Solidariedade aos que têm tolhida a liberdade de opinião.
O jornalismo brasileiro vive tempos funestos. A notícia morreu; viva a narrativa!
Sempre fui
leitor de jornais. Minha mãe alfabetizou-me aos quatro anos, sentado no
chão, lendo manchetes do velho Correio do Povo. Minhas primeiras
lembranças de informação jornalística remontam ao ano seguinte,
acompanhando a demorada contagem dos votos da eleição presidencial de
1950, com a derrota do brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da minha
família, e a vitória de Getúlio Vargas. Nunca mais deixei de ler
jornais. Num pluralismo sadio, havia muita diferença entre eles. Eram
assinados ao gosto do freguês.
Desastrosamente,
nem nos tempos em que houve censura à imprensa vi mesmice semelhante à
que percebo hoje. A boa e velha notícia, produto multiforme das
ações humanas, razão de ser das empresas de comunicação e ganha pão dos
jornalistas através dos séculos – pasmem – virou narrativa!
Todas as matérias passam por essa reciclagem. A informação se converteu em esforço de convencimento do público.
Os filósofos
sabem que essa é a fase mais primária do discurso. Dispensa a retórica, a
dialética e a análise. Quando, em programas ou textos mais longos, a
narrativa se encontra com a análise, surge outro gravíssimo desvio – a
fake analysis. Ela é aquele primor do sofisma, proporcionado por
“especialistas” valorizados exatamente pelo comprometimento com a
narrativa em curso.
O fenômeno
ganha dimensões pandêmicas. As exceções são raras e não estão nos
grandes grupos de comunicação, que se afiguram combinados, ensaiados,
orquestrados, no repertório e na execução. Mesmo perante um ato jurídico
disforme, como aquele em que se estruturam os dois inquéritos
sucessivos abertos no STF contra os “atos antidemocráticos”, esses
veículos se submetem à regência da narrativa, seguem-lhe a batuta e
silenciam contra as anomalias. O Granma, jornal cubano, faz a mesma
coisa.
Ao solicitar o
bloqueio de toda monetização de alguns youtubers e canais digitais, o
ministro corregedor–geral da Justiça Eleitoral escreveu que “de fato existe uma rede vasta, organizada e complexa para contaminar negativamente o debate político e estimular a polarização" (1). E ninguém redigiu uma linha a respeito!
Ninguém
saiu da narrativa para ensinar que a polarização é elemento natural do
ambiente político. Não é invenção, não é surto, não é crime, nem algo
perigoso.
Temível é a
política de um pólo só, como estou vendo acontecer desde quando os
poucos conservadores ativos no Brasil perceberam não estar solitários e
levaram à loucura o pólo até então hegemônico. O que houve no Brasil foi
uma ruptura da hegemonia.
Essa deveria ser a notícia. O resto é narrativa.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.