sancionara, transformou um ex-prefeito da maior cidade do País em capacho, porta-voz, pau-mandado, preposto, poste e, por fim, portador da própria identidade, codinome, como Estela foi de Dilma na guerra suja contra a ditadura. Essa empáfia escravizou a esquerda Rouanet ao absurdo de insultar 57 milhões, 796 mil e 986 brasileiros que haviam decidido livrar-se dele de nazistas, súditos do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, que não se perca pelo nome, da Alemanha de Weimar: a ignorância apregoada pela arrogância.

Com R$ 1,2 milhão, 800 vezes menos do que Palocci disse que Dilma gastara há quatro anos, oito segundos da exposição obrigatória contra 6 minutos e 3 segundos de Alckmin na TV, carregando as fezes na bolsa de colostomia e se ausentando dos debates, Bolsonaro fez da megalomania de Lula sua força, em redes sociais em que falou o que o povo exigia ouvir.  A apoteose triunfal do “mito” que derrotou a “ideia” produziu efeitos colaterais. Inspirou a renovação de 52% da Câmara; elegeu governadores nos três maiores colégios eleitorais; anulou a rasura na Constituição com que Lewandowski, Calheiros e Kátia permitiram a Dilma disputar e perder a eleição; e forçou o intervalo na carreira longeva de coveiros da república podre.

O nostálgico da ditadura, que votou na Vila Militar, tem missões espinhosas a cumprir: debelar a violência, coibir o furto em repartições públicas e estatais, estancar a sangria do erário em privilégios da casta de políticos e marajás e seguir os exemplos impressos nos livros postos à mesa para figurar no primeiro pronunciamento público após a vitória, por live. Ali, repousavam a Constituição e um livro de Churchill, o maior estadista do século 20.

Não lhe será fácil cumprir as promessas de reformas, liberdade e democracia, citadas na manchete do Estado anteontem. Vai enfrentar a oposição irresponsável, impatriótica e egocêntrica do presidiário mais famoso do Brasil, que perdurará até cem anos depois de sua morte. E não poderá fazê-lo com truculência nem terá boa inspiração nos ditadores que ornam a parede do gabinete que ocupou. Sobre Jânio e Collor, dois antecessores que prometeram à cidadania varrer a corrupção e acabar com os marajás, tem a vantagem de aprender com os erros que levaram o primeiro à renúncia e o outro ao impeachment.

Talvez o ajude recorrer a boas cabeças da economia que trabalharam para candidatos rivais, como os autores do Plano Real e a equipe do governo Temer, para travarem o bom combate ocupando o “posto Ipiranga” sob a batuta de Paulo Guedes. Poderá ainda atender à cidadania se nomear bons ministros para o Supremo Tribunal Federal e levar o Congresso a promover uma reforma política que ponha fim a Fundo Partidário, horário obrigatório e outros entulhos da ditadura dos partidos, de que o povo também quer se livrar em favor da sonhada igualdade.


Blog do Augusto Nunes - Veja

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Capitão Bolsonaro enquadra General Mourão e seu guru, Paulo Guedes

O candidato do PSL ao Planalto nas eleições 2018, Jair Bolsonaro, determinou que o vice na chapa, general Hamilton Mourão (PRTB), e o conselheiro na área econômica, Paulo Guedes, reduzam suas atividades eleitorais. A campanha quer estancar o desgaste provocado por declarações polêmicas dos dois aliados. Nesta quarta-feira, 19, o perfil de Bolsonaro no Twitter teve de reiterar o compromisso com a redução da carga tributária após notícia de que Guedes estuda como proposta para eventual governo a criação de um imposto nos moldes da antiga CPMF, o que põe em xeque o discurso da campanha.

Declarações e a movimentação eleitoral do candidato a vice também constrangeram Bolsonaro e a cúpula da campanha nos últimos dias. Do quarto do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde se recupera do atentado a faca que sofreu, Bolsonaro acompanhou pelo noticiário Mourão defender uma Constituição elaborada por não eleitos e a ideia de que filhos criados por mães e avós, sem a presença do pai, correm mais risco de entrar para o tráfico. 

Ao visitar Bolsonaro no hospital, nesta terça-feira, 18, o general da reserva ouviu uma determinação. O presidenciável pediu que o vice suspendesse a agenda de viagens. O candidato ao Planalto avaliou que a campanha entrou num momento decisivo e que não podia correr mais riscos, segundo relataram à reportagem integrantes da equipe.  O general da reserva encurtou uma viagem ao interior de São Paulo, que iria até esta sexta-feira, 21, e cancelou um evento, no domingo, 23, em Porto Alegre. Ele ficará em sua casa no Rio para uma “reavaliação de discurso”, informou um assessor. Mourão pretende, ainda segundo a assessoria, descansar depois de 15 dias de viagens e eventos. 

Somente no fim da manhã desta quarta-feira o vice deu uma palestra na Faculdade de Direito de Bauru (SP), concedeu entrevista em uma estação local de TV e almoçou com um grupo de cerca de 40 empresários da região, líderes políticos e assessores. Na campanha do PSL, a crítica recorrente é que, após a internação de Bolsonaro, Mourão foi para a “linha de frente” sem experiência política. O general da reserva, segundo um interlocutor da equipe, assumiu uma agenda de cabeça de chapa sendo candidato a vice. A avaliação interna é de que Mourão pôs em risco o favoritismo de Bolsonaro.  

‘Lema’

Já a movimentação de Guedes obrigou uma reação de Bolsonaro. “Nossa equipe econômica trabalha para redução de carga tributária, desburocratização e desregulamentações. Chega de impostos é o nosso lema! Somos e faremos diferente”, escreveu ele no Twitter. As declarações de Bolsonaro foram feitas depois de o jornal Folha de S.Paulo afirmar que o economista citou a uma plateia restrita pontos do que seria sua política tributária, com a criação de um imposto nos moldes da CPMF e a unificação da alíquota do Imposto de Renda. 

Guedes disse nesta quarta-feira ao site BR18 que estuda duas propostas que passam pela unificação de tributos nos âmbitos federal e da Previdência que incidiriam sobre todas as transações financeiras, de forma semelhante à CPMF. “O sistema atual é muito complexo, destrói milhões de empregos e impede a criação de postos de trabalho”, afirmou o economista. 

À noite, Bolsonaro voltou ao tema na rede social. “Ignorem essas notícias mal-intencionadas dizendo que pretendemos recriar a CPMF. Não procede. Querem criar pânico. Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso”, escreveu. A proposta deu munição para os adversários do candidato. Na propaganda de TV que irá ao ar a partir desta quinta-feira, 20, Geraldo Alckmin (PSDB) vai explorar o tema e o que chama de “contradições” do rival. 

Conselheiro de Bolsonaro, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, disse nesta quarta-feira que participou de reunião fechada da campanha na terça-feira na qual não se falou em CPMF. “Estão criando coisa.”  Guedes já foi anunciado por Bolsonaro como ministro da Fazenda em eventual governo. Segundo um integrante da campanha, o economista surpreendeu por não combinar com o presidenciável uma manifestação de impacto imediato no mercado.  

Bolsonaro já declarou que Guedes é seu “Posto Ipiranga”, mas que nunca deu a ele “carta branca”. O candidato disse também que falta ao economista traquejo político. “Aprendo com ele e ele aprende comigo”, afirmou ao Estado em maio. 

Questionado nesta quarta-feira, Mourão disse que “criar um imposto seria dar um tiro no pé”, mas que isso deve ser decidido por Guedes e Bolsonaro. O general da reserva negou crise na campanha. “Isso é uma tentativa de criar uma divisão que não existe. Estamos coesos.” À noite, em São José do Rio Preto (SP), Mourão, cercado de seguranças, afirmou que a polêmica da CPMF “não afeta a campanha”.

O Estado de S. Paulo