Em que circo vive o Brasil
Senhores espectadores da plateia, mirem o picadeiro. O espetáculo já
começou e passou dias de apresentação no Tribunal Superior Eleitoral.
Juízes bateram cabeça no melhor estilo comédia pastelão. Argumento
“falacioso” de um lado. “Índios não contactados da Amazônia”, do outro.
Piruetas verbais superaram, em muito, as expectativas. Sob os holofotes
de toda a mídia, a seleção da toga não mediu esforço para brilhar, ao
vivo e “online”, em transmissões na maior parte do tempo simultâneas
para a Nação assistir a qualquer momento e não perder um lance. Faz
muito tempo que os senhores magistrados, de qualquer quadrante,
decidiram pontuar suas modorrentas falas e julgamentos com um verniz
político que vai muito além da letra da lei. Serve à audiência. Ajuda no
clima de “fla-flu” que ganha torcida aguerrida a cada golpe e
contragolpe. Não é de hoje, realmente, que a politização do Judiciário –
digamos assim – se converteu numa regra e transformou as sessões de
debate em shows à parte. A tal ponto que mesmo gracejos são permitidos.
Em determinado momento da audiência que avaliou o destino da chapa
Dilma-Temer, para estupor geral, os “inferninhos” entraram no meio.
Cabaré daqui, casas noturnas denunciadas de lá, eis que o presidente da
Corte, Gilmar Mendes, indagou ao relator: “E Vossa Excelência não teve
de fazer investigações (nesses locais)?”. Ao que o relator Herman
Benjamin retrucou: “Não fiz inspeção, não usei de meus poderes de prova
para tanto. Mas se vossa excelência quiser propor…”. A animação foi logo
contida. Fato: já se viu tantas cenas inimagináveis nessa opereta da
Lava Jato que não seria por demais bizarro imaginar homens da lei
frequentando o baixo meretrício atrás dos “criminosos” de colarinho com o
intuito de angariar novos elementos para as suas abalizadas conclusões.
Mesmo que entre os suspeitos da vez estivessem as mais proeminentes
autoridades da República. O que importa é a pirotecnia. Manter atenta a
plateia. Na verdade, se diga, o carnaval de absurdos que de longa data
vem exaurindo as forças e paciência dos brasileiros parece não encontrar
limites. Na PGR, procuradores afoitos tratam de acelerar diligências
para engalanar suas biografias. Rodrigo Janot, que deixa o comando da
instituição em setembro próximo, dá sinais de atropelo de etapas
elementares ao apresentar denúncia contra, ninguém menos, que o
presidente da República. O troféu de um governo derrubado por suas
investigações realmente não seria para qualquer um.
Quantos dos seus
pares poderão no futuro ostentar tamanho trunfo? Ao não periciar fitas e
se convencer antecipadamente da culpa do acusado, Janot extrapola. No
seu entender, Temer fez uma “confissão espontânea”. Não há nas
gravações, amplamente difundidas, anuência clara do mandatário aos
crimes do interlocutor que soturnamente armou a cilada de uma conversa
fétida. Mas isso pouco importa. É mero detalhe. Se for uma medida
necessária à causa decretar a prisão de outro íntimo assessor do chefe
da Nação, como Rodrigo Rocha Loures, mesmo que não exista nenhum dos
três elementos basilares à disposição – flagrante delito, condenação
definitiva ou provas de obstrução de justiça –, que se cumpra. Os fins
justificariam os meios. Por essa cartilha, Janot teve a capacidade de
contrariar inclusive seus pares. Ao negociar um acordo que dava
salvo-conduto e benefícios inéditos ao delator – hoje livre, leve e
solto a passear pelas ruas de Nova York, enquanto o País implode devido
às suas confissões -, o procurador-geral ridicularizou o instrumento da
delação e colocou em xeque os demais entendimentos firmados até então.
Eles podem ser revistos à luz da jurisprudência criada. E para pior.
Haveria manobra circense mais ultrajante?
Malgrado o mérito em questão
no TSE, relativo a circunstâncias anotadas durante a campanha de 2014
(com notória influência dos acontecimentos recentes), Janot comandará um
evento à parte. Demonstra estar tão certo da responsabilidade do seu
alvo que corre contra o tempo para liquidar o interrogatório e alcançar à
fase da denúncia, rogando angariar o amparo da classe política para
consagrar como réu o presidente Temer, um “malvado favorito”. Por isso
que, desde as sessões do TSE em diante, o Brasil segue esperando Janot,
tal qual a obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (“Esperando
Godot”), na qual homens passam os dias aguardando respostas para o curso
de suas vidas, inebriados por discussões nonsense, porque Godot não
aparece. É ou não é espetáculo de um grande circo?
Fonte: Editorial - IstoÉ - Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três
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