Facilidade
para obter armas e falta de cooperação entre órgãos que deviam agir em conjunto
podem facilitar ataques durante a Rio 2016
Na manhã
de segunda-feira (18), o esquadrão antibombas da
polícia do Rio de Janeiro foi chamado para recolher uma granada na entrada da
favela da Rocinha, a poucos metros de uma estação de metrô que leva para
o Parque Olímpico, principal centro das competições da Rio 2016.
FÚRIA - O general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do GSI. Uma sugestão de revisão na
segurança dos Jogos irritou a Polícia Federal (Foto: Charles Sholl/Futura
Press/Estadão Conteúdo)
Duas
semanas antes, uma criança de 3 anos perdera o braço
depois de mexer com uma granada que encontrou numa das ruas do Complexo do
Chapadão, o maior reduto de criminosos no Rio no momento. Explosivos
largados nas ruas mostram a facilidade com que artefatos de guerra circulam
pela cidade. Desde 2007, a polícia fluminense apreendeu 603 metralhadoras, 2.366 fuzis e
25.059 pistolas, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. As
apreensões dão uma ideia do tamanho do arsenal à disposição de bandidos e,
eventualmente, de terroristas atraídos pela Olimpíada.
Era uma célula absolutamente amadora, sem nenhum
preparo”
Alexandre de
Moraes, ministro da Justiça
São
notórias as dificuldades do Rio de Janeiro com a segurança pública,
assim como as do Brasil para conter a entrada
de armamento pelas fronteiras. Em um quadro desse tipo, o trabalho tem de
ser redobrado e devem-se seguir à risca os manuais internacionais de combate ao
terrorismo. Esses guias ensinam que todas as instâncias encarregadas da
prevenção e do combate precisam cooperar entre si. Chefe de contraterrorismo da
polícia de Londres nos Jogos Olímpicos de 2012, Richard Walton considera a
extinção de rivalidades entre agências e departamentos civis e militares
fundamental para evitar falhas de monitoramento. Vigiar as comunicações por
redes sociais não é suficiente para identificar suspeitos e neutralizar
ameaças. “É preciso uma estratégia
diferente. A ameaça não será identificada na interceptação de comunicações ou
com monitoramento de extremistas já conhecidos. Isso requer engajamento com o
público”, disse a ÉPOCA.
Sem cooperação entre as autoridades, fica mais difícil combater o terror.
A entrevista coletiva em que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, explicou a Operação Hashtag causou desconforto no Palácio do Planalto pelo amadorismo. Moraes começou a entrevista quando dois dos 12 alvos a ser presos ainda estavam foragidos. Pode ser algo irrelevante em casos de corrupção, pois o suspeito não representa perigo. Em casos de suspeita de terrorismo, é uma temeridade. A avaliação no Planalto é que Moraes passou mensagens conflitantes. Ao falar da operação que envolveu 130 policiais federais, ele inicialmente deu um ar de gigantismo ao trabalho. Em seguida, no entanto, passou a minimizar a importância do grupo suspeito de terrorismo.
Disse que os presos não tinham um alvo específico na Olimpíada ou planos para ataques a bomba e que tampouco haviam feito contato direto com membros do Estado Islâmico – apenas um juramento on-line. “Era uma célula absolutamente amadora, sem nenhum preparo”, disse, mostrando desconhecer os métodos do EI, para quem um juramento on-line é mais que suficiente para transformar alguém em um aguerrido terrorista. Ex-secretário de Segurança em São Paulo, Moraes é um dos poucos ministros que se recusam a fazer media training, o treinamento para aprender a dar entrevistas sugerido pelo governo. “Ele está fazendo aqui o que fazia em São Paulo”, diz um ministro. “Mas aqui é Brasília.” Outro ministro avalia que Moraes falava menos como ministro e mais como candidato – algo que aventou quando ainda era secretário.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi na mesma linha. “O vídeo deles é de um amadorismo...”, disse. “O grupo não tem nenhuma tradição.” O que Jungmann entende por “tradição” nesse caso é um mistério. O terrorismo não exige tradição, muito menos profissionais. Em Orlando, nos Estados Unidos, um atirador matou 50 pessoas numa boate. Precisou de uma pistola e um rifle – vendidos em lojas no estado da Flórida – e um tíquete de entrada no local. Em Nice, o tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel matou 84 pessoas dirigindo um caminhão. O Estado Islâmico é formado, em sua maioria, por “amadores” desse tipo.
A área antiterrorismo do governo é o ambiente no qual a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, e a Polícia Federal, do Ministério da Justiça, disputam espaço. É uma rivalidade histórica. Como um serviço de inteligência, a Abin faz investigações para manter o governo informado, mas não pode produzir provas de crimes. A Polícia Federal pode investigar, produzir provas e, com autorização judicial, prender. As picuinhas entre civis da PF e militares, que comandam a Abin, são cada vez mais frequentes e incentivam a produção de fofocas, algo que nunca falta em Brasília, em vez de inteligência, algo cada vez mais necessário. Recentemente, a Polícia Federal ridicularizou a campanha da Abin sobre como identificar um terrorista.
Com imagens de pessoas vestindo casaco e capuz escondendo o rosto, a Agência divulgou textos para identificar suspeitos como pessoas que “utilizam roupas, mochilas e bolsas destoantes com a situação e o clima”. A entrevista recente em que o ministro Sérgio Etchegoyen, chefe do GSI, disse que o Brasil precisaria revisar o protocolo de segurança para a Olimpíada, após o atentado de Nice, causou indignação na PF. Os policiais dizem que os militares não têm formação para lidar com terrorismo e fazem o país passar vergonha no cenário internacional. Um frequentador das reuniões rotineiras de segurança da Olimpíada afirma que PF e Abin travam uma “guerra de nervos” constante. A segurança da Olimpíada é a primeira vítima dessa guerra.
O que resume o novo tipo de terror é exatamente sua capacidade de não ser identificado. Em vez de ações espetaculares, ataques de menor ambição em série, contra alvos civis como cafés e supermercados, mais eficazes para infligir medo. “Este momento desafia doutrinas e táticas nas quais os serviços de inteligência confiaram nos últimos anos”, afirma Patrick Skinner, ex-agente de contraterrorismo da CIA e membro do Soufan Group, consultoria de segurança americana. Lidar com atos difusos, praticados por indivíduos isolados, é um desafio ainda sem resposta. “Para descobrir o que esses terroristas vão fazer é preciso ler suas mentes”, afirma James Woolsey, ex-diretor da CIA. “Só assim seria possível evitar o que aconteceu em Nice.”
A nova onda do terror faz parte da terceira geração do jihadismo. O Estado Islâmico bebe diretamente do salafismo – para seus seguidores, o único capaz de purificar a fé islâmica. Muitos salafistas se radicalizaram nas décadas de 1960 e 1970, seguindo Sayyid Qutb, pensador egípcio que criou as bases ideológicas para a violência contra quem não se enquadrasse no que considerava a prática correta do islã. Osama bin Laden, líder da al-Qaeda, trouxe o wahabismo, vertente ultrarradical que acredita que a guerra contra os infiéis é essencial para a sobrevivência do islamismo. “Como defensores radicais do wahabismo, os membros do EI comprometem-se a purificar o mundo matando todos os que se desviarem da perfeição inicial do Alcorão, incluindo os muçulmanos”, afirma Bernard Haykel, professor de estudos do Oriente Médio na Universidade Princeton, nos Estados Unidos.
Pela internet, o EI exorta seus seguidores a atacar alvos em seus países de origem, usando métodos que não exigem grandes meios. O EI também elevou os atos de terrorismo a uma forma de “adoração” e liberou seus seguidores para cometer atentados por conta própria. Qualquer um pode jurar lealdade e atacar. Esse tipo de amadorismo é a ameaça.
Fonte:
Revista ÉPOCA