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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

“Pra que tanta democracia?”, perguntou a mãe aflita querendo visitar o filho doente

Na fila na entrada do Hospital de Base, a senhorinha reclama:

— Não sei pra que tanta democracia? Eu quero visitar meu filho e essa democracia… não pode assim, só pode assado! Se fosse ladrão, num tinha BO, entrava na manha.

[no Brasil não existe tanta democracia, no sentido de muita democracia, quanto a repórter quis fazer crer
segundo o atual presidente do Brasil, democracia em abundância existe na Venezuela =  óbvio que,  sendo o declarante um MENTIROSO PATOLÓGICO não temos motivo para considerar fato  o dito.
O que existe no Brasil é o USO EXCESSIVO por alguma autoridades, do recurso de invocar supostos atentados à democracia, os famosos atos antidemocráticos,  para violar principios que a democracia estabelece = quer prender alguém e não tem amparo legal, invoca a prática de um ato antidemocrático e joga um inocente na cadeia. 
 Pouco importa, se está destruindo a democracia a pretexto de conservá-la.]

Devo ter feito cara de paisagem mas logo entendi: a mãe aflita confundiu a palavra “burocracia” com “democracia”. Eu já tinha ouvido a mesma confusão numa fila de cartório.

A entrada de acompanhantes e visitantes no Base tem um conjunto de normas que se demora a entender. A razão é evitar a entrada de muita gente num ambiente hospitalar, o que não necessita de maiores explicações.

O desabafo da mãe irritada demonstra, antes de tudo, que a democracia está na boca do povo – o que já é alguma coisa. E há um fundo de verdade na confusão semântica: a democracia não é, como supõe o senso comum, um ambiente onde tudo pode. É muito sofisticada, a democracia. É burocrática. Exige de cada um paciência e respeito pelas normas estabelecidas, tem regras intrincadas, complexas, semoventes, algo bem complicado de entender – como a burocracia que dificultava a visita da mãe inquieta ao filho doente.

É bem velhinha a democracia ou aquilo que começou a se ensaiar como sendo a possibilidade de um grande grupo de pessoas dar palpite para a tomada de decisões de interesse coletivo. A história registra 500 anos antes de Cristo, nos anfiteatros de Atenas, como a data de surgimento da democracia ou daquilo que viria a ser a inspiração para a democracia.

Nos dicionários, democracia é o governo popular, a soberania popular, o que acaba quase sendo sinônimo de utopia, aquilo que a gente quer, precisa querer, mas que sempre vai exigir um pouco mais, o impossível, o nunca experimentado pelas civilizações que conhecemos ou de que temos notícia.

Democracia tem muitos adjetivos, muitas versões e está muito longe de ser o jeito mais igualitário e livre de se habitar coletivamente o mundo. Mas, como disse Churchill na sua frase mais famosa: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais…”.

Cada um tem a sua própria ideia de democracia. O genial Millôr Fernandes percebeu direitinho como a ideia de democracia entra arranhando na nossa garganta: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim.

Democracia é eu aceitar que, por mais aflita que eu esteja, tenho de esperar na fila e cumprir as normas estabelecidas para entrar no Base. Não poucas vezes me passou pela cabeça algo do tipo: Poxa, eu sou jornalista, conheço a história do Base desde o começo, por que tenho de ficar na fila? Logo a vergonha e o simancol me deram uma rasteira e eu sigo no democrático lugar de esperar e cumprir as exigências do hospital, entre as quais a revista dos pertences para impedir a entrada de alimentos.

Democracia é ter um Sistema Único de Saúde, algo inédito no mundo, no qual todos têm direito gratuitamente ao atendimento médico, desde o mais básico até os mais complexos. Democracia mais democrática seria destinar ao SUS recursos, por exemplo, dos impostos sobre as grandes fortunas. Seria gerir o SUS de modo mais eficiente.

Democracia é o morador de rua todo estropiado ter o direito de receber o atendimento médico digno e ágil de que precisa. Esperar na fila e aceitar que assim pode, assim não pode, é o de menos. Ou melhor: é uma das faces da democracia: a fila nos iguala, do mesmo modo que a doença e a morte.

Como disse um paciente: “Se até o Pelé morre, por que eu não vou morrer?”. A morte é terrivelmente democrática, mas antes dela a gente tem milhões de chances de experimentar a liberdade de ser apenas um no meio de tantos.

Está na hora de eu ir pra fila.

Blog da Conceição -  Correio Braziliense


terça-feira, 28 de setembro de 2021

Sentimento - Política brasileira deu novo significado à palavra ódio - VOZES - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo

Uma das coisas mais prodigiosas da vida política atual do Brasil é o significado dado à palavra “ódio” pelos donos do grande mundo oficial — em particular o Supremo Tribunal Federal, no seu papel de manter o país seguro para o exercício da democracia
No resto do mundo, cinco continentes afora, “ódio” quer dizer algo muito preciso, definido exatamente da mesma forma em centenas de dicionários diferentes; basicamente, trata-se da aversão, da raiva e da repulsa extremadas, um sentimento com características comuns e que pode afetar, sem distinções, qualquer  vivo.

Manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro, no último dia 12, foram um festival de discursos de ódio.| Foto: Joédson Alves/EFE


Numa determinada porção do planeta, porém, a que vai do Oiapoque ao Chuí, “ódio” quer dizer outra coisa. A palavra, aqui, exprime as sensações negativas de apenas uma parte da população; não está aberta a todos. Resultado: uns sentem ódio quando se comportam de um determinado jeito. Outros não sentem, de forma alguma, mesmo se comportando exatamente da mesma maneira. É assim que “ódio”, para a autoridade pública brasileira e para o mundo que vive pendurado nela, só pode ser sentido e praticado por seguidores extremados do presidente Jair Bolsonaro. Os outros, façam o que fizerem, não odeiam.

Redes sociais veem censura do STF contra apoiadores de Bolsonaro; entenda por quê

Até uma criança de dez anos sabe que, segundo determinam o STF, o inquérito das “fake news” e a elite encarregada de pensar por todos, você pode arrumar um problema e tanto se disser, por exemplo, que é a favor de fechar toda essa geringonça que leva o nome de “instituições” — e jogar a chave fora. Do mesmo jeito, é terminantemente proibido o sujeito dizer que é a favor de coisas como o AI-5, ou que gostava do regime militar. Nem queira tentar; o ministro Alexandre Moraes manda a sua polícia prender na hora.

Agora: se alguém escrever que quer que o presidente da República morra, de covid ou de soluço, não há problema nenhum aí não é mais ódio. É o que, então? Melhor não perguntar ao STF.

Vai ser considerado como mais uma contribuição ao debate democrático, assim, o acesso de furor que um militante de esquerda e que se apresenta como historiador acaba de fazer pelo Youtube — a rede social que está 24 horas por dia na mira do STF. Numa reunião do Sindicato da Construção Civil de Fortaleza o homem disse que os brasileiros precisam “odiar” e “querer cuspir” na “burguesia”, nos patrões e até, vejam só, nos ministros do STF. Uma das principais tarefas do militante político moderno e consciente, disse ele, é “estimular o ódio de classe”. A coisa vai por aí afora. No fim, declamou que sem o ódio não será possível falar de “revolução” no Brasil.

Como se vê, o orador caprichou: disse a palavra “ódio” com todas as letras, de sua própria voz, três vezes, e só aí. No resto do planeta, obviamente, um negócio desses seria considerado discurso do ódio, como se diz na mídia e na vida política brasileiras. Aqui não é nada.

J.R. Guzzo, colunista -  Gazeta do Povo - VOZES


domingo, 23 de maio de 2021

São os nossos governantes genocidas? - Jorge Serrão

Nos dicionários, a palavra genocídio (do grego genos – tribo, raça; e do latim cide – matar) é usada para fazer referência ao ato de exterminação sistemática de um grupo étnico ou a todo ato deliberado que tenha como objetivo o extermínio de um aspecto cultural fundamental de um povo. Genocida é quem mata ou manda assassinar em massa.
Ultimamente, o termo genocida vem sendo “ressignificado” pela novilíngua esquerdopata. A pergunta-título do artigo se justifica pela vulgarização do uso da palavra genocida na CPI da Covid. Não pode passar despercebido que – numa overdose de expressão – um senador chegou, inclusive, a comparar um determinado administrador público ao carrasco nazista Adolf Eichmann.

A respeito do uso da Cloroquina – o principal motivo da acusação de prática de genocídio – o Senador Marcos Rogério, de Rondônia, apresentou e solicitou a juntada aos documentos da CPI de um vídeo no qual os governadores abaixo listados fizeram as seguintes declarações:

1 – Governador de Alagoas, Renan Filho: ”O que o estado de Alagoas vai fazer é deixar a Cloroquina à disposição do uso médico. Quem decide se o paciente usa ou não Cloroquina ou qualquer outro medicamento em Alagoas é o médico e a ciência”.

 2 – Governador do Pará, Elder Barbalho: “Nós do governo já fizemos a aquisição de 615 mil Hidroxicloroquinas, 940 mil Azitromicinas. Isto significa 188 mil tratamentos e, neste momento, nós estamos levando ao interior e à capital a quarta entrega, que totalizam 75 mil Hidroxicloroquinas e 227 mil Azitromicinas”. [o governador esqueceu de mencionar que também havia adquirido em uma adega respiradores superfaturados em 340%, dos comprados a entrega foi parcial e a maior parte dos entregues não funcionava.]

3 – Governador do Piauí, Wellington Dias:Autorizei ao secretário Florentino e, também, a partir de orientação do COE – Comitê de Organização Emergencial Covid 19, que trata do coronavirus – autorizei uma compra mais elevada de substâncias, a Cloroquina, a Hidroxicloroquina, a Azitromicina, enfim substâncias que estão sendo experimentadas”.

 4 – Governador do Maranhão, Flávio Dino: A Cloroquina integra o tratamento que é feito aos pacientes hospitalizados, sempre a critérios dos profissionais de saúde”.

  – Governador de São Paulo, João Dória: “Quero deixar claro a posição do governo do estado de São Paulo em relação a Cloroquina. Foi o médico infectologista David Uip, coordenador do comitê de saúde do grupo de contingência do Covid 19, que sugeriu, que recomendou, ao ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta que distribuísse o medicamento na rede pública do país”.

Em sua fala, o Senador de Rondônia deixou claro que o objetivo de sua apresentação não era criminalizar os governadores, pois entendia que eles estavam tentando salvar vidas com os meios disponíveis no momento.

Outro ponto: segundo informações levadas à CPI pelo Senador Luis Carlos Heinze, do Rio Grande do Sul, infectologistas e cientistas de renome internacional, inclusive laureados com o prêmio Nobel de Medicina, são apoiadores de tratamento preventivo da pandemia. O Senador Heinze informou, também, que grupos formados por milhares de médicos apoiam o tratamento preventivo, como o Grupo “Médicos pela Vida”. Por fim, após listar incontáveis regiões, do Brasil e do exterior, que estão aplicando com êxito o tratamento preventivo, o Senador fala de seu receio da politização do tratamento.

Uma única certeza: até agora, todo o mundo ainda tem muito a aprender sobre como tratar a pandemia que ora assola a humanidade; os erros e acertos ficarão para a avaliação dos historiadores. A propósito cabe perguntar, o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, deverá ser considerado genocida se, no futuro, ficar demonstrado que ele não deveria ter inibido a população carioca de frequentar as praias e parques?

E o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, deverá ser considerado genocida se, no futuro, ficar demonstrado que ele não deveria ter decretado toque de recolher em Brasília?

Considerando que a própria OMS modificou várias vezes seu entendimento sobre os diferentes aspectos da pandemia, e levando em conta as dúvidas existentes ainda hoje sobre o lockdown, a eficácia de determinadas vacinas, o uso de máscaras (o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, CDC, na sigla em inglês, passou a recomendar o uso de duas máscaras), chega a ser uma desonestidade intelectual acusar de genocida quem, de boa-fé, usou as tentativas disponíveis no momento para minimizar o problema.

Por outro lado, o termo genocida pode ter outra utilidade: designar quem pratica corrupção contra a vida de milhões de habitantes do Brasil. Ele pode ser muito bem aproveitado para aqueles que praticaram superfaturamentos e outras falcatruas com os recursos destinados ao combate à pandemia, como os repasses de dinheiro para instalação de hospitais de campanha, para a compra de respiradores, para a criação de leitos em UTI, etc. Se for por aí, somos a Pátria dos Governantes Genocidas? [Exatamente para evitar que o termo "Pátria dos Governantes Genocidas" se torne voz corrente na CPI do Covidão é que citar governadores se tornou assunto proibido no Circo Parlamentar de Inquérito. 
Confira no penúltimo parágrafo da matéria linkada. 
Não conseguirão evitar. Chegará o momento em que governadores (incluindo os filhos de senadores membros da CPI) será o foco.]
 

“O Grande Mudo”

Trecho de artigo de David Nasser (1917 - 1980) - escrito três meses antes do Movimento Civil-Militar de 1964 - oportunamente lembrado pelo General Luiz Eduardo Rocha Paiva:

"O Exército Brasileiro a tudo assiste, como um leão reumático, um velho leão do circo brasileiro, dentro da jaula, onde prenderam a democracia. 

Cutucam-no os Brizolas et caterva. Os falsos domadores se animam, julgando que o rei perdeu a sua força. 

Súbito, ele eriça a juba, o pelo se eletriza e, num instante, o corpo de pé prepara-se para a reação. 

E daquele animal soberbo, que parecia emudecido para sempre, sai um urro de fogo. O urro democrático.

Assim será com a Marinha. Assim será com a FAB. Assim será, principalmente, com o Exército Brasileiro. 

O Grande Mudo. Porque o velho leão - preso e espezinhado na jaula da legalidade - não está morto, embora o pareça”.

Transcrito do  Alerta Total - Jorge Serrão, editor-chefe