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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Como deve ser a fila da vacina? - Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman
 
Pode-se priorizar os mais vulneráveis ou buscar o máximo de proteção coletiva

A epidemiologia é uma ciência firmemente calcada na matemática, mas que não trabalha bem com a conceituação binária certo e errado. A razão do paradoxo é que é grande a interface entre epidemiologia e ética, e esta, apesar dos esforços de certas correntes filosóficas, resiste à matematização.O problema fica escancarado agora, quando países definem os grupos prioritários para a vacinação contra a Covid-19. Existem duas lógicas a orientar as decisões. Pode-se tanto dar primazia aos mais vulneráveis como procurar extrair o máximo de proteção coletiva de cada dose aplicada. Nada impede a criação de um sistema híbrido, que combine as duas.

Pelo primeiro critério, ganham dianteira na fila idosos, portadores de doenças que agravam a Covid-19, populações institucionalizadas, indígenas etc. 
Pelo segundo, a prioridade deve ser dada a indivíduos que, mesmo sem correr grande risco pessoal, desempenham funções essenciais e lidam como muita gente, o que os torna elos importantes na cadeia de transmissão: profissionais de saúde, policiais, certos comerciários, motoristas de coletivos, entregadores etc.  [certíssimo - fechamos com o articulista.] 
 
Como tudo é novo com essa doença, estamos fazendo as escolhas meio no escuro. Se as vacinas previnem a infecção e não só quadros sintomáticos, teríamos um motivo adicional para enfatizar a segunda estratégia. Se elas não funcionam tão bem com idosos, um efeito esperado, a melhor forma de proteger essa população pode ser imunizando não o indivíduo diretamente, mas as pessoas que se relacionam com ele. 
[nos chama a atenção o esforço para beneficiar presidiários - chamados pelos politicamente corretos de população carcerária, apesar de nesta matéria estarem na rubrica: 'populações institucionalizadas'
O termo 'populações institucionalizadas' costumava, no passado, se referir aos idosos que vivem compulsoriamente em asilos. Indígenas até que poderiam se enquadrar nas tais populações em comento. Só que o articulista teve o cuidado de citar na mesma frase idosos, portadores de doenças que agravam a covid-19, 'populações institucionalizadas' e indígenas. Isto nos induz a considerar que a classificação 'populações institucionalizadas', extirpada dos seus integrantes tradicionais, abriga apenas os presidiários.

A vulnerabilidade dos idosos é pacífica, dispensando comentários, a ela se junta o fato que grande parte dos idosos são portadores de comorbidades.

Os indígenas temos ressalvas a sua inclusão em prioridade, visto ser desprovido de justa razão, sendo até discriminatório,  que os indígenas jovens não portadores de comorbidades tenham prioridade. O argumento muito usado de que são mais vulneráveis as doenças do homem 'branco', em termos de covid-19 se torna inaplicável = todos, sem exceção, que foram acometidos pela covid-19 não tinham 'intimidade' com a doença - pelo simples fato de ser uma peste nova, recém ativada.

Nossa modesta opinião, é que os índios sejam classificados da mesma forma que os demais cidadãos, em função de idade, comorbidades que porventura portem. Valendo o mesmo para os quilombolas. Os elaboradores de listas de prioridades são, com raríssima exceções, adeptos do 'isolamento social' -  consideram que isolar as pessoas resolve tudo -  portanto,  concordarão que os presidiários em regime fechado estão compulsoriamente em isolamento social, o que retira dos mesmos qualquer direito a prioridade.

Cumpra-se lei, submetendo-os ao isolamento ao qual foram condenados e resolvido o problema. Tenham sempre em mente que condenados à reclusão, estão sujeitos ao regime fechado = sujeição que inclui os que estão no  semiaberto - um endurecimento temporário,  para preservar a vida deles, justifica uma regressão de regime. Chega das pessoas de bem engaioladas em suas casas e os bandidos soltos - para preservar sua saúde.

Concedida essa imoral prioridade, teremos o absurdo de profissionais de saúde - que não integram o primeiro grupo - colocando suas vidas em risco (não só pelo contágio da covid-19 e, sim,  pelo risco de violência) para vacinar bandidos.

TRANQUEM OS BANDIDOS e as PESSOAS DE BEM agradecem.]

Para tornar tudo mais complicado, há o problema dos "free riders", a turma que quer furar fila. Critérios como idade são relativamente fáceis de controlar. Já os que dependem de autodeclaração (sou motoboy) podem gerar confusão. Aqui não há certo e errado, mas escolhas diferentes. Só o que é definitivamente errado é menosprezar a vacinação, como fazem alguns governantes.

 Hélio Schwartsman, colunista - Folha de S. Paulo

 

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Mortes em NYC - Alan Feuerwerker

Análise Política

Gente boa do ramo da epidemiologia defende uma tese: o excesso de mortes, na comparação com períodos semelhantes antes da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, é um parâmetro válido para medir o impacto real da Covid-19 no número de óbitos.


Porque o dado pega não só os que faleceram por causa do novo coronavírus, mas também quem perdeu a vida por culpa de um sistema de saúde sobrecarregado. Pega também gente cuja morte teria sido evitada se procurasse um serviço de saúde. E não procurou de medo de pegar a Covid-19.

Sobre isso, a publicação oficial da Associação Médica Americana (JAMA) publicou uma interessante comparação entre o excesso de mortes em Nova York durante a Gripe Espanhola em 1918 e o mesmo parâmetro agora na pandemia da Covid-19. Vale a pena dar uma olhada (leia).

Como era esperado, o debate sobre a Covid-19 nos diversos países, aqui inclusive, vem sendo capturado pela polarização política, em escala nacional e global. Mas se você quiser entender mesmo o que se passa, um bom caminho é tentar olhar os números da pandemia. [um dado importante e que raramente é citado pela imprensa - quando citam,  não destacam - é o número de novos casos confirmados nas  últimas 24h e o de recuperados no mesmo período = este mês, apenas em um ou dois dias o de recuperados foi inferior, sempre é superior, tendo dias que foi superior em mais de mil.]

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

segunda-feira, 1 de junho de 2020

A participação do ministro da Defesa em ato político rompe o apartidarismo dos militares - VEJA - Blog Thomas traumenn


O capitão Jair Bolsonaro tem mais ministros militares que qualquer governo anterior, incluindo os dos generais do regime ditatorial. Hoje, além do presidente e do vice, nove dos 22 ministros do governo são egressos das Forças, incluindo o general da ativa Eduardo Pazuello, que ocupa interinamente o Ministério da Saúde. São mais de 2.500 militares com gratificações e cargos de confiança – um recorde para qualquer tempo. Não é uma ocupação com respaldo na sociedade. Segundo a última pesquisa do Datafolha, 52% dos brasileiros são contra a presença fardada no poder político.  [pesquisa realizada com 2069 entrevistados em 25 maio.Representatividade = 0 ZERO.]

O presidente se apropria da imagem das Forças Armadas para poder governar e intimidar. Quando tem um problema, nomeia um general. Assim, ao mesmo tempo reparte a sua responsabilidade de escolha com as Forças, tomando para si a credibilidade da instituição. Se der errado, ele acredita que não apanha sozinho. Esta tática está sendo usada com péssimos resultados no Ministério da Saúde. Os mais de vinte militares que ocupam os principais cargos da pasta têm experiência em logística e conhecimentos nulos em epidemiologia. Pessoas erradas no lugar errado no pior momento. Quando a pandemia se for e as famílias das dezenas de milhares de brasileiros mortos por Covid-19 forem procurar os culpados, os seus dedos vão apontar Bolsonaro, alguns governadores e, agora, também os militares que aceitaram uma missão para a qual não tinham capacidade. [o espaço para medidas de controle da pandemia foi fechado para Bolsonaro - O Supremo determinou que medidas de controle da pandemia, incluindo distanciamento e isolamento sociais, ficariam a cargo dos governadores e prefeitos.
Não há possibilidade da culpa ser atribuída ao presidente Bolsonaro que, sabiamente, visitou o STF em caravana, e deixou bem claro quem era responsável pela aplicação das medidas de controle da pandemia.
O presidente da República ficou de mãos atadas, já que medidas a serem adotadas pelo Governo Federal seriam contraditórias com as as determinadas por prefeitos e governadores.]

Tão grave para a reputação da Força é a licença que Bolsonaro se permite para ameaçar outras instituições, mídia e adversários com o espantalho do golpe militar. É fato que Bolsonaro convenceu a metade do Alto Comando do Exército de que existe um complô de ministros do STF, líderes do Congresso e empresários para impedi-lo de governar. A solidariedade desses militares com o que consideram uma perseguição ao presidente, no entanto, está se transformando em uma relação abusiva. Bolsonaro usa os militares como se fossem sua milícia, sua tropa particular para impedir vozes contrárias.

É preciso aprender com a história. Quando deixaram o governo com João Figueiredo em março de 1985, a imagem das Forças Armadas estava no chão. Eram os culpados diretos pela falência do Brasil, então o país com a maior dívida externa do mundo, inflação chegando a 200% ao ano e desigualdade social recorde. Foram necessárias décadas de trabalho sereno para as Forças recuperarem sua imagem junto à população. [recuperação que pouco adiantou, tendo em conta que continuaram desprestigiadas, suas demandas relegadas a planos secundários, desatualizadas e mesmo sucateadas.]  Essa reputação já se deteriorou nesses 500 dias de administração Bolsonaro. Quando Bolsonaro se for, a conta de ter apoiado de corpo e alma um governo tão incompetente cobrará o seu preço.

Thomas Traumann - Blog em VEJA


sábado, 14 de março de 2020

Com coronavírus, Itália vive sua hora mais sombria e lei marcial ameaça se tornar 'novo normal' - Folha de S.Paulo - UOL


Governo italiano se tornou a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa     

[o que prova o entendimento de que a DEMOCRACIA não é - , quando exagerada,  o que ocorre com frequência - o melhor sistema de governo. Churchill errou feio.]

No início, a China ocultou as informações sobre a epidemia e reprimiu os médicos que tentavam dar o alerta. Depois, isolou por meios militares 40 milhões de habitantes de Hubei. Agora, a Itália imita a China – e os dois governos, o ditatorial e o democrático, ganham aplausos da Organização Mundial de Saúde (OMS). A lei marcial será, logo, o “novo normal”?

Semanas atrás, Matteo Salvini, o líder da Liga, convocou o vírus para sua campanha anti-imigração. O fraco governo italiano de Giuseppe Conte respondeu ao clamor da extrema-direita ignorando o avanço da doença, que se espalhava silenciosamente. Consequência do catastrófico equívoco original: a Itália tornou-se a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa, ameaçando encarcerar cidadãos que se moverem para outras cidades.

A trajetória repetiu-se no Irã. O regime camuflou a ampla difusão das infecções até girar 180 graus, advertindo que usará “a força” para conter deslocamentos no Ano Novo persa.

Trump inverteu o percurso, girando no sentido anti-horário. No começo, capturando a covid-19 para legitimar suas políticas xenófobas, fechou as fronteiras a qualquer viajante proveniente da China. Na sequência, diante da turbulência financeira que complica sua reeleição, escreveu no muro da Casa Branca que o vírus é “uma gripe comum”. Bolsonaro repetiu a mensagem embusteira do mestre, sem se dar conta de que ela seria revertida outra vez, dando lugar à perversa proibição de viagens entre Europa e EUA para barrar o “vírus estrangeiro”.


Nosso Ministério da Saúde (MS), uma das ilhas de competência no oceano da estupidez federal, não cede aos cantos concatenados da negligência e da paranoia. Como o ministério alemão, orienta-se pela máxima de que o pânico é ainda mais letal que o vírus. A estratégia de medidas graduais —da educação sanitária à redução de interações sociais em áreas críticas, e daí ao eventual auto-isolamento em clusters de infecção— implica uma aposta esclarecida na responsabilidade dos cidadãos.

A persuasão é a escolha democrática, que funciona; a polícia, a opção autoritária, que fracassa. Na China, não houve a alardeada contenção geográfica, pois milhões deixaram Hubei na hora do surto pioneiro, para as férias de Ano Novo. [ocasião em que não havia avaliação precisa da intensidade do novo coronavírus.
Para provar que o uso de medidas enérgicas é  necessário, a China logo adotou medidas de força - migração não pode retroagir por força de lei, o importante é que a movimentação cesse - e conseguiu hoje ter menos casos de coronavírus do que o Brasil.
Proporcionalmente,em termos de população, a Itália tem mais mortos que a China.]
Mesmo assim, as taxas de letalidade nas demais províncias, onde o governo recomendou auto-isolamento, foram muito menores que as de Wuhan, submetida aos comandos totalitários. [uma 'recomendação' do governo chinês tem mais força do que um decreto do governo da Itália.]A lei marcial mata, disseminando o pavor que empurra multidões gripadas aos hospitais, implode os sistemas de saúde e vitima médicos e pacientes.

Israel determinou quarentena compulsória a todos que, sem sintomas, entrarem no país. Pateticamente, o governo de Netanyahu insinua que a população do exterior é suspeita de contágio – mas a do interior não. A Alemanha, pelo contrário, promete não fechar fronteiras. Nosso MS também orienta-se pela contenção focalizada, evitando reações indiscriminadas. A Itália e os EUA – felizmente, nesse caso – não são aqui.

O diretor-geral da OMS evitou criticar o regime chinês pelo criminoso ocultamento mas elogiou a “coragem” do isolamento militar de Hubei. Sua bússola é a política, não a epidemiologia: a OMS almeja tornar-se, finalmente, parceira da China. A coerência no erro o conduz a festejar a lei marcial italiana, sugerindo que o mundo siga o exemplo de um governo sem rumo. A depressão econômica provocada pelo pânico produzirá incontáveis vítimas entre os pobres, frutos do colapso de renda e de moléstias não tratadas. Essas vidas perdidas não chegarão às tábuas estatísticas.

A pandemia do Covid não é fake news. A notícia falsa é que os polos do debate situam-se entre a complacência e a lei marcial: de fato, a segunda nasce no solo arado pela primeira. Conte disse que a Itália atravessa sua “hora mais sombria”. É verdade – e por culpa dele.

Demétrio Magnoli, jornalista - Folha de S. Paulo - UOL