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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Olhar para a frente, sem raiva - Fernando Gabeira

O que dirá se avançamos ou não em 2021 é a coexistência de duas variáveis: o aumento no número de pessoas vacinadas e decréscimo nas contaminações  

Andei levando pancadas na rede. São os mesmos de sempre como dizia o personagem de “Esperando Godot”. Durante muitos anos, quase que solitariamente apontei os erros que poderiam nos conduzir ao desastre. A ausência de autocrítica os leva a buscar, compulsivamente, culpados, como se eu fosse responsável por Bolsonaro e não os seus erros cometidos aos longo dos anos. Aliás, já os enfrentei em eleições como aliados de Sérgio Cabral.

Jamais votaria num Bolsonaro, conheço-o bem. Ao longo dos anos, mantive-me fiel a Marina Silva, no passado, vítima de impiedosa campanha do PT. Apenas afirmei, assim que eleito, esperar que as instituições brasileiras triunfassem sobre Bolsonaro. A pandemia não estava nos cálculos, e sim o golpe de estado.

[o que a vacina oferece no momento (as que estão autorizadas pelo FDA, NHS e outras instituições de controle, que atuam com seriedade e responsabilidade) é exatamente o que o Brasil está alcançando com a 'imunidade de rebanho'.
Os contaminados, recuperados, não contaminam e nem são contaminados, criando um círculo virtuoso com redução dos contamináveis e, inevitavelmente, a redução de casos. O uso de máscaras ajuda a reduzir a contaminação.]

Quando senti a ameaça próxima de golpe, a denunciei e dispus-me a lutar contra, como se fosse a última luta de minha vida. As pancadas me ensinam o avesso da lição. Elas me aconselham abertura para quem confiava resiliência democrática, para quem combateu Bolsonaro de forma ineficaz, para quem se absteve, votou em branco e até os que o elegeram e recuam horrorizados, diante do resultado de sua escolha. É um caminho mais produtivo do que distribuir culpas.

Num grupo que discutiu o livro “O discurso da estupidez”, de Mauro Mendes Dias, recebi esta mensagem:
— Reflexão muito bem-vinda. Quanto mais pessoas puderem reconhecer a necessidade de mudar de posição, já estamos avançando. Um dos efeitos do discurso da estupidez é, exatamente, o de não poder mudar, seja pela devoção a crenças deformantes da realidade, seja devido ao gosto que ele suscita pela destruição do patrimônio de valores que nos tornam humanos.”

Nos tempos de internet, sempre haverá esses ataques maciços. É uma cultura: basta tirar uma frase do contexto. O importante é olhar para frente, sem raiva. Diante de nós surge a esperança da vacina. O Brasil tem um bom sistema de imunização, dois centros de excelência para fabricá-la: Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz.

Mas há um grande obstáculo: o próprio Bolsonaro. Sua tática de sabotar a vacina é espalhar mitos como o perigo de a pessoa virar jacaré. [o que prejudica mais o aspecto positivo da vacinação contra a Covid-19:
- o Joãozinho Diria agindo como adido comercial da China, tentando vender a vacina chinesa - insinuando o surgimento de empecilhos para a Coronovac ser aprovada pela Anvisa - quando tudo o que tem atrasado (até agora impedido) são os atrasos do Butantan e da Sinovac, adiando (sem explicações convincentes) a entrega da documentação, incluindo os indispensáveis resultados do teste da FASE 3?
- o presidente Bolsonaro com seu discurso já conhecido, sempre mantido, mas sem implicar em nenhum AÇÃO CONCRETA ou OMISSÃO que atrapalhe a chegada da vacina?
Com certeza o apresenta não apresenta do imunizante chinês, levam a que mais pessoas resistam à vacinação ou, no mínimo, não aceitem receber o imunizante chinês (se e quando for aprovado.] 
 
Além de cobrar a eficácia do processo, será necessária uma batalha pelas mentes e corações. O que dirá se avançamos ou não em 2021 é a coexistência de duas variáveis: o aumento no número de pessoas vacinadas e decréscimo nas contaminações. Um outro front onde será preciso unidade: a eleição na Câmara, de um modo geral, distante, intangível.

Naturalmente é uma escolha interna dos deputados, mas desta vez significa muito. Se Bolsonaro conseguir capturar a Câmara e eleger seu candidato, não precisará responder pelas acusações acumuladas, muito menos pelas que pode suscitar no futuro. Daí a importância de se apoiar a Frente Democrática formada para eleger um candidato independente do governo.[o que isenta o presidente Bolsonaro de responder por acusações acumuladas, sendo  é serem as tais acusações, apenas e tão somente, acusações - sem provas, de caráter meramente político, tentando impedir que o presidente conclua o mandato que lhe foi conferido por quase 60.000.000 de votos e impedir que seja reeleito em 2022.a vitória de Bolsonaro em 2022. 

Outro fator que atrapalha aos inimigos do Brasil e que anseiam por afastar outro inimigo que não suportam - o presidente Bolsonaro - é que o presidente da Câmara, seja quem for, pode apenas receber os pedidos de impeachment e engavetá-los ou pautá-los para deliberação do plenário da Câmara, em sessão que precisa da presença de 342 deputados, para ser aberta. 

E, quando aberta,  o pedido de impeachment precisa ser aprovado por no mínimo 342 deputados. Após pautar e abrir a sessão ( abrir com menos de 342 eputados = jogo jogado) o presidente da Câmara passa  a ser, naquele assunto, um observador privilegiado =  postura de Rainha da Inglaterra.]

Ela é um instrumento de maturidade política na qual desaparecem, ainda que momentaneamente, todos os ressentimentos. Abre caminho para experiências mais amplas de unidade, que podem ser decisivas para acabar com o pesadelo. Constituída por diversas correntes de um só partido, esta unidade foi criada nos Estados Unidos e teve êxito na tarefa de evitar a reeleição de Trump.

O interessante é que ao passar por uma experiência quase tão devastadora como estamos passando no Brasil, foi possível mobilizar a partir de um tema que parece abstrato e etéreo: a reconquista da alma do país. Para Biden, a alma representa os valores e instituições americanos. Os países têm alma e ela pode ser reconquistada? É algo que daria uma longa discussão. Muitas pessoas que viram o show do Caetano Veloso, por exemplo, sentiram-se de volta ao seu país perdido. [sentiram-se de volta ao país perdido? apenas um sentimento, uma ilusão, já que o país dos que sentiram tal sensação continua, e continuará perdido - aos derrotados de ontem, resta apenas a ilusão que poderão voltar a combater = ilusão dupla, já que não podem  e caso pudessem seriam também os derrotados de agora.] Outras manifestações artísticas podem ter o mesmo efeito num Brasil tão diverso. É apenas uma pista.

A outra, se me permitem a rápida menção ao período de festas, é que já fomos mais fraternos, apesar das divergências. No tempo da luta pelas diretas, por exemplo. O que se perdeu com a política pode ser reconquistado através dela. Pelo menos, são os meus votos.

O Globo - Fernando Gabeira, jornalista 

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Acabou, acabamos - Fernando Gabeira

Em Blog

Ao aceitarem que caiam no seu colo milhares de mortes, Forças Armadas mostram que topam tudo por seu capitão

Acabou, porra! Esta frase de Bolsonaro, dita na porta do Palácio da Alvorada, me lembrou uma outra frase de um personagem de “Esperando Godot, peça de Samuel Beckett: “Acabou, acabamos.”
Esta lembrança surgiu porque há alguns dias fizemos uma live, eu e o querido embaixador Marcos Azambuja, cujo título era: “Esperando Godot, a tempestade perfeita.” Nesse encontro, promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, defendi a tese de que a tempestade perfeita no Brasil era produzida pela associação da pandemia com a presença de Bolsonaro no poder. Há outras combinações no mundo: nos EUA, por exemplo, coronavírus e racismo.

[Perderam em 35;em 64; e PERDERÃO SEMPRE.QUE TENTEM.]


Bolsonaro disse esta frase porque não quer respeitar as decisões do STF, onde, no momento, tem duas preocupações: um inquérito sobre sua interferência na Polícia Federal e outro sobre a máquina de fake news montada por gente muito próxima a ele.  Filho de Bolsonaro, Eduardo entra no nosso ônibus e diz: eu poderia estar fritando hambúrguer nos Estados Unidos, mas vim avisar que haverá uma ruptura, não é questão de se, mas de quando acontecerá.

Juristas ultraconservadores acham o artigo 142 como saída. Se Bolsonaro não aceita as decisões do Supremo, as Forças Armadas têm de funcionar como Força Moderadora, obrigando o Supremo a aceitar tudo o que faz Bolsonaro. As Forças Armadas já mostraram até onde podem ir. Em primeiro lugar, ocuparam o governo. Isso era previsível, pois o espírito salvacionista que vem desde a Proclamação da República não morreu: só os militares conseguem dirigir este país caótico, pensam.
O mais grave é que as Forças Armadas, através de um general da ativa, ocuparam o Ministério da Saúde, encamparam a errática política de Bolsonaro e querem nos entupir de cloroquina. Ao aceitarem que caiam no seu colo milhares de mortes, mostram que topam tudo por seu capitão.

Como assim, nossas Forças Armadas? Outras forças também poderosas foram seduzidas por um simples cabo. A hora não é tanto de reflexões sociológicas, mas de organizar a resistência.Simplesmente não há tempo a perder. O tempo que perdemos esperando o coronavírus chegar representou muitas mortes. É hora de avisar a todos os brasileiros no exterior para que reúnam e discutam a necessidade de falar com partidos, organizações, imprensa, organizar núcleos de apoio na sociedade europeia e americana, entre outras.

As Forças Armadas não só encamparam a política da morte de Bolsonaro. Elas tiraram de centro da cena o Ibama e outros organismos que fazem cumprir nossa legislação ambiental, conquistada ao longo de anos de democracia. O governo brasileiro vai se tornar uma grande ameaça ambiental e biológica simultaneamente. Lutar contra ele em todos os cantos do planeta é uma luta pela vida, pela própria sobrevivência. Esse será nosso argumento.

Internamente, será preciso uma frente pela democracia. Já temos uma frente informal pela vida, expressa no trabalho de milhares de médicos e profissionais de saúde, nos grupos de solidariedade que se formaram ao longo do Brasil. O que a frente pela democracia tem a aprender com eles? Em primeiro lugar, ninguém perde tempo culpando o outro pela chegada do coronavírus. Em segundo lugar, a gravidade da morte onipresente não dá espaço para confronto de egos.

Uma frente pela democracia não é uma luta pelo poder, mas sim pelas regras do jogo. Quem estiver interessado no poder que espere as eleições. Foi assim no movimento pelas Diretas. Hoje uma frente pela democracia transcende as possibilidades do movimento pelas Diretas. As redes sociais colocam na arena milhares de novos atores, alguns deles capazes de falar com mais gente do que todos os partidos juntos. O espaço para criatividade se ampliou. O papel de cada indivíduo é muito mais importante do que foi no passado.

Não tenho condições num artigo de falar de todas essas possibilidades. Mesmo porque eles não se limitam à cabeça de uma pessoa. A única coisa que posso dizer produtivamente agora é isto: não percam tempo. É urgente falar com amigos, estabelecer contatos, discutir como atuar adiante, como resistir ao golpe de Estado. Posso estar enganado, mas jamais me perdoaria, com a experiência que tenho, se deixasse de alertar a tempo e também não me preparasse para esta que talvez seja a última grande luta da minha vida.

Fernando Gabeira, jornalista - Blog do Gabeira


Artigo publicado no jornal O Globo em 01/06/2020




sábado, 10 de junho de 2017

Em que circo vive o Brasil

Senhores espectadores da plateia, mirem o picadeiro. O espetáculo já começou e passou dias de apresentação no Tribunal Superior Eleitoral. Juízes bateram cabeça no melhor estilo comédia pastelão. Argumento “falacioso” de um lado. “Índios não contactados da Amazônia”, do outro. Piruetas verbais superaram, em muito, as expectativas. Sob os holofotes de toda a mídia, a seleção da toga não mediu esforço para brilhar, ao vivo e “online”, em transmissões na maior parte do tempo simultâneas para a Nação assistir a qualquer momento e não perder um lance. Faz muito tempo que os senhores magistrados, de qualquer quadrante, decidiram pontuar suas modorrentas falas e julgamentos com um verniz político que vai muito além da letra da lei. Serve à audiência. Ajuda no clima de “fla-flu” que ganha torcida aguerrida a cada golpe e contragolpe. Não é de hoje, realmente, que a politização do Judiciário – digamos assim – se converteu numa regra e transformou as sessões de debate em shows à parte. A tal ponto que mesmo gracejos são permitidos. 

Em determinado momento da audiência que avaliou o destino da chapa Dilma-Temer, para estupor geral, os “inferninhos” entraram no meio. Cabaré daqui, casas noturnas denunciadas de lá, eis que o presidente da Corte, Gilmar Mendes, indagou ao relator: “E Vossa Excelência não teve de fazer investigações (nesses locais)?”. Ao que o relator Herman Benjamin retrucou: “Não fiz inspeção, não usei de meus poderes de prova para tanto. Mas se vossa excelência quiser propor…”. A animação foi logo contida. Fato: já se viu tantas cenas inimagináveis nessa opereta da Lava Jato que não seria por demais bizarro imaginar homens da lei frequentando o baixo meretrício atrás dos “criminosos” de colarinho com o intuito de angariar novos elementos para as suas abalizadas conclusões. 

Mesmo que entre os suspeitos da vez estivessem as mais proeminentes autoridades da República. O que importa é a pirotecnia. Manter atenta a plateia. Na verdade, se diga, o carnaval de absurdos que de longa data vem exaurindo as forças e paciência dos brasileiros parece não encontrar limites. Na PGR, procuradores afoitos tratam de acelerar diligências para engalanar suas biografias. Rodrigo Janot, que deixa o comando da instituição em setembro próximo, dá sinais de atropelo de etapas elementares ao apresentar denúncia contra, ninguém menos, que o presidente da República. O troféu de um governo derrubado por suas investigações realmente não seria para qualquer um. 

Quantos dos seus pares poderão no futuro ostentar tamanho trunfo? Ao não periciar fitas e se convencer antecipadamente da culpa do acusado, Janot extrapola. No seu entender, Temer fez uma “confissão espontânea”. Não há nas gravações, amplamente difundidas, anuência clara do mandatário aos crimes do interlocutor que soturnamente armou a cilada de uma conversa fétida. Mas isso pouco importa. É mero detalhe. Se for uma medida necessária à causa decretar a prisão de outro íntimo assessor do chefe da Nação, como Rodrigo Rocha Loures, mesmo que não exista nenhum dos três elementos basilares à disposição flagrante delito, condenação definitiva ou provas de obstrução de justiça –, que se cumpra. Os fins justificariam os meios. Por essa cartilha, Janot teve a capacidade de contrariar inclusive seus pares. Ao negociar um acordo que dava salvo-conduto e benefícios inéditos ao delator – hoje livre, leve e solto a passear pelas ruas de Nova York, enquanto o País implode devido às suas confissões -, o procurador-geral ridicularizou o instrumento da delação e colocou em xeque os demais entendimentos firmados até então. Eles podem ser revistos à luz da jurisprudência criada. E para pior. Haveria manobra circense mais ultrajante?

Malgrado o mérito em questão no TSE, relativo a circunstâncias anotadas durante a campanha de 2014 (com notória influência dos acontecimentos recentes), Janot comandará um evento à parte. Demonstra estar tão certo da responsabilidade do seu alvo que corre contra o tempo para liquidar o interrogatório e alcançar à fase da denúncia, rogando angariar o amparo da classe política para consagrar como réu o presidente Temer, um “malvado favorito”. Por isso que, desde as sessões do TSE em diante, o Brasil segue esperando Janot, tal qual a obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (“Esperando Godot”), na qual homens passam os dias aguardando respostas para o curso de suas vidas, inebriados por discussões nonsense, porque Godot não aparece. É ou não é espetáculo de um grande circo?

Fonte: Editorial - IstoÉ -  Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três