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domingo, 19 de fevereiro de 2023

Ideologia de gênero: contradições e paradoxos - Percival Puggina

         Quem apontar contradições e paradoxos num discurso de esquerda se torna, imediatamente, objeto de esmerado trabalho de colagem de etiquetas que farão dele um vulto irreconhecível. 
Divergir da maioria dos colegas ou do professor militante é atitude de risco. 
O coletivo não admite dissenção porque a diversidade de ideias é o perigoso habitat da burguesia. Quase tão danoso quanto a liberdade.

É o que acontece com relação à ideologia de gênero. A ideia de que os órgãos genitais são ilusões da mente e devem ser abolidos da identidade pessoal derruba uma biblioteca de Genética e outra de Biologia. Coisa difícil, já se vê, principalmente se os autores da tese não conseguem esconder suas contradições.

A ideologia de gênero, em tese, não lida com sexo, mas com sexualidade e com papeis – masculino, feminino e neutro.  
Para a confusão decorrente, esses personalíssimos scripts ora seriam construções sociais, ora deliberações tão frívolas quanto a escolha de um adereço, ora frutos de imposições heteronormativas, ora produtos de uma "dialética" da genitália com o inconsciente de cada um, ora produto da tirania de certas emanações hormonais.

Sob absoluto silêncio e omissão da natureza, ninguém nasceria homem ou mulher. Todos arribaríamos a este mundo assexuados como manequins de vitrine, pendentes de definições ou indefinições que adviriam das influências e das experiências mais ou menos bem sucedidas ou malsucedidas. Ademais, os gêneros seriam intercambiáveis e, dependendo do lado de corte do fio, inacessíveis até mesmo aos cuidados profissionais de psicólogos e psiquiatras.

Qualquer dessas ideias, suas dicções e contradições tem inteiro direito de comparecer ao debate no ambiente social leigo ou científico. O direito que não lhes assiste é o de assalto às salas de aula e espaços infantis, precisamente seu interesse maior. Mantenham-se longe daí! Esses ambientes lhes são totalmente impróprios.  
Sua presença ultrapassa os limites da decência. 
Ninguém tem o direito de levar sua militância às mentes infantis para confundir suas identidades.

Enquanto escrevo estas linhas, o G1 informa que 100 crianças (4 a 12 anos) e 180 adolescentes (13 a 17 anos), se submetem a processos que incluem bloqueio da puberdade, hormonização cruzada e cirurgia de redesignação sexual, fazendo transição de gênero no Hospital de Clínicas da USP (leia aqui).

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Os jornalistas foram os palhaços da CPI - J. R. Guzzo

Revista Oeste

A prova mais elementar disso é o seu resultado concreto: após seis meses de atividade, não foi capaz de produzir uma única acusação que pudesse ficar de pé do ponto de vista judicial

Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros, membros da CPI da Pandemia, concedem entrevista à imprensa | Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros, membros da CPI da Pandemia, concedem entrevista à imprensa | Foto: Roque de Sá/Agência Senado 
 
Como é que pode? Durante seis meses inteiros, dia após dia, sem parar, a população brasileira foi informada que o presente governo federal tinha sido destruído por uma explosão termonuclear e que estava nos últimos frangalhos. Quem ficou dizendo isso? 
A esquerda em peso, em primeiro lugar — o PT, as classes intelectuais, o padre. A imprensa repetia exatamente a mesma coisa, numa espécie de ataque de nervos permanente; na verdade, ninguém repetiu isso mais do que os jornalistas. Os “analistas políticos” que aparecem nas mesas-redondas do rádio e televisão depois do horário nobre completavam o serviço. Nunca nenhum deles teve a menor dúvida. Adeus, governo — com essa “CPI da Covid”, que montamos aí no Senado para revelar ao Brasil e ao mundo os crimes contra a humanidade praticados pelo presidente Bolsonaro, por seus três filhos e pelo ministro Pazuello, e quem mais passasse pela frente com cara de “negacionista”, vocês morreram. Se era assim, com tanta certeza, então por que não aconteceu absolutamente nada disso e o governo continua hoje no mesmíssimo lugar em que estava quando começou? Muito simples: porque esta foi a maior mentira que já quiseram socar em cima do Brasil nos últimos três anos, maior que os 130pedidos de impeachmentapresentados contra o presidente da República até agora com resultado 100% nulo, a “raspadinha” e o resto da palhaçada que passa por atividade de “oposição” no Brasil de hoje.

Testemunhas foram humilhadas, insultadas e ameaçadas de “prisão”

Mais de três meses depois do seu encerramento, ninguém dá mais um pio sobre “a CPI”. Se era uma coisa tão essencial, por que sumiu desse jeito? Porque, antes de tudo, nunca existiu. 
Não foi em nenhum momento uma investigação com um mínimo de seriedade; foi uma trapaça integral o tempo inteirinho. 
A CPI, na verdade, já nasceu morta, porque nunca teve a intenção de apurar coisa nenhuma; quis apenas servir aos interesses pessoais dos seus organizadores e “derrubar” o governo. Foi pretensioso? Muito, tanto que não derrubou nem o porteiro do Palácio do Planalto. 
 
Mas foi exatamente o que aconteceu, num país onde a hipocrisia é a regra número um para a ação política e o Senado Federal, para não falar da Câmara dos Deputados, é controlado em larga extensão por gangues de malfeitores agressivos e impunes. Continuou morta durante os 5 meses e 29 dias em que durou — depois dos seus três meses legais de prazo, foi ressuscitada e mantida em vida artificial com aparelhos por mais três. Nem foi enterrada depois de acabar, porque não havia nada para enterrar. Como poderia ter sido diferente?  
O presidente da comissão estava envolvido até o talo em investigações de corrupção feitas pela Polícia Federal na área da saúde, justamente da saúde, em Manaus; sua mulher e os irmãos chegaram a ir para a cadeia.  
O relator é o proprietário de um dos prontuários policiais mais extensos de Brasília. 
Havia mais um, o mais esquisito, que ficava gritando o tempo todo; era, aliás, um dos que deixavam os jornalistas em estado de graça. 
O público olhava para aquilo e pensava: o que está acontecendo com esse homem? (Os psiquiatras descrevem comportamentos parecidos ao dele como sendo acessos de histeria; vai saber.) 
É claro que uma comissão operada por pessoas assim vai funcionar como uma usina de processamento de lixo; entra lixo de um lado, sai lixo do outro.

A prova mais elementar disso é o resultado concreto da CPI do Senado: após seis meses de atividade, não foi capaz de produzir uma única — nem uma acusação que pudesse ficar de pé do ponto de vista judicial, nem contra o alvo principal, o presidente Jair Bolsonaro, nem contra ninguém. Só isso, e mais nada, já mostra o tamanho do escândalo: como você passa todo esse tempo fazendo um inquérito público imenso, sem limites de tempo, de meios técnicos ou de despesa, e no fim não apresenta o mais miserável indício contra nenhum dos acusados? 

O presidente, depois de 1.279 páginas de desvario escrito, foi acusado pela CPI de nada menos do que nove crimes diferentes. Hoje, três meses depois, ainda não foi acusado judicialmente de nada; é como se toda essa baderna nunca tivesse existido. Não foi só ele. 
Ao todo, pelas contas disponíveis, nada menos do que 78 pessoas foram acusadas de alguma coisa pelos senadores, sempre de forma grosseira, amadora e irresponsável; nenhuma dessas acusações resultou em qualquer processo, penal ou de qualquer outro tipo, em lugar nenhum, nem na comarca mais ordinária deste país. 
Foram quebrados 250 sigilos; não se descobriu nada que pudesse incriminar alguém. Apresentaram mais de 1.500 requerimentos, aprovaram mais de 1.000. Fizeram quase 400 horas de interrogatório. Tudo isso, somado, resultou em três vezes zero.[a incompetência da CPI foi tamanha, que um outro senador, petista, dos mais estridentes, chamado pelos comparsas de 'drácula' - andou enrolado,quando era ministro da Saúde no governo do Luladrão, com corrupção envolvendo bancos de sangue; o luladrão ficou tão puto com que proibiu o 'drácula' de ser candidato a governador; aliás, o 'drácula' que se cuide tem pessoas com péssimas intenções contra eles - clique aqui e confira.] 

A certa altura, criaram o crime de “cloroquina”; é lógico que não se conseguiu denunciar nenhum réu na Justiça

Os senadores fizeram de tudo no picadeiro do seu circo. Testemunhas foram humilhadas, insultadas e ameaçadas de “prisão”. Advogados das vítimas foram desrespeitados em seus direitos legais — um, aliás, foi alvo de piadinhas ofensivas do senador que interrogava seu cliente. (Quando reclamou, o senador ameaçou chamar a polícia.) Durante o tempo todo, do primeiro ao último dia da CPI, houve uma agressão serial à democracia, às leis e aos direitos individuais das pessoas chamadas a depor. Foram feitas, aos gritos, denúncias de corrupção –— sem jamais se demonstrar o pagamento de propina nenhuma, em dinheiro ou em qualquer outra forma. Sequer se concretizou, por sinal, a compra e venda de alguma coisa. [seria a prevaricação fundamentada em uma compra que não houve;  
outro tema foi que o secretário do Ministério da Saúde, decidiu ignorar um relatório de um conselho contrário ao kit 'covid' e, em nota recomendou o uso de medicamentos que especialistas em 'nada' desaconselham; de imediato, um desses partidecos SEM     noção, SEM votos, SEM representatividade, SEM programa de governo, solicitou ao Supremo que determinasse a imediata demissão do secretário autor da nota
Por razões que desconhecemos o Supremo optou por ignorar o assunto e nada determinou ao Poder Executivo.] Exigiram a presença em Brasília, com a única intenção de ofender e tirar proveito pessoal, de um empresário que não tem absolutamente nada a ver com qualquer questão de saúde, muito menos de vacina e covid. Tudo o que ele faz é ser um seguidor público do presidente Jair Bolsonaro e vestir-se de verde e amarelo. A certa altura, criaram o crime de “cloroquina”; é lógico que não se conseguiu denunciar nenhum réu na Justiça, pois este crime simplesmente não existe no Código Penal Brasileiro ou em qualquer outra lei deste país.

Nada disso, no fundo, chega a impressionar, no bas-fond político sem fim de Brasília; já se viu isso muitas vezes no passado, e vai se ver de novo. Trapaceiros profissionais se organizam o tempo todo em suas quadrilhas no Senado, Câmara e vizinhanças, atrás de lucro material, propósitos políticos e vítimas que podem explorar sem correr risco nenhum. O realmente extraordinário, nesse episódio da CPI da Covid, foi o espírito de colaboração da imprensa para servir aos vigaristas. 

Poucas vezes se viu neste país tanto jornalista aceitar com tanta pressa, e tanto entusiasmo, ser feito de palhaço de forma tão extrema pelos senadores. Não estavam trabalhando em seus veículos; estiveram trabalhando todos os dias, durante seis meses seguidos, como serviçais amestrados dos três cidadãos que operavam a CPI. Publica isso. Sim senhor. Publica aquilo. Sim senhor. Vem cá. Faz isso. Filma eu. Sim senhor, sim senhor e sim senhor. Foi um escândalo completo: poucas vezes a mídia tratou com tanto desprezo o seu próprio público. 

A CPI, convenceram-se os comunicadores, iria acabar, enfim, com o governo Bolsonaro; seria o ideal, no seu modo de ver as coisas, para trocar de presidente sem ter de ganhar as eleições de 2022. Não deu, no fim. Mas foi uma aula, melhor que qualquer outra em memória recente, sobre a qualidade da informação que a população brasileira está recebendo dos seus meios de comunicação. É esse o nível. É isso o que você lê, ouve e vê.

Leia também “Bolsonaro desapareceu – e daí?”

J. R. Guzzo, colunista   - Revista Oeste

 


terça-feira, 15 de junho de 2021

Liberdade de autor de facada em Bolsonaro será decidida em um ano - Radar - VEJA

Justiça fará nova avaliação psiquiátrica de Adélio Bispo em junho de 2022

Faltam exatos 365 dias para que Adélio Bispo, autor da facada contra Bolsonaro na corrida eleitoral de 2018, seja avaliado por uma junta de psicólogos e psiquiatras, que determinará se o agressor ainda representa algum risco para a sociedade. A depender da indicação dos especialistas, ele poderá ser posto em liberdade.

Em junho de 2019, a Justiça Federal em Juiz de Fora absolveu Adélio porque sua condição psiquiátrica o tornou inimputável pelo atentado à vida de Bolsonaro. A decisão foi baseada em laudos que indicaram insanidade mental do agressor, que disse que deu a facada no então candidato sob designíos divinos.  Apesar de não ter sido condenado à prisão, ele foi mantido preso por ter sido considerado pessoa de alta periculosidade, cuja liberdade representaria risco a si e a terceiros. Desde então ele está recolhido no presídio federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. 

A opção pela unidade de segurança máxima foi a forma que a Justiça Federal encontrou de preservar a integridade de Adélio, já que havia o temor de que ele sofresse represálias e pudesse não ter sua segurança garantida em um manicômio judiciário.  Na decisão em que determinou a internação do agressor por tempo indeterminado, o juiz da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora, Bruno Savino, ordenou uma reavaliação do estado mental do interno dali a três anos, prazo que se encerrará em 14 de junho do ano que vem.

Radar - VEJA


sexta-feira, 5 de junho de 2020

Vírus tendem a ser inflexíveis - Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman

Quarentena meia-boca não basta para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2

Não é que os planos de reabertura econômica dos governadores sejam irracionais. Eles se baseiam nos parâmetros cientificamente relevantes, como a evolução do contágio e a ocupação dos leitos hospitalares, e, mais importante, preveem a possibilidade de volta do isolamento social, caso os números piorem. Receio, porém, que eles tenham deixado de levar em conta aspectos menos racionais do comportamento humano.

Num mundo ideal, em nome da previsibilidade, as discussões sobre como sair da quarentena precederiam a própria quarentena. 
Só que não vivemos num mundo ideal, mas sim em um no qual a simples menção a uma abertura futura faz com que muitas pessoas passem a comportar-se como se já tivéssemos voltado à normalidade, sabotando os esforços de distanciamento social.

 Dada essa idiossincrasia humana, que é bem conhecida de psicólogos, psiquiatras e economistas comportamentais, não sei se foi muito inteligente falar em retomada num momento em que, em grande parte dos estados, ainda é forte a circulação comunitária do vírus. O risco é vermos as curvas voltarem a subir antes mesmo de as termos estabilizado.
[Concordamos que não vivemos em um mundo ideal. Não em um mundo administrado, por suprema decisão, pelos 'competentes' governadores e prefeitos do Brasil. 

Entraram na quarentena e agora não sabem como sair - planejamento para sair? para que este gasto de energia criativa? (a pouca que dispõem é para ser usada na tentativa de derrubar um presidente eleito com quase 60.000.000 de votos.

Tomando como exemplo a maior cidade do Brasil, o digno prefeito não atentou para a impossibilidade de liberar a capital, cercada por municípios com bloqueio em vigor.
E centrou suas ações em três pontos:
- criar engarrafamentos para forçar as pessoas a deixarem os carros e se amontoarem no transporte público.]
- reativar o rodízio de forma a manter todo dia um engarrafamento; e,
- adquirir mais de 30.000 urnas funerárias.
As duas primeiras abandonou e a terceira, devido a incompetência notória, infelizmente, continua sendo utilizada.
E o governador, anda em círculos, esperando o achatamento de uma curva que, infelizmente, tende a ser por alguns dias, um platô.]

Nesse quesito, o Brasil não está se saindo muito bem. Acho que nosso relativo fracasso tem algo a ver com o tão celebrado jeitinho brasileiro, definido como flexibilidade criativa em relação a regras. Um bom exemplo é o do empresário que, para poder abrir suas lojas de eletrodomésticos, passou a vender também arroz e feijão. Não digo que o jeitinho seja sempre ruim. Há muitas situações em que jorros de flexibilidade são desejáveis. Mas a contenção de uma epidemia não é uma delas. Vírus tendem a ser inflexíveis. O resultado disso são quarentenas meia-boca, que não bastam para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2 e, justamente por isso, vão prolongando os dolorosos efeitos da inatividade econômica. É uma espécie de pior dos mundos pandêmico.

Hélio Schwartsman, jornalista - Folha de S. Paulo



quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Donald Trump e os psiquiatras



Não se pode diagnosticar que ele seja doido, mas pode-se garantir que naquela cabeça mora o perigo 

Na hora em que um estudioso do comportamento humano ganhou o Prêmio Nobel de Economia, saiu nos Estados Unidos, e está na rede, o livro “The Dangerous Case of Donald Trump” (“O perigoso caso de Donald Trump”), com 27 artigos de psiquiatras, psicanalistas e terapeutas, mais dois escritores e um advogado. Eles ficam a um passo da declaração formal de que o presidente dos Estados Unidos é maluco.

Narcisista, paranoico, mentiroso e delirante, Trump é uma ameaça à segurança do mundo. Todos os políticos têm essas características (ou, pelo menos, são acusados de tê-las), mas com Trump elas compõem um caso clínico. É comum ouvir que alguém vive “no mundo da lua”. Ele vive no mundo do sol, e o sol é Donald Trump. Orgulha-se de não confiar em ninguém, elogia tiranos como o “amado líder” Kim Jong-un da Coreia do Norte ou o sírio Bashar al-Assad e inventa situações fantásticas (Barack Obama é muçulmano e nasceu no Quênia), não se retrata e se diz perseguido.

A coletânea é apresentada pelo professor Robert Jay Lifton, um dos mais respeitados psiquiatras do país. Num dos melhores artigos do livro, o psicólogo Michael Tansey disseca os cinco minutos finais de um discurso de Trump na sede da CIA, logo depois de sua posse. (A fala está na rede.) Depois de ter chamado a Agência de incompetente, disse que estava “100%” ao seu lado. Não terminou algumas frases e garantiu que na plateia de sua posse havia uma multidão jamais vista.  O livro compilou mentiras e delírios dos primeiros seis meses de Trump. Sabidamente, ele foi além. Todos os autores temem pela sua conduta numa crise semelhante à de 1962, quando o mundo esteve perto da guerra nuclear e foi salvo pelo sangue-frio do presidente John Kennedy.

Os psiquiatras e psicanalistas lutam contra Trump e contra uma norma da guilda dos doutores que os proíbe de diagnosticar maluquice em pessoas que não examinaram profissionalmente. Ela impede que algum deles use claramente a palavra “maluco”. Contudo, usam todos os sinônimos disponíveis. A norma da Associação Americana de Psiquiatria foi baixada no século passado, quando o republicano Barry Goldwater disputava a presidência com Lyndon Johnson e foi dado por paranoico numa pesquisa junto a psiquiatras, por ter sugerido a possibilidade de uso de armas nucleares.

Uma trapaça da história fez com que Goldwater, batido, seja visto como um dos fundadores do moderno conservadorismo americano. Johnson reelegeu-se e muitos dos psiquiatras que apontam para a maluquice de Trump concordam num ponto: o paranoico era Johnson. Tudo bem, mas se não fosse pela sua desastrosa política na Guerra do Vietnã, ele seria um dos melhores presidentes do século. Outro paranoico de papel passado foi Richard Nixon, mas deve-se a ele a reaproximação dos Estados Unidos com a China. Para ficar nos desafios da psiquiatria política, Abraham Lincoln era depressivo.

O livro dos doutores solidifica a noção de que Trump é um perigo para o mundo, porque o seu cotidiano, as suas piruetas e algumas de suas políticas relacionam-se diretamente com seu desequilíbrio mental. Nixon mentia, mas não mentia a cada hora. Lincoln era depressivo, mas doidos estavam os estados do Sul ao se rebelarem.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista