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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Sentimento - Política brasileira deu novo significado à palavra ódio - VOZES - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo

Uma das coisas mais prodigiosas da vida política atual do Brasil é o significado dado à palavra “ódio” pelos donos do grande mundo oficial — em particular o Supremo Tribunal Federal, no seu papel de manter o país seguro para o exercício da democracia
No resto do mundo, cinco continentes afora, “ódio” quer dizer algo muito preciso, definido exatamente da mesma forma em centenas de dicionários diferentes; basicamente, trata-se da aversão, da raiva e da repulsa extremadas, um sentimento com características comuns e que pode afetar, sem distinções, qualquer  vivo.

Manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro, no último dia 12, foram um festival de discursos de ódio.| Foto: Joédson Alves/EFE


Numa determinada porção do planeta, porém, a que vai do Oiapoque ao Chuí, “ódio” quer dizer outra coisa. A palavra, aqui, exprime as sensações negativas de apenas uma parte da população; não está aberta a todos. Resultado: uns sentem ódio quando se comportam de um determinado jeito. Outros não sentem, de forma alguma, mesmo se comportando exatamente da mesma maneira. É assim que “ódio”, para a autoridade pública brasileira e para o mundo que vive pendurado nela, só pode ser sentido e praticado por seguidores extremados do presidente Jair Bolsonaro. Os outros, façam o que fizerem, não odeiam.

Redes sociais veem censura do STF contra apoiadores de Bolsonaro; entenda por quê

Até uma criança de dez anos sabe que, segundo determinam o STF, o inquérito das “fake news” e a elite encarregada de pensar por todos, você pode arrumar um problema e tanto se disser, por exemplo, que é a favor de fechar toda essa geringonça que leva o nome de “instituições” — e jogar a chave fora. Do mesmo jeito, é terminantemente proibido o sujeito dizer que é a favor de coisas como o AI-5, ou que gostava do regime militar. Nem queira tentar; o ministro Alexandre Moraes manda a sua polícia prender na hora.

Agora: se alguém escrever que quer que o presidente da República morra, de covid ou de soluço, não há problema nenhum aí não é mais ódio. É o que, então? Melhor não perguntar ao STF.

Vai ser considerado como mais uma contribuição ao debate democrático, assim, o acesso de furor que um militante de esquerda e que se apresenta como historiador acaba de fazer pelo Youtube — a rede social que está 24 horas por dia na mira do STF. Numa reunião do Sindicato da Construção Civil de Fortaleza o homem disse que os brasileiros precisam “odiar” e “querer cuspir” na “burguesia”, nos patrões e até, vejam só, nos ministros do STF. Uma das principais tarefas do militante político moderno e consciente, disse ele, é “estimular o ódio de classe”. A coisa vai por aí afora. No fim, declamou que sem o ódio não será possível falar de “revolução” no Brasil.

Como se vê, o orador caprichou: disse a palavra “ódio” com todas as letras, de sua própria voz, três vezes, e só aí. No resto do planeta, obviamente, um negócio desses seria considerado discurso do ódio, como se diz na mídia e na vida política brasileiras. Aqui não é nada.

J.R. Guzzo, colunista -  Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 1 de junho de 2019

Reação patriótica - Figuras da República estão fazendo a diferença. Saiba quem são e como atuam

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Apelos ao ‘razoável’

Talvez seja o momento de lamentar nossa evidente falta de verdadeiras lideranças

Não acho que as opções mais prováveis que se colocam diante do eleitor após o primeiro turnoa julgar pelo cenário trazido pelas pesquisas mais recentes, seria o confronto Fernando Haddad versus Jair Bolsonaro – sejam uma escolha de Sofia ou possam ser descritas como dilema do prisioneiro.

A primeira é a horrível situação, descrita no filme com Meryl Streep sobre a rampa de seleção em Auschwitz, em que qualquer escolha implica uma tragédia. O segundo é uma adaptação da Teoria dos Jogos, segundo a qual escolhas individuais visando exclusivamente a interesse próprio (nesse contexto, o voto anti-Bolsonaro ou o voto anti-PT) acabam produzindo um resultado coletivo pior para cada indivíduo.

Acho que a questão essencial neste momento é tentar entender a natureza do fenômeno que enfrentamos na próxima votação – duas posturas radicalmente opostas, antagônicas e, a julgar pelo palavreado em curso, irreconciliáveis. Trata-se de ocorrência efêmera, típica de polarização em disputa eleitoral, ou, ao contrário, de uma profunda transformação da política brasileira caracterizada, antes de mais nada, pelo “esfarelamento” do que se poderia descrever como “centro”, “moderação” ou “equilíbrio”?

Tendo pela segunda hipótese. Em primeiro lugar, não é nada novo o fenômeno da resistência ao lulopetismo, que é a expressão do que há de retrógrado e atrasado na política brasileira, resistência que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e a resultados de eleições como as municipais de São Paulo de 2016. Em segundo lugar, em oposição à ferocidade como o lulopetismo se dedicou (em parte com dinheiro público desviado, como hoje sabemos) a destruir seus adversários políticos, encarados sempre como “inimigos do povo”, cresceu um vigoroso movimento pendular contrário, com capilaridade, abrangência e características próprias de uma “guerra cultural” (ou seja, de afirmação ou negação de valores).

No meio desse movimento foram apanhadas elites pensantes que, à falta de um projeto de País razoavelmente desenhado, e em dúvida sobre as próprias ideias, parecem pregar a um deserto de ouvintes – e que se sentem “órfãos” de representação – os valores democráticos, harmonia, estabilidade, coesão de princípios e o que mais pareça bonito, socialmente responsável e capaz de arrancar aplausos de gente “razoável”. Neste momento difícil da política, as bandeiras “moderadas” ou “centristas” (não confundir com “Centrão”) realmente parecem empunhadas por quem, perdoem a expressão chula, se veste de freira num bordel.

É óbvio que as pessoas “razoáveis” estão à mercê de uma onda que parece ter demonstrado seu tamanho (o candidato Jair Bolsonaro estacionado na ponta das pesquisas de intenção de voto), mas que está muito distante ainda de dizer para onde eventualmente nos levará. Diante dessa onda, é claro que gente “razoável”, com convicções políticas “razoáveis” e disposta a entendimento entre “razoáveis”, lamenta que se tivesse deixado pela metade reformas de Estado, que se tivesse defendido timidamente o que parecia fazer parte “firme” de seu ideário econômico mais “liberal”, que, em busca do que é “pop”, se tivesse dado tanta crença a marqueteiros e que se esquecesse das estratégias políticas de maior alcance. Dignos apelos ao que se possa considerar “razoável” não surtiram nem me parece que surtirão efeitos a curto prazo. Talvez seja o momento histórico em que mais se deva lamentar nossa evidente falta de verdadeiras lideranças.


William Waack - O Estado de S. Paulo

 


sábado, 25 de novembro de 2017

Os políticos estão nus, sem pudores

A putrefação da política brasileira parece ter atingido seu ápice, seu registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro. Ali vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços públicos a região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante realidade. A folha corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase nenhuma autoridade, em mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do Executivo. 

Na semana passada, três ex-governadores e quatro ex-presidentes da assembleia legislativa local encontravam-se trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de secretários, parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de toda ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para uma sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é comandada ali por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos do Estado. Como pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses, TODOS os governadores do Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da assembleia escolhidos desde 95 foram parar na cadeia. 

Nem dá para acreditar. Alguma coisa está muito errada nesse reino do fisiologismo e do voto de cabresto controlado por poderosos habituais. É espantoso o grau de periculosidade de suas excelências. No passado não muito longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se tornou o primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de cuecas para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de transgressão parlamentar observada era essa, digamos, falta de compostura. Hoje a maioria dos votantes se pergunta se vale voltar às urnas para eleger um candidato que ao menos pareça honesto. Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que tipo de política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de avançada gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj há alguns dias. 

Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e fecham os olhos a qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa prática multipartidária, e sem hegemonia ideológica à esquerda ou à direita, para locupletar a patota. Não importa o crime, muito menos o tamanho do prejuízo provocado à população. As raposas controlam o galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de quebra-quebra em protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo concreto dos três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo Melo, o antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos ao xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes de que se tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão unânime, [também unanimemente inconstitucional.] mandou o trio às grades sob a acusação de recebimento de milionárias propinas. 

Como previsível, a prisão foi revogada pela Alerj, porque ali a tropa de choque de Picianni & Cia. manda e desmanda. [mandasse a turma de Picianni, a de Lula ou de qualquer outro ladrão, tinha que prevalecer o que a Constituição determina, soltar os parlamentares que não foram presos em flagrante por crime inafiançável.
A decisão do TRF 2ª Região foi, e continua sendo, flagrantemente inconstitucional.

Tanto que o TER-2ª se ateve para revogar a soltura dos deputados a um mero procedimento burocrático que não foi cumprido pela ALERJ - o alvará de soltura tinha que ser expedido por aquele tribunal, assim, deveria a ALERJ ter comunicado àquela Corte, por ofício,  sua decisão de soltar os parlamentares e o TRF - 2 expediria o competente Alvará.

O mais absurdo é um tribunal viola Constituição Federal , revogue uma decisão da Assembleia Legislativa do Rio por descumprimento de um mero detalhe burocrático.] Os danos causados pela interpretação propositalmente parcial sobre a imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A Alerj entendeu que ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de volta. Estava assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de uma espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. [O STF não se manifestou ainda sobre a confusão absurda - absurda por estar em discussão se o que está escrito na Constituição é para ser cumprido, ou depende da vontade do STF - que não legisla, nem tem Poder para DESCUMPRIR a Constituição Federal.

O que houve foi uma manifestação do ministro Fux - ministro que já 'cometeu' a proeza de votar contra uma liminar que ele mesmo havia concedido - e do ministro Marco Aurélio que entre muitas 'escorregadas' destaca-se uma que em decisão monocrática revogava parte da Constituição - felizmente, o Plenário do Supremo corrigiu a escorregada.] O ministro Fux definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco Aurélio Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de trancafiar o bando. Na prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça, segue como uma terra sem lei, também no plano político. Enquanto isso, Picciani e seus comparsas experimentam a hospedagem no presídio de tratamento especial, cujas celas mostram conforto acima da média e abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho e a mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução definitiva. 

Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade geral, não apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem perto de 55 mil autoridades o número é esse mesmo! – com o chamado foro privilegiado, o que dá a essas figuras o direito à proteção incondicional em inúmeras circunstâncias. No STF a discussão sobre algumas restrições ao foro privilegiado finalmente entrou na pauta. A tendência é que prevaleça nos tribunais a tese de que esse direito ficará reservado para casos de desvios de conduta referentes exclusivamente ao cargo. Já seria um começo. [até que o andamento do processo para restringir o foro privilegiado andava bem, mas, o ministro Toffoli, se valeu do recurso 'pedido de vista obstrutivo' e parou toda a discussão. Por quanto tempo? Só Deus sabe.
Temos o exemplo do ministro Fux que em 2014 apresentou pedido de vista  (o já famoso pedido de vista obstrutivo) sobre a ação que cuida do auxílio-moradia para juízes e membros do MP e desde então o assunto está parado, sem a menor previsão de voltar a andar.]

Carlos José Marques,diretor editorial da Editora Três - IstoÉ