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Ao aceitarem que caiam no seu colo milhares de mortes, Forças Armadas mostram que topam tudo por seu capitão
Esta lembrança surgiu porque há alguns dias fizemos uma live, eu e o querido embaixador Marcos Azambuja, cujo título era: “Esperando Godot, a tempestade perfeita.” Nesse encontro, promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, defendi a tese de que a tempestade perfeita no Brasil era produzida pela associação da pandemia com a presença de Bolsonaro no poder. Há outras combinações no mundo: nos EUA, por exemplo, coronavírus e racismo.
[Perderam em 35;em 64; e PERDERÃO SEMPRE.QUE TENTEM.]
Juristas ultraconservadores acham o artigo 142 como saída. Se Bolsonaro não aceita as decisões do Supremo, as Forças Armadas têm de funcionar como Força Moderadora, obrigando o Supremo a aceitar tudo o que faz Bolsonaro. As Forças Armadas já mostraram até onde podem ir. Em primeiro lugar, ocuparam o governo. Isso era previsível, pois o espírito salvacionista que vem desde a Proclamação da República não morreu: só os militares conseguem dirigir este país caótico, pensam.
O mais grave é que as Forças Armadas, através de um general da ativa, ocuparam o Ministério da Saúde, encamparam a errática política de Bolsonaro e querem nos entupir de cloroquina. Ao aceitarem que caiam no seu colo milhares de mortes, mostram que topam tudo por seu capitão.
As Forças Armadas não só encamparam a política da morte de Bolsonaro. Elas tiraram de centro da cena o Ibama e outros organismos que fazem cumprir nossa legislação ambiental, conquistada ao longo de anos de democracia. O governo brasileiro vai se tornar uma grande ameaça ambiental e biológica simultaneamente. Lutar contra ele em todos os cantos do planeta é uma luta pela vida, pela própria sobrevivência. Esse será nosso argumento.
Internamente, será preciso uma frente pela democracia. Já temos uma frente informal pela vida, expressa no trabalho de milhares de médicos e profissionais de saúde, nos grupos de solidariedade que se formaram ao longo do Brasil. O que a frente pela democracia tem a aprender com eles? Em primeiro lugar, ninguém perde tempo culpando o outro pela chegada do coronavírus. Em segundo lugar, a gravidade da morte onipresente não dá espaço para confronto de egos.
Não tenho condições num artigo de falar de todas essas possibilidades. Mesmo porque eles não se limitam à cabeça de uma pessoa. A única coisa que posso dizer produtivamente agora é isto: não percam tempo. É urgente falar com amigos, estabelecer contatos, discutir como atuar adiante, como resistir ao golpe de Estado. Posso estar enganado, mas jamais me perdoaria, com a experiência que tenho, se deixasse de alertar a tempo e também não me preparasse para esta que talvez seja a última grande luta da minha vida.
Fernando Gabeira, jornalista - Blog do Gabeira
Artigo publicado no jornal O Globo em 01/06/2020
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