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domingo, 30 de abril de 2023

Sete razões para você se posicionar contra o projeto da censura - Deltan Dallagnol

Gazeta do Povo - VOZES

Justiça, política e fé

Bigstock

“Veneno e remédio são frequentemente a mesma coisa, dadas em diferentes proporções”, disse a romancista norte-americana Alice Sebold, a quem voltaremos a seguir. O projeto de fake news que está sendo debatido no Congresso tem uma boa intenção: suprimir conteúdos criminosos das redes sociais.

As redes sociais permitiram a proliferação de notícias falsas. Além disso, uma série de crimes podem ser praticados no ambiente da internet e das redes, como, por exemplo, injúria, calúnia, racismo, publicação de imagens de pedofilia e incitação a todo tipo de crime: terrorismo, ataques a escolas e invasão de propriedades rurais.

Contudo, como se diz, de boas intenções o inferno está cheio. O projeto proposto pelo relator na última terça-feira, mesmo já tendo sido aperfeiçoado em vários pontos, erra na dose e, com isso, envenena e mata a liberdade de expressão. 
Melhor seria chamá-lo de projeto da censura.

Nesse sentido, as últimas versões mostram um pouco dos riscos que ele representa neste momento. Como alguns colegas alertaram, eventuais concessões e aperfeiçoamentos neste momento final podem ser uma estratégia para conseguir a aprovação do projeto e sua remessa ao Senado. Lá, ele voltará a ser discutido e os textos que geraram grande temor, que constavam na proposta do governo encampada pelo relator, poderão ressurgir por influência desse mesmo governo e, se aprovados, enviados diretamente para sanção presidencial.

Apontarei 7 razões centrais para que a Câmara recuse o projeto, com base na sua versão apresentada na terça-feira, quando sua urgência foi aprovada, e vigente até o início desta quinta-feira - e atualizarei este texto, ao fim, com a avaliação da nova versão prometida para o fim do dia de ontem, quinta-feira. Este é meu artigo mais longo nesta coluna semanal, mas o assunto merece uma reflexão cuidadosa.

O projeto proposto pelo relator na última terça-feira, mesmo já tendo sido aperfeiçoado em vários pontos, erra na dose e, com isso, envenena e mata a liberdade de expressão

Primeira razão: o conteúdo ilícito a ser excluído das redes é definido e forma vaga, o que abre espaço para remoção em massa de conteúdo legítimo. De fato, a proposta obriga as plataformas de redes sociais a controlar ou censurar conteúdos que possam implicar riscos para “direitos fundamentais previstos na Constituição”.

Na imensa lista de direitos fundamentais está, por exemplo, o direito à honra, à dignidade e à imagem. 
Se alguém chamar uma mulher transgênero de homem, isso fere sua dignidade ou honra? 
Ou seria legítimo dentro da pluralidade de opiniões numa democracia? Discursos conservadores sobre gênero serão permitidos?
 
E que tal críticas a autoridades? Já fui punido por criticar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, afirmando que suas decisões mandam uma mensagem de leniência em favor da corrupção. Ressalvei expressamente que não imputava má-fé, mas avaliava o impacto das decisões sobre investigações.  
Esse conteúdo deverá ser derrubado por atingir a honra dos ministros?
 
Nesta semana, fui condenado a indenizar Renan Calheiros por ter postado notícias jornalísticas sobre ele e por ter avaliado que sua eleição à presidência do Senado em 2019 colocaria em xeque o avanço do combate à corrupção no parlamento
Não xinguei, não ofendi, não ataquei, mas a Justiça de Alagoas entendeu que atingi seus direitos fundamentais. 
Minha crítica deveria ser censurada pelas plataformas?
 
As redes sociais deverão ainda controlar ou censurar conteúdos que impactem a dimensão coletiva dos direitos fundamentais em temas cívicos, político-institucionais e eleitorais. 
Críticas legítimas à corrupção do governo que abalem a institucionalidade devem ser mitigadas pelas plataformas? 
Em 2015 e 2016, recorde-se que a esquerda chamava o impeachment de “golpe”.

E quem julgará o que pode e o que não pode ser dito? O governo.

Críticas legítimas à corrupção do governo que abalem a institucionalidade devem ser mitigadas pelas plataformas? Em 2015 e 2016, recorde-se que a esquerda chamava o impeachment de “golpe”

A segunda razão é essa. Será o governo que regulamentará em detalhes o conteúdo da lei, supervisionará as plataformas e avaliará se elas estão excluindo ou limitando o alcance dos conteúdos adequadamente. 
 É o governo ainda que poderá impor sobre as plataformas pesadas multas, as quais podem chegar a R$ 50 milhões por infração, o que lhe dará controle indireto sobre os conteúdos.
 
Assim, o projeto coloca poder excessivo nas mãos do Estado para regular um direito tão essencial. 
 A liberdade de expressão chega a ser chamada de “sobredireito” por ter primazia sobre os demais direitos. 
Isso acontece porque, além de direito básico de personalidade individual, é um pilar essencial à vida em sociedade e à democracia.

Ainda que o poder de censura fique nas mãos de uma agência reguladora que tem alguma independência, não se trata de avaliar critérios científicos de medicamentos como faz a ANVISA, ou de regular critérios técnicos de redes de comunicação como faz a ANATEL, mas de controlar discurso, algo muito mais subjetivo e sujeito a disputas ideológicas.

Quando se define com vagueza o conteúdo que deve ser removido ou ter seu alcance limitado, e se coloca nas mãos do governo o poder de punir pesadamente quem o remove, o resultado é óbvio: um imenso risco de controle do discurso pelo governo, para censurar adversários e ideologias a que se oponha.

Na Europa, a Diretiva 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia determina que cada plataforma terá um setor de conformidade e atribui o poder de supervisão das grandes redes sociais, dada a sua sensibilidade, diretamente à Comissão Europeia, que é o órgão executivo da União Europeia, subordinada ao Parlamento e ao Conselho. 
É composta de 27 comissários indicados pelos vários governos europeus, o que lhe garante pluralidade ideológica e independência em relação aos interesses de um governo local.1 Nada parecido é proposto aqui.

É o governo ainda que poderá impor sobre as plataformas pesadas multas, as quais podem chegar a R$ 50 milhões por infração

Terceira razão: o poder do governo sobre as plataformas é ampliado por uma previsão genérica dos casos em que serão responsabilizadas: se não adotarem “medidas de atenuação razoáveis, proporcionais e eficazes” em relação a “riscos sistêmicos” de violação daquela extensa lista de direitos fundamentais, elas estarão sujeitas a multas milionárias.

Debaixo dessa ameaça, as redes sociais tenderão, por cautela, a restringir o alcance de conteúdos que representem algum risco. O problema é que a moderação não acontecerá após uma análise humana individualizada, mas sim de modo robotizado e em massa, afetando o debate político legítimo quando presentes palavras-chaves que representem perigo de punição de acordo com as políticas do governo.

No início deste artigo, citei a frase de Alice Sebold que distingue remédio e veneno pela dose. O que não contei foi a história dramática de Alice. Em 1981, quando jovem, ela foi estuprada por um desconhecido. Cinco meses depois, seu caminho cruzou com o de Anthony Broadwater, que ela apontou como seu estuprador. Ele cumpriu 16 anos de prisão.              Ele sempre negou o crime, o que impediu que recebesse sua liberdade condicional por cinco vezes. No fim, foi reconhecido que foi condenado por erro judicial.

Se até a justiça pode errar na interpretação dos fatos e da lei, após um longo processo judicial em que é garantido o contraditório e a defesa, como confiar no exame automatizado, instantâneo e em massa, feito pelas plataformas, sobre o conteúdo que deve ser removido, ainda mais quando estão debaixo da ameaça de punição? Certamente muito conteúdo inocente será excluído por precaução.

É importante enfatizar que, por conta da primazia constitucional da liberdade de expressão, falas criminosas podem ser objeto de responsabilização após serem realizadas, mas não antes. A censura prévia é, em regra, inadmissível. Contudo, a atuação automatizada, rápida e em massa para excluir conteúdos que possam ferir direitos, o que é definido de modo vago e extenso, gera um risco grave e concreto de uma ampla censura prévia.

É preciso reconhecer que as redes sociais passaram a constituir, junto com a voz, um instrumento de expressão humana. Antes se ia a uma praça pública, a um auditório ou a uma rádio. Hoje, em grande medida, as falas circulam nas redes sociais, um auditório ou praça digital. Derrubar postagens ou seu alcance previamente, sem uma análise individualizada e sem que esteja em questão crimes graves, pode ser interpretado como o equivalente a indevidamente amordaçar ou apertar a garganta da pessoa para limitar o alcance da sua voz.

Se até a justiça pode errar na interpretação dos fatos e da lei, após um longo processo judicial em que é garantido o contraditório e a defesa, como confiar no exame automatizado, instantâneo e em massa

Mas não é só isso. A quarta razão para que o projeto da censura seja rejeitado é a figura do “protocolo de segurança”, que poderá ser decretado como uma espécie de estado de defesa ou de sítio nas redes sociais. Entretanto, as hipóteses em que poderá haver essa imensa restrição aos direitos fundamentais são, mais uma vez, vagas: “quando configurado risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais”.

Não se sabe exatamente quando essas situações estão presentes... poderá ser invocado o protocolo quando houver, por exemplo, dano difuso a consumidores, meio ambiente, educação, saúde, segurança ou, talvez, críticas contundentes ao governo ou turbulência econômica ou política.

A ideia foi importada da regulação europeia, mas sem as salvaguardas existentes lá. A Diretiva 2022/2065 prevê um mecanismo de resposta a crises, contudo só pode ser adotada pela Comissão Europeia, com base em recomendação do Comitê Europeu dos Serviços Digitais, um grupo consultivo também de apoio à Comissão Europeia, constituído um coordenador digital de cada país membro da União Europeia. A composição tanto da Comissão como do Comitê lhes dão pluralidade e independência em relação aos interesses de um dado governo local.

Além disso, a regulação do protocolo por lá é muito mais exigente. Só pode ser decretado, por exemplo, se houver uma “grave ameaça para a segurança pública ou a saúde pública na União ou em partes significativas de seu território”. Há, ainda, uma série de medidas necessárias determinadas pela Diretiva que conferem maior proteção à liberdade dos cidadãos, inexistentes no projeto brasileiro.

A ideia foi importada da regulação europeia, mas sem as salvaguardas existentes lá

A quinta razão para rejeitar o projeto da censura são as circunstâncias. O Brasil não é a União Europeia em termos de respeito às liberdades fundamentais. Há muito que avançar por aqui. Além disso, o projeto brasileiro é uma caricatura dantesca da regulação adotada na Europa. Infla o poder do governo, derruba salvaguardas e amplia as hipóteses de restrição de conteúdos nas mídias sociais de modo a permitir ingerências de caráter ideológico.

Nessas circunstâncias, com maior razão é imprudente colocar um cheque em branco para restringir liberdades nas mãos de um governo, seja de direita ou de esquerda. E não se pode deixar de mencionar que hoje temos um governo amigo de ditaduras como Venezuela, China, Cuba, Nicarágua e Rússia, notórias por restringirem liberdades.

A hora de abortar o ovo da serpente é agora. É o mesmo governo que criou um ministério da verdade para tentar controlar narrativas e impor sua visão de mundo ao país.  
Como esperar boa fé na regulação das liberdades do governo do PT, responsável por articular Mensalões e Lava Jatos para perpetuar o seu poder?

Além disso, o projeto brasileiro é uma caricatura dantesca da regulação adotada na Europa

A sexta razão contra o projeto é a delimitação do seu âmbito às redes sociais e o fortalecimento de sites e blogs que divulgam fake news.

Com efeito, a regulação europeia trata de modo muito mais amplo a regulação da internet
Se o risco está na internet, por que o foco restrito nas redes sociais e não mais amplo? 
Tenho certeza de que a imprensa jamais permitiria que fosse regulada nos mesmos termos dessa proposta. 
Gritaria, e com razão, que o projeto coloca em risco a liberdade de expressão.
 
O silêncio da grande mídia pode ser atribuído a duas razões: seus sites não estão incluídos na regulação restritiva e o projeto prevê a remuneração da imprensa pelas plataformas em virtude da circulação nelas de notícias jornalísticas. 
Tem o incentivo, sem ter o desestímulo, para apoiar o projeto. 
Veículos de comunicação também são empresas e sua sobrevivência e expansão depende do lucro.
A ideia de remunerar conteúdo jornalístico nacional é boa. Se plataformas lucram com seu conteúdo, parece justo que sejam compensadas, ainda que se possa discutir o critério e o valor da compensação. Além disso, mais recursos ficarão no Brasil e serão investidos em um trabalho profissional de reportagem e crítica dos fatos.
 
Contudo, essa matéria mereceria ser debatida em separado, para não prejudicar a livre discussão sobre a qualidade da regulação. 
Some-se que grande parte das fake news é gestada e nasce em blogs e sites da mídia marrom. 
Por incrível que pareça, esses blogs que injetam notícias falsas e criminosas sairão fortalecidos com o projeto, por três razões.

De fato, o projeto prevê, o que incluirá a remuneração desses sites e blogs que se autointitulam jornalísticos. A sua remuneração, aliás, será ampliada, pois estudos demonstram que a replicação das notícias falsas por usuários é maior do que a das notícias verdadeiras.

Em segundo lugar, para evitar que as plataformas retirem as notícias jornalísticas do ar com o objetivo de evitarem ter que remunerar os veículos de comunicação, o projeto de lei impede que as notícias tenham seu alcance limitado pelas plataformas. Com isso, os blogs sujos receberão salvo conduto para disseminação de suas narrativas mentirosas nas redes.

Por fim, embora o projeto seja intitulado como uma proposta contra as “fake news”, ele não trata de desinformação, salvo num único artigo que prevê um crime específico de desinformação para fins eleitorais.

Tenho certeza de que a imprensa jamais permitiria que fosse regulada nos mesmos termos dessa proposta. Gritaria, e com razão, que o projeto coloca em risco a liberdade de expressão

Em sétimo lugar, o projeto está sendo examinado em um regime de urgência que prejudica seu debate e aperfeiçoamento no próprio Congresso e na sociedade. De fato, embora o assunto esteja sendo discutido há mais de ano, os novos deputados foram empossados há menos de três meses e não puderam discuti-lo de modo profundo nas comissões. Aliás, o próprio fato de que o projeto tramita há mais de ano afasta a alegação de tremenda urgência para sua apreciação.

Além disso, a constante mudança do texto realizada ao longo dos últimos dias, sem que seja publicado ou divulgado nos sites do Congresso ou em repositório oficial, impediu a participação da sociedade nos debates. Várias entidades da sociedade civil não foram devidamente consultadas ou ouvidas. A sociedade terá apenas cinco dias, sendo dois deles em fim de semana e um deles em feriado, para opinar em matéria de tamanha relevância.

Em conclusão, o remédio com que o Congresso pretende tratar a liberdade de expressão está prescrito em uma quantidade que fulmina o próprio paciente. A regulação das mídias é importante, mas deve seguir modelos testados e que protejam os brasileiros, os quais não devem ser feitos de cobaias num experimento que pode terminar em censura e mordaça. Lutarei contra isso e conto com a sua ajuda.

De fato, embora o assunto esteja sendo discutido há mais de ano, os novos deputados foram empossados há menos de três meses e não puderam discuti-lo de modo profundo nas comissões

Atualização após ser compartilhada a nova versão do projeto, apresentada no fim da noite dessa quinta-feira: a nova versão do projeto apresentou avanços. Foram atenuadas preocupações relativas à abrangência da definição do comportamento ilícito e à censura prévia relacionada a riscos sistêmicos.

Contudo, o texto continua precisando de vários aperfeiçoamentos. Ele segue regulando redes sociais e não a internet como um todo, diferentemente da regulação europeia, o que deixa de atacar o problema de modo mais abrangente, deixando de fora blogs, sites e veículos de comunicação.

Além disso, a proposta mantém o fortalecimento de sites e blogs de fake news, da imprensa marrom, porque obriga as redes sociais a pagarem pelo conteúdo, ainda que seja desinformação. De forma um tanto irônica, o projeto das fake news recompensa financeiramente fake news que sejam veiculadas por esses sites.

O texto mantém ainda o protocolo de segurança, sem mencionar quem o instaura, e estabelece como órgão supervisor, ainda que com poderes menores, o Comitê Gestor da Internet, cujos membros são indicados pelo governo, sendo suscetível, portanto, ao aparelhamento político.

Uma regra perigosa que foi mantida, mas não mencionada no artigo acima, é a medida cautelar de retirada ou suspensão de conteúdo ou perfil de rede social, o que equivale à censura prévia.  

A medida é de duvidosa constitucionalidade e em alguma medida desnecessária porque se houver uso reiterado das redes sociais para prática de crimes pode se justificar, em pelo menos parte dos casos, a prisão preventiva.

Considerando isso tudo e os risco de que os perigos tratados neste artigo voltem a surgir no Senado Federal, por influência do governo, seguimos entendendo que a melhor opção, neste momento, é defender a rejeição do projeto, sem prejuízo de a discussão ser retomada, com seu necessário amadurecimento em uma comissão especial e a devida participação da sociedade.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

domingo, 16 de abril de 2023

O silêncio das ONGs de Direitos Humanos - Percival Puggina

         Existem no Brasil inúmeras organizações não governamentais dedicadas à benigna e prestativa missão de zelar por direitos humanos
Muitas recebem recursos públicos para esse fim; outras são organismos internacionais que estendem suas mãos cuidadoras a toda humanidade. 

Umas são precisas e preciosas no desempenho de suas funções [duas ou três, se muito,  em cada milhar; as demais, defendem os interesses dos bolsos dos seus donos.]; outras fazem distinção entre seres humanos companheiros e seres humanos adversários. [sem exceções - caso haja alguma que não esteja a serviço de quem pague mais, pouco provável, talvez seja uma em mil; a prevalência entre as desonestas, as vendidas, está entre as do  meio ambiente - sem excluir algumas que dizem defender os direitos humanos.] Parecem ser deste último tipo as que operam em nosso país. Digo isso quando observo o já longo silêncio com que acolhem certos acontecimentos nacionais.

Toda uma gama de atropelos à dignidade da pessoa humana tem sido praticada à luz do dia e da noite. 
Censura, restrições de direitos, dificuldades à prestação de serviços por advogados de defesa, arresto de bens e bloqueio de contas bancárias, proibição do exercício de trabalho remunerado nas plataformas das redes sociais (equivalente à supressão da subsistência) e invasão de privacidade têm sido notória e largamente aplicados no Brasil em condições incomuns e em misteriosos inquéritos. A estes agravos se somam os conhecidos excessos ocorridos nas prisões dos dias 8 e 9 de janeiro.
 
Pode-se encontrar explicações e justificativas para muita coisa, mas não há como entender cem por cento de omissão ou silêncio de quem se proclama protetor de direitos humanos! A exclamação mais irrefutável destes já longos tempos de repressão tem sido esta: “Ah, se fosse com alguém da esquerda tudo seria diferente!”. 
E quase não passa dia sem que tal frase possa ser muito adequadamente aplicada a acontecimentos, notícias ou interpretações da realidade.

Visitei os sites de algumas dessas ONGs. Além do silêncio sobre temas do momento, poucas não têm matérias contra o governo anterior. Mas não é, exatamente essa, a principal ocupação, também, do governo atual? Pois é.

Conservadores & Liberais - Percival Puggina


sexta-feira, 3 de março de 2023

Os presos de 8 de janeiro - Ives Gandra Martins

Revista Oeste

Creio que seja o momento de realmente repensarmos no Brasil a importância do direito de defesa, inexistente nas ditaduras 

Ilustração: Migren art/Shutterstock

 Ilustração: Migren art/Shutterstock

Duas rápidas reflexões iniciais são necessárias. A primeira é que os idealizadores da marcha de 8 de janeiro fizeram um mal extraordinário ao pensamento conservador, pois sua tresloucada invasão permitiu aos críticos, que atacam os valores de respeito à família, ao liberalismo econômico, às liberdades de expressão e de pensar, colocar, no mesmo balaio, radicais desavisados e democratas autênticos, o que prejudicou a própria lisura do debate político.

A segunda reflexão preliminar é que, como dizia em palestras, escritos e manifestações no próprio Congresso Nacional, o risco de um golpe de Estado seria zero, pois sem Forças Armadas não há golpe, e estas respeitam a Constituição
Há 33 anos lecionando Direito Constitucional e conjuntura na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército para coronéis, dentre os quais, no fim daquele curso, são escolhidos muitos generais, conhecia a maneira de pensar e de servir dos oficiais que assistiam a minhas palestras. 
Minha própria exegese do artigo 142 da Constituição Federal, amplamente distorcida pela imprensa e por inúmeros intérpretes, segue a linha do que fora aprovado na Constituinte por sugestão do senador Fernando Henrique Cardoso (Estado de São Paulo – pag. 8 – 16/2/2023), contra a do deputado José Genuíno. Foi aquela que, nos Comentários da Constituição, que escrevi com o Celso Bastos de 1988 a 1998 (15 volumes – Editora Saraiva), desde 1997 tenho defendido. As Forças Armadas jamais poderiam ser utilizadas para desconstituir Poderes ou alimentar golpes de Estado.

Foram gestos antidemocráticos, mas é um exagero chamá-los de golpistas, em face da impossibilidade material de derrubarem um governo sem arma

Feitas essas duas reflexões iniciais, passo a examinar o tratamento que vem sendo dado aos presos de 8 de janeiro
Não é a primeira vez que o Congresso Nacional é invadido. 
No governo de Michel Temer, a invasão da Câmara dos Deputados, atribuída a membros do PT e MST nesta afirmação baseio-me apenas no que li na imprensa e em redes sociais —, só foi sustada com a declaração de estado de emergência pela Presidência e intervenção do Exército. Na ocasião, detidos os manifestantes, que também depredaram algumas instalações, tiveram tratamento muito menos severo do que os invasores de 8 de janeiro.
 
À evidência, nem os invasores sustados pela decretação do estado de emergência, nem os de 8 de janeiro teriam a menor condição de dar um golpe de Estado, pois as Forças Armadas nunca os apoiariam. 
Foram gestos antidemocráticos, mas é um exagero chamá-los de golpistas, em face da impossibilidade material de derrubarem um governo sem armas. 
Tal impossibilidade era tanto maior, pois se não tinham conseguido convencer os militares com suas manifestações em frente aos quartéis durante o governo de Jair Bolsonaro com muito mais razão não conseguiriam já em pleno governo de Lula.
Manifestantes escalam a cúpula do Senado - 
 Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil

Condenável o movimento, que prejudicou o conservadorismo consciente no país de forma significativa, mas, à evidência, com nenhuma possibilidade de derrubar um governo, tendo bastado algumas centenas de soldados para desfazer o grupo e deter os manifestantes. Estão, todavia, quase um milhar daquelas pessoas detidas em condições lamentáveis, que ferem a dignidade da pessoa humana. 

 Queixam-se os advogados e os defensores públicos da dificuldade de exercer o sagrado direito de defesa, o que vale dizer que as prisões provisórias ou preventivas se prolongam no tempo por força deste cenário, que, decididamente, não ocorreu quando da invasão da Câmara dos Deputados, na Presidência do presidente Michel Temer.

Invasão da Câmara dos Deputados durante o governo Michel Temer - 
 Foto: Agência Brasil

Como um velho advogado de 88 anos, exercendo a advocacia há 65 e o magistério universitário desde 1964, lembro que grande parte dos 78 itens do artigo 5º da Lei Suprema é destinada à proteção dos cidadãos contra o abuso de poder.

Embora esgotada a edição, quero lembrar que, em 2017, com Marcos da Costa, coordenei o livro A Importância do Direito de Defesa para a Democracia e a Cidadania, editado pelo Conselho Federal da OAB e pela Seccional de São Paulo, no qual, além dos coordenadores, escreveram ilustres causídicos, entre os quais destaco: Alberto Toron; Américo Lacombe; Antônio Cláudio Mariz de Oliveira; Arnoldo Wald; Cláudio Lamachia; Bernardo Cabral; Lênio Streck; Luiz Flávio D’Urso; Pierpaolo Bottini; René Dotti; Teles Castelo Branco; Samantha Meyer Marques e mais uma dezena de outros eminentes advogados.

Creio que seja o momento de realmente repensarmos no Brasil a importância do direito de defesa, inexistente nas ditaduras, mas que é a estrela maior na constelação democrática do Direito brasileiro.

Leia também “Vidas suspensas”


terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O recado de Ives Gandra sobre ação do STF para tirar Bolsa Família do teto

Um dos maiores especialistas sobre a Constituição brasileira alerta que decisão sobre orçamento não deveria ser tomada pela corte

A decisão de Gilmar Mendes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), de retirar os recursos destinados ao pagamento do Bolsa Família do teto de gastos não foi bem digerida. 
 O jurista Ives Gandra Martins, um dos maiores estudiosos da Constituição brasileira, entende que os únicos poderes que poderiam opinar sobre o tema são o Executivo e o Legislativo. “Eu ainda sou de uma corrente clássica do constitucionalismo de que todo poder Legislativo, todo poder de fazer a Lei, pertence exclusivamente ao Executivo, por leis delegadas e medidas provisórias, e ao Legislativo, de forma permanente”, afirma ele ao Radar Econômico.

O jurista alega, no entanto, que a Constituição abre uma possibilidade para a decisão do ministro Gilmar Mendes, pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. “Eles interferiram e decidiram furar o teto de gastos considerando que o Bolsa Família poderia ser enquadrado numa interpretação amplificada do direito de dignidade de pessoa humana”, explica. “Eu, pessoalmente, entendo que o Bolsa Família não poderia ser alterado por decisão da corte, mas o Gilmar Mendes é que tem o poder da caneta, e ele entende que pode ser feito, de tal forma que a minha interpretação da Constituição nada vale e a dele é a que tem o poder absoluto”.

A decisão referendada por Mendes atende a um pedido do partido Rede. Enquanto isso, aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentam conseguir a mesma liberação por meio da chamada PEC da Transição, que tramita no Congresso.

Radar Econômico - Revista VEJA


sábado, 29 de outubro de 2022

A desvalorização do processo eleitoral por obra e graça do TSE - Ricardo Velez

Meus Amigos, o país vive, nestes momentos anteriores ao segundo turno da eleição presidencial, um ambiente de deterioração das liberdades civis e políticas, motivado pela autoritária intervenção do TSE, que achou por bem se colocar do lado dos interesses do candidato da oposição, tendo tomado várias decisões lesivas às liberdades cidadãs, com a finalidade de favorecê-lo. 
Ora, essas decisões recaíram sobre veículos de imprensa e, em geral, sobre cidadãos não favoráveis ao candidato mencionado. Vale lembrar, em momentos como este, que o poder delegado pela Constituição e as Leis aos governantes, não é absoluto, mas deve ser pautado pelas Instituições. O Poder Judiciário não pode se erguer como um superpoder sobreposto à República e  à consciência dos brasileiros. Tem de se ajustar à Carta Magna e às exigências morais.
 

[SEDE NABABESCA PARA CONTAR VOTOS A CADA DOIS ANOS]
 
Pareceria, em momentos de autoritarismo como os que estamos vivendo, que a Liberdade é a condição menos natural ao homem e que o despotismo é o clima que melhor responde à sua natureza. Nada mais falso. 
A busca da Liberdade é essencial ao ser humano. 
O despotismo ocorre, portanto, contrariando as tendências naturais do homem orientadas à defesa da sua Vida, Liberdade, Dignidade e Posses. O despotismo ocorre, portanto, contrariando as tendências naturais humanas. Somente vinga ali onde o déspota quer, com mão de ferro, toda a liberdade para si e desconhece esse direito aos demais.
 As decisões recentes do TSE puniram com o silêncio órgãos de imprensa, jornalistas, empresários da mídia e cidadãos que não se identificam com os interesses do candidato ilegalmente favorecido. Empresas de comunicação foram desmonetizadas. 
A tendência de algumas pessoas é a de ficar caladas, para não atrair sobre si a ira dos poderosos de plantão. 
Não. A escalada autoritária tem de parar já. 
Não podemos permitir, nós, brasileiros, abrir mão dos nossos direitos e da nossa Liberdade, por pura conveniência ou por obediência cega a um ditame injusto.

Lembro o que um clássico do Liberalismo, o grande Alexis de Tocqueville (1805-1859) escrevia num momento histórico da França, face à Revolução de 1848, que pretendia implantar na marra o socialismo: "(...) Qual o homem com uma natureza tão baixa que preferiria depender dos caprichos dos seus semelhantes a seguir as leis que ele próprio contribuiu a estabelecer, caso considerasse que a sua nação tinha as virtudes necessárias para fazer bom uso da liberdade? Acho que este homem não existe. Até os déspotas não negam a excelência da Liberdade. Somente que a querem só para eles e sustentam que todos os outros não são dignos dela. Assim não é sobre a opinião que se deve ter sobre a liberdade que existem divergências, e sim sobre a menor ou maior estima em que se tem os homens. E é assim que se pode dizer, a rigor, que o gosto mostrado para o governo absoluto está em relação exata com o desprezo que se tem para com o seu país (...) [ Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, trad. de Y. Jean, Brasília: UNB / São Paulo: Hucitec, 1989, pp. 95-96].

O jornalista J. R. GUZZO, destacou as consequências negativas que decorrem das últimas medidas tomadas pelo TSE, à luz do arbítrio que se instalou nos altos escalões da Justiça. No artigo intitulado: "Graças ao TSE, o processo eleitoral está irremediavelmente sujo" - [Gazeta do Povo, Curitiba, 20 de outubro de 2022], o articulista frisa:

"?A censura é um câncer e, sendo câncer, pode gerar metástase – a infecção sai do lugar onde começou e começa a invadir, passo por passo, o organismo inteiro. É o que está acontecendo com os atos de repressão do ministro Alexandre Moraes e seus imitadores no Tribunal Superior Eleitoral contra órgãos de imprensa.  
Dia após dia, violam, de maneira cada vez mais maligna, a liberdade de expressão, estabelecida com palavras indiscutíveis na Constituição Federal do Brasil - e proíbem os veículos de comunicação de publicarem qualquer coisa que o ex-presidente Lula, candidato nas eleições do dia 30 de outubro, não quer que seja publicada.  
A primeira agressão foi contra a Gazeta do Povo, censurada pelo TSE por informar, com base em fatos escandalosamente públicos, que Lula e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, são aliados políticos e admiradores um do outro. Lula acha que isso pode lhe custar votos. Exigiu então que a Gazeta não publicasse nada a esse respeito e foi atendido na hora pelo TSE; sempre é. A partir daí o câncer se espalhou. Acaba de infectar a rádio Jovem Pan, e pelos mesmos motivos: levar ao ar notícias sobre fatos verdadeiros cuja divulgação Lula não admite. A rádio está censurada pelo TSE por falar dos processos e das condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro. É como se não tivesse existido a Lava Jato, ou a sua prisão durante 20 meses em Curitiba, ou a devolução em massa de dinheiro roubado. A Jovem Pan não pode falar nada disso".

A gravidade da situação ensejada com as tortas decisões do TSE foi caracterizada, em termos enérgicos, da seguinte forma: "Nunca se viu numa eleição brasileira, nem mesmo nas eleições consentidas e bem-comportadas feitas durante o AI-5, atos de ditadura como os que estão sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário. O processo eleitoral, por conta disso, está irremediavelmente sujo; qualquer que seja o resultado, a dupla STF-TSE conduziu durante toda a campanha um processo de destruição da democracia que não pode mais ser consertado. A autoridade eleitoral abandonou, sem maiores preocupações com aparências, a sua obrigação elementar de ser imparcial (...). Montou-se, aliás, com a colaboração da maior parte da mídia, uma colossal operação de fingimento, através da qual STF-TSE pretendem salvar o Brasil do 'autoritarismo' (...). Nunca se viu numa eleição brasileira, nem mesmo nas eleições consentidas e bem-comportadas feitas durante o AI-5, atos de ditadura como os que estão sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário". 

"A metástase transbordou do seu foco inicial" - continua Guzzo -  "não apenas quanto aos órgãos de imprensa perseguidos pelo TSE, mas também em relação aos assuntos censurados. (...). É proibido dizer que Lula foi o mais votado nas penitenciárias. Também não pode dizer que o PT votou contra, na prática, o Auxílio Brasil proposto no Congresso pelo governo – o partido negou o pagamento parcelado dos precatórios, ou dívidas da União não pagas, e é daí que vem o dinheiro para pagar o auxílio. Nem o ex-ministro Marco Aurélio, do próprio Supremo, pode falar. Os ex-colegas proibiram que ele diga que Lula não foi absolvido, em nenhum momento, pelo STF - apenas teve os seus processos penais 'anulados', sem qualquer menção a provas ou fatos, o que não tem absolutamente nada a ver com 'absolvição'. É, em todo o caso, uma interpretação dele como jurista, absolutamente legítima e legal. Mas o ex-ministro foi proibido de falar (...)". E conclui assim o jornalista:  "A ditadura do Judiciário está proibindo dizer a verdade no Brasil".

Texto publicado originalmente no blog do autor.  

O autor é formado em Filosofia (licenciatura, mestrado e doutorado), pesquisa a história das ideias filosóficas e políticas no Brasil e na América Latina, e fez pós-doutorado em Paris sobre as ideias de Alexis de Tocqueville e os liberais doutrinários.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Cotas raciais: prefeitura de Curitiba vai selecionar servidores pela cor da pele - Gazeta do Povo

Vozes - Cristina Graeml

Cotas raciais são sempre assunto polêmico, porque quem ousa questionar essa política de cessão de espaço a pessoas com base em cor de pele, etnia ou raça é logo acusado de preconceituoso ou racista, antes mesmo que consiga expor seus argumentos.

Quando se permite o debate de ideias, porém, vê-se quase sempre a preocupação dos questionadores justamente com o respeito à dignidade humana e uma tentativa genuína de evitar segregação de pessoas por critérios raciais.

Foi o que aconteceu na Câmara de Vereadores de Curitiba nesta terça (30), quando os vereadores aprovaram o projeto de lei que estabelece cotas raciais para servidores municipais, obrigando a prefeitura a reservar 20% das vagas em concursos públicos para negros e índios.

A proposta da vereadora Carol Dartora (PT) foi aprovada, mas só depois de 8 horas de muito debate. E não passou por unanimidade, apesar de ninguém ter negado o problema de maior dificuldade de acesso de negros ou índios ao mercado de trabalho.

Cotas sociais em vez de cotas raciais
O longo debate foi provocado pela proposta de outra vereadora, Amália Tortato (NOVO), que apresentou um substitutivo ao projeto de lei original, sugerindo critérios objetivos para dar acesso aos cargos públicos a pessoas carentes, que tenham estudado em escola pública ou tenham sido bolsistas em escola particular, por exemplo.

A vereadora acredita que a proposta de cotas sociais
, em substituição às cotas raciais, poderia inserir negros ou índios pobres no mercado de trabalho de forma mais justa e igualitária, sem discriminar pobres de outras etnias ou cor de pele.

Convicção Gazeta do Povo: A dignidade da pessoa humana

Outro importante argumento,
comprovado em pesquisas, é que há menos questionamento quanto à capacidade dos servidores contratados por cotas, quando os critérios utilizados não são a mera aparência, ou seja, cotas sociais não geram um efeito bumerangue de discriminação.

Isto é empatia legítima, algo tão propalado pelos supostos defensores de minorias, mas normalmente conquistado por aqueles que se opõem ao sequestro de causas e ao monopólio das virtudes e que se sujeitam a ser saco de pancadas, mas furam a bolha da falta de diálogo e obrigam todos a pensar e discutir ideias.

Entrevista: Perigo das cotas raciais no serviço público

 
Cristina Graeml, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 25 de junho de 2021

DENÚNCIAS E CERTEZAS CIENTÍFICAS - Percival Puggina

Já vi muito vigarista atingindo a honra alheia, não porque seja orientado por elevados valores morais, mas por mecanismo de autoproteção ou de compensação. Esse mesmo indivíduo mentirá sempre que conveniente ou necessário. Construirá oportunidades de ganho ilícito, ou delas se aproveitará, quando as circunstâncias o propiciarem.

Estou dizendo isso porque tendemos a crer que a mentira e a conduta farsante sejam rupturas menores com a ordem moral
Na minha convicção são todas janelas de um mesmo compartimento. Dão acesso a um interior essencialmente corrompido. 
Digo isso para tratar das recentes denúncias que chegam ao conhecimento público na área de compras do Ministério da Saúde. 
Com o pouco que se sabe, não há, nem haverá, de imediato, condições para se formar um juízo sobre responsabilidades pessoais. 
A exceção fica por conta daqueles que, com tão pouco esclarecimento, já tem opinião formada e acendem fogueira no tribunal inquisitorial da CPI da Covid.
A propósito, você acredita que aqueles senhores que compõem a pré-fabricada maioria da comissão estão zelosos pela sua saúde, ou pela Saúde Pública? 
Estão virtuosamente atentos a essa andrajosa e desprezada senhora chamada Verdade, pela qual passam sem dedicar um simples olhar? 
Estão de fato querendo combater corrupção e seu interesse comum não é meramente político?

Faço estas perguntas porque tenho observado, por exemplo, a estudada indignação do imaculado senador Omar Azis quando dele divergem; tenho dado ouvidos (valha-me Deus!) à falsa erudição e ao ódio destilado pelo recordista senador Renan; tenho reconhecido, no tradicional berreiro da claque, maus modos e sons que me vêm dos tempos de adolescente em assembleias estudantis...

Certezas verdadeiramente científicas têm prazo de validade imprevisível, mas são finitas.  A ciência avança. Observo com espanto, então, as severas convicções clamadas por indivíduos cuja “ciência” se deu por satisfeita no oitavo ano do ensino médio.

As denúncias desta semana cobram investigação como o próprio presidente determinou, e já estão em curso. Assim deve ser a prática em um estado de Direito. Mas a honra e a dignidade alheia não têm porta de vaivém, pela qual se entra e se sai como estou vendo acontecer cotidianamente, seja na CPI, seja em suas repercussões na mídia militante.

Conforme escrevi nos dois primeiros parágrafos deste artigo, tal conduta não diz boa coisa do caráter de quem a isso se presta. Quem age assim não faz só isso.

 Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Justificativa de Covas consegue ser pior do que ato em si - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino - Vozes

Abandonei meu descanso de domingo para escrever um texto em tom de desabafo após ver as cenas do prefeito Bruno Covas no Maracanã, ele que resolveu restringir o funcionamento de serviços na cidade em que administra. Na ocasião, disse que apenas um pedido de desculpas implorando perdão e seguido da sua renúncia teria alguma dignidade.

Mas tucano é tucano, vive numa bolha de arrogância, descolado da realidade do povo. Bruno Covas não fez nada disso. Ao contrário: preferiu bancar a vítima e ainda atacar a multidão que ficou revoltada com seu ato. Ainda por cima demonstrou não ter a menor noção do que seja hipocrisia, ao falar que as redes sociais estavam sendo hipócritas, não ele. Covas disse que, depois de "tantas incertezas sobre a vida", a felicidade de ir com o filho para ao estádio "tomou uma proporção diferente para mim". Disse que a "lacração da internet resolveu pegar pesado", mas que "se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila". Ele concluiu: "Ir ao jogo é direito meu. É usufruir de um pequeno prazer da vida. Mas a hipocrisia generalizada que virou nossa sociedade resolveu me julgar como se eu tivesse feito algo ilegal. Todos dentro do estádio poderiam estar lá. Menos eu. Quando decidi ir ao jogo tinha ciência que sofreria críticas. Mas se esse é o preço a pagar para passar algumas horas inesquecíveis com meu filho, pago com a consciência tranquila."

Ora, e o prazer dos outros que ele como prefeito usurpou? E o direito dos paulistanos de ter um prazer desses com seus filhos? E aqueles que não podem curtir os filhos pois estão desesperados demais sem seus empregos, sem poder abrir o restaurante, o bar?!

Covas é um hipócrita que ainda acusa os outros de hipócritas por apontarem sua hipocrisia. Ou é mesmo um idiota que não entende a revolta que produz ao impor algo ao cidadão da cidade que comanda e depois partir para o Rio como se não fosse nada demais. O prefeito alega que não fez nada ilegal, sem compreender que o problema é justamente isso ser ilegal para os outros na cidade que ele “administra”. Covas fez o que todo esquerdista sempre faz: bancou a vítima. Ele tinha um sonho de levar o filho num jogo de futebol. Que fofo! Que papai legal! E os trabalhadores que sonham apenas em trabalhar para sustentar a família, mas não podem por conta do arbítrio do prefeito tucano?!

Bolsonaro tinha apenas um sonho: dar um mergulho no mar com seus fãs, sentir-se livre e comum novamente. Mas a mídia o tratou como um sociopata. E agora protege Covas, age como sua assessoria de imprensa, dando destaque à sua "justificativa" como se nobre. Não dá mais para aceitar passivamente os desmandos de um governador e um prefeito que fecham o estado e a cidade e vão curtir a liberdade em Miami ou no Maracanã. Chega! Os dois tucanos perderam qualquer legitimidade no cargo, não devem mais ser respeitados como autoridades.

O povo também tem seus sonhos, também quer aproveitar os "pequenos prazeres da vida", também compreende que a vida pode ser curta ou efêmera, e por isso mesmo deseja o direito de viver com liberdade, algo que esses dois tucanos vêm impedindo com seu arbítrio em nome de uma ciência totalmente fake! Ou esses tucanos são dementes que sequer conseguem perceber a razão da fúria do povo diante de tanta hipocrisia; ou são eles os verdadeiros sociopatas, que entendem perfeitamente o que estão fazendo, mas não ligam. Diante desse descalabro, só restou mesmo a desobediência civil, como fez o dono do Ponto Chic:

"Tradicional restaurante de SP, Ponto Chic abre mesmo em meio à restrição.

Sócio afirma que tomou a decisão após ver que prefeito Bruno Covas foi a jogo no Rio"

Rodrigo Constantino, jornalista - Gazeta do Povo - Vozes