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sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Os doze desafios hercúleos de Lula depois da vitória sobre Bolsonaro

Derrotar Jair Bolsonaro foi apenas a primeira tarefa de uma complexa e extensa lista de obstáculos que o presidente eleito terá pela frente

A sabedoria política ensina que muitas vezes é mais fácil ganhar uma eleição do que governar. 
No primeiro volume de suas memórias, o ex-­presidente americano Barack Obama conta que, após a vitória nas urnas, ele e sua equipe se questionaram se, diante da magnitude da catástrofe econômica, não deveriam ter preparado o país para as dificuldades que estavam no horizonte. 
Obama também lembra que, no dia em que foi empossado, ouviu num sermão que ele, como novo mandatário, seria lançado às “chamas da guerra” e da “ruína econômica”. O recado era claro: o desafio dele estava só começando. 
O Brasil não está em guerra, mas saiu da eleição de 2022 dividido, em clima de hostilidade e com focos de conflagração. 
O Brasil também não vive uma fase nova de ruína econômica, mas tem 33 milhões de pessoas com fome, 40 milhões de trabalhadores na informalidade e uma série de outros problemas, como um rombo gigantesco nas contas públicas. Eleito no último domingo, Lula terá, portanto, de enfrentar pelo menos doze desafios hercúleos em diferentes frentes, domésticas e externas (veja abaixo).  
Entre eles, o mais urgente é pacificar o país. Não será fácil.

Os sinais de dificuldade apareceram logo após a divulgação do resultado do segundo turno, no qual Lula recebeu 60 345 999 votos, novo recorde nacional, e Jair Bolsonaro, 58 206 354 votos, a menor diferença entre dois candidatos a presidente desde a redemocratização. Apoiadores de Bolsonaro, que se tornou o primeiro mandatário a fracassar na tentativa de reeleição, não aceitaram a derrota, bloquearam rodovias e, em alguns casos, passaram a defender uma intervenção militar a fim de impedir a posse de Lula, o único brasileiro a conquistar três vezes a Presidência em eleições diretas.[também o único brasileiro a se tornar presidente sendo ladrão, ex-presidiário, mentiroso doentio e outras coisas mais - todas negativas.]    Esses focos de insurreição ganharam corpo diante do silêncio do presidente em fim de mandato. Contrariando uma tradição democrática, Bolsonaro demorou 45 horas para se manifestar sobre o desfecho da votação e, quando o fez, entoou um discurso pouco assertivo. Sobre os bloqueios de rodovias, mostrou-se inicialmente compreensivo e solidário. “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, declarou, encenando o eterno papel de vítima — sem provas — de fraude. Em seguida, ele emendou uma recriminação tímida, afirmando que “manifestações pacíficas são bem-vindas”, mas que os atos não podem cercear o direito de ir e vir.

Em público, Bolsonaro não reconheceu a derrota nem citou nominalmente o presidente eleito. [nenhuma lei obriga o presidente Bolsonaro reconhecer derrota, falar sobre o adversário, passar a faixa presidencial - Bolsonaro continua presidente com mandato até 31 dezembro 2022 e o outro,  candidato eleito para o futuro mandato.] Mesmo assim, ele determinou, como manda a lei, o início formal da transição de governo.

A partir de agora, a faixa presidencial passará de forma gradativa do capitão, que tentará se manter como o principal líder da direita no Brasil (veja a matéria na pág. 42), para Lula, que escreveu um novo capítulo de redenção em sua biografia, depois de ter ficado preso 580 dias e ter sido proibido de disputar a eleição de 2018 em razão de condenação imposta no âmbito da Operação Lava-­Jato (veja a matéria na pág. 32). 

No discurso da vitória, como era esperado, o petista fez um apelo pela união nacional. “A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”, declarou. Na campanha, Lula montou uma coligação de dez partidos e se apresentou como representante de uma frente ampla em defesa da democracia, em contraposição a Bolsonaro, que personificaria um projeto de extrema direita e autoritário.[enquanto o eleito faz discurso fake de união nacional, os petistas  querem vingança, com sangue nos olhos e faca nos dentes.]

Um dos desafios do presidente eleito é reproduzir o modelo eleitoral e formar um governo plural, capaz de dialogar com setores que têm resistência ao PT. Não faltam nomes para ajudar nessa empreitada, como a senadora Simone Tebet (MDB), a ex-ministra Marina Silva (Rede Sustentabilidade) e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Quatro vezes governador de São Paulo e candidato derrotado por Lula no segundo turno da corrida presidencial de 2006, Alckmin foi escalado para coordenar a transição de governo em razão de sua notória experiência administrativa. Também pesou na decisão a intenção do presidente eleito de dar credibilidade ao discurso de que o governo não será apenas do PT.

 Correndo contra o tempo, Lula também delegou ao petista Wellington Dias, senador eleito pelo Piauí, a negociação com o Congresso do Orçamento da União de 2023. O tema é espinhoso. Na quarta-feira passada, Dias confirmou que o salário mínimo terá reajuste acima da inflação. Outras promessas de campanha também devem ser cumpridas, como a manutenção do valor de 600 reais do Auxílio Brasil e a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais por mês.[está chegando o Natal, época de Papai Noel e sempre haverá crédulos que o eleito vai cumprir essas promessas - o valor que o petista eleito prometeu para o Auxilio Brasil seria os R$ 600,00 de agora, mais R$ 150,00 para cada criança até seis anos.]

O problema é que essas medidas têm custo para os cofres públicos, e até agora não se sabe como serão financiadas. Relator da proposta de Orçamento, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), aliado de longa data de Lula, estima que faltem 100 bilhões de reais para fechar a conta de todas as despesas previstas. 
Este não é o único problema a ser resolvido por Lula, já que o petista também disse que acabaria com o chamado orçamento secreto, que prevê 19 bilhões de reais para deputados e senadores enviarem às suas bases eleitorais em 2023. 
Os parlamentares não aceitam abrir mão desses valores. Ciente disso, o presidente eleito trabalha com a possibilidade de negociar uma redução da quantia, além de uma regra determinando que parte do dinheiro seja destinada a áreas específicas, como saúde e educação. A forma como esse nó das emendas de relator será desatado pode definir as bases da relação entre Lula e o Congresso. “Está dado que as emendas de relator serão mantidas. Qualquer novidade terá de ser fruto de uma ampla negociação do Congresso com a nova equipe econômica”, disse Marcelo Castro antes de se reunir pela primeira vez com Wellington Dias.
 
Durante a campanha, Lula comparou o orçamento secreto a um esquema de corrupção, sem apresentar um caso específico de quem desviou dinheiro para o próprio bolso. Fez uma acusação baseada na falta de transparência e de fiscalização dos recursos, mas genérica.  
Em seus dois mandatos sim, conforme processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), houve compra de apoio parlamentar por meio do mensalão e do petrolão, os dois maiores escândalos de corrupção descobertos e punidos na história do país. 
O recurso ao suborno foi adotado porque o PT e seus aliados não tinham sozinhos votos para formar maioria no plenário. 
Em 2023, eles enfrentarão o mesmo problema. Na Câmara, por exemplo, as legendas da coligação eleitoral de Lula só elegeram 122 dos 513 deputados. Para ampliar a futura base governista, interlocutores do presidente eleito intensificaram conversas com representantes de siglas de centro, como o MDB de Simone Tebet, o PSD e o União Brasil. Petistas também dão como certo que parcela dos parlamentares do Centrão, grupo que apoiou Bolsonaro, aderirá ao governo porque não gosta de ser oposição nem sabe desempenhar esse papel.

Tudo dependerá dos termos do acerto. “Se o Lula se desvencilhar dos ortodoxos do PT, será bem-sucedido. Se segui-los, será derrotado”, diz um ex-parlamentar influente nas gestões petistas, que pediu para não ser identificado. “Se o Lula botar a cabeça no lugar, dividir o Centrão e atrair o chamado centrinho, o quadro será diferente”, acrescentou. Desde a sua fundação, o PT sempre foi acusado de ter postura hegemônica e dificuldade para dividir o poder. A conjuntura do país, que está rachado e desmantelado, forçou Lula a buscar novas alianças. A dúvida é se os novos parceiros de centro e de direita abraçados durante a campanha eleitoral conseguirão impor algumas de suas ideias, sobretudo no campo da economia. Alguns deles são favoráveis a que o presidente eleito tente aprovar uma reforma administrativa, como forma de conseguir uma folga fiscal que permita a ampliação dos programas sociais e das medidas de combate à fome. O tema sempre enfrentou a rejeição de servidores públicos e da base petista, mas esses mesmos grupos foram contrariados em 2003, quando Lula, em seu primeiro ano de mandato, aprovou uma reforma da Previdência.

Na época, havia a necessidade de dissipar as dúvidas do mercado e demonstrar compromisso com a responsabilidade fiscal, o que também ocorre agora. Os novos aliados, sobretudo economistas liberais, também defendem a manutenção do teto de gastos (veja matéria na pág. 52). “A prioridade na área econômica será a volta ao respeito ao teto de gastos, porque isso é que vai viabilizar a volta da confiança e, em consequência, um crescimento sustentável”, diz Henrique Meirelles, presidente do Banco Central no governo Lula. 

Além de tentar reduzir a miséria e impulsionar o PIB, que cresceu em média pouco mais de 4% em seus dois mandatos, Lula terá de lidar com outra dezena de missões complicadas. Uma delas é devolver protagonismo no cenário externo ao Brasil, que se tornou um “pária internacional” na gestão de Bolsonaro, conforme expressão cunhada pelo ex-chan­celer bolsonarista Ernesto Araújo. Outra é melhorar a imagem do país no que diz respeito ao meio ambiente.

(...)

Quando deixou a Presidência, em 2010, Lula costumava se gabar de ser o presidente mais popular da história do país. Dez anos depois, ele conquista o direito de retornar ao cargo apesar de ser rejeitado por pelo menos 40% da população, segundo as pesquisas. Boa parte dos apoios que recebeu durante a campanha não foi motivada por concordância com suas propostas, até porque poucas foram apresentadas ao eleitorado, mas por aversão a Bolsonaro e sua retórica autoritária. Com a saída de cena do capitão, a manutenção desses apoios dependerá do desempenho do novo governo no enfrentamento de problemas tão diversos e complexos. A volta por cima — do petista e do país — ainda depende da superação de desafios hercúleos. Perto deles, ganhar de Bolsonaro foi apenas o começo.

OS DOZE TRABALHOS
A lista de desafios que Lula terá de enfrentar

1 REDUÇÃO DA POBREZA
Como em 2002, Lula considera prioridade combater a miséria e acabar com a fome, que atinge 33 milhões de brasileiros, segundo estimativa repetida por ele durante a campanha. Além da preservação do Auxílio Brasil nos moldes atuais, pretende-se estimular a geração de empregos, por meio da retomada de grandes obras de infraestrutura, e o empreendedorismo na base da pirâmide social, com a ajuda de bancos públicos

2 PACIFICAÇÃO DO PAÍS
O Brasil está rachado, como ficou claro no resultado do segundo turno, decidido pela menor diferença de votos desde a redemocratização. Quando governou o país, Lula adotou a estratégia do “nós contra eles” e falou em exterminar o DEM. Alvo de retórica parecida, o petista estendeu a mão na campanha a antigos adversários, como Geraldo Alckmin e Simone Tebet, com os quais conta para estabelecer um diálogo entre o futuro governo e setores que rejeitam o PT

3 GOVERNO PLURAL
Eleito por uma coligação formada por dez partidos, de esquerda e de centro, Lula disse durante a campanha que não fará um governo do PT, mas em linha com a frente democrática que representa. O histórico petista, no entanto, é um dos obstáculos para que esse modelo plural se torne realidade. Além das brigas internas, em seus governos o partido sempre ocupou os principais cargos, relegando aos aliados postos de pouca expressão

4 ORÇAMENTO SECRETO
Lula prometeu acabar com o mecanismo, chamado de grande esquema de corrupção em sua propaganda eleitoral. Ele nunca explicou como resolverá a questão, mas adiantou que tentará reduzir a quantidade de verbas orçamentárias reservadas para as emendas de relator, de cerca de 19 bilhões de reais em 2023, ou pelo menos obrigar que elas sejam destinadas a áreas prioritárias, como saúde e educação

5 CRESCIMENTO ECONÔMICO
Nos dois mandatos de Lula, o PIB cresceu pouco mais de 4% ao ano, a melhor média em décadas. Na ocasião, o cenário externo era favorável, o que não ocorre agora. A dúvida, ainda não esclarecida, é qual será a política econômica e o receituário para estimular a atividade econômica. Poucas pistas foram dadas. Entre elas, a retomada de grandes obras, o estímulo às micro e pequenas empresas e a promessa de uma reforma tributária

6 EQUILÍBRIO FISCAL
Lula terá de conciliar o compromisso de governar com zelo pelas contas públicas às promessas de manter o valor de 600 reais do Auxílio Brasil e de isentar do imposto de renda quem ganha até 5 000 reais por mês. Uma das ideias em estudo é aprovar uma regra que permita desrespeitar o teto de gastos no caso de algumas despesas específicas, como o programa de transferência de renda. Henrique Meirelles, um dos cotados para o ministério, é defensor do teto

7 DESCONFIANÇA DOS MERCADOS
Nas poucas vezes em que se manifestou sobre economia na campanha, Lula desagradou a investidores por defender a revogação do teto de gastos, a revisão da reforma trabalhista e rechaçar as privatizações. Numa tentativa de tranquilizar os mercados, garantiu que haverá responsabilidade fiscal, como em seu primeiro mandato. A resposta não é satisfatória, mas há boa vontade do outro lado do balcão. No dia seguinte à vitória, o dólar caiu, e a bolsa subiu

8 REFORMAS
No seu primeiro mandato, Lula aprovou uma reforma da Previdência. Mais tarde, ele também tentou votar uma reforma tributária, mas fracassou. Uma nova ofensiva para mudar o sistema de impostos é dada como certa, mas há um projeto mais ambicioso: alguns aliados defendem uma reforma administrativa, que sempre foi rechaçada pelo PT. Com ela, dizem, será aberto espaço fiscal para bancar programas assistenciais dentro do teto de gastos

9 PODERES
O país experimentou um ambiente permanente de faroeste institucional. Lula promete baixar a temperatura, apostar no diálogo e aprofundar laços com alguns representantes das cúpulas do Legislativo e do Judiciário, aos quais credita a retomada de seus direitos políticos e boa parte da resistência à pregação autoritária de Bolsonaro. A meta é consolidar pontes, inclusive com parlamentares e magistrados que lhe fizeram oposição no passado

10 IMAGEM INTERNACIONAL
Lula conta com o prestígio que amealhou em seu governo para devolver protagonismo no cenário externo ao Brasil, que se tornou um pária internacional na gestão de Jair Bolsonaro, conforme definição do ex-chanceler Ernesto Araújo. Presidentes de países das Américas e da Europa já felicitaram o presidente eleito, que tem como fragilidade nessa seara a postura — que vai da benevolência ao apoio explícito — diante de ditadores amigos

11 CORRUPÇÃO
Os governos do PT protagonizaram os dois maiores esquemas de corrupção da história do país, o mensalão e o petrolão. Apesar disso, Lula não apenas se recusou a fazer um mea-culpa sobre escândalos como esgrimiu a tese de que ambos só foram descobertos porque as administrações petistas eram transparentes. Controversa, essa retórica ajuda a entender por que o presidente eleito tem tanta dificuldade para discorrer sobre o assunto

12 GOVERNABILIDADE
Os partidos da coligação de Lula elegeram 122 deputados federais e também não fizeram maioria no Senado. Ele, portanto, terá de negociar no Congresso a fim de aprovar projetos. As conversas com partidos de centro, como o MDB e o PSD, já estão em andamento. O desafio será firmar uma parceria dispensando mecanismos de cooptação de apoio parlamentar, sejam eles pretéritos, como o mensalão, ou atuais, como o orçamento secreto

Publicado em VEJAedição nº 2814 de 9 de novembro de 2022

Colaborou Hugo Marques



sexta-feira, 6 de agosto de 2021

A CPI virou um monstro - Revista Oeste

Silvio Navarro

Quem conhece Renan Calheiros e os personagens que gravitam em torno dele sabe que o circo não vai parar por aí


Em maio, a reportagem de capa da edição 61 da Revista Oeste escancarou o circo montado no Senado com o objetivo de manter a pandemia de coronavírus na crista do embate eleitoral de 2022. Quase três meses depois, o elenco liderado por Renan Calheiros (MDB-AL) vai transformando uma ópera-bufa num monstruoso espetáculo de autoritarismo. Protagonistas e figurantes seguem um roteiro que tenta cercear a liberdade de imprensa, prender quem discorda e chantagear adversários.

Um requerimento apresentado por Renan começa a espancar o idioma já em seu início. “Cumpre esclarecer que os requeridos levantamento e transferência de dados”, lê-se no segundo parágrafo. “Requer-se que as ordens de levantamento e transferência deverão cumpridas”, delira uma frase incompreensível no quarto. E sobram erros toscos de digitação. Por exemplo: “A pessoa contra quem se busca a quebra e a transferência dfe sigilo”. É melhor parar por aqui. No documento de dez páginas, Renan pediu a quebra do sigilo bancário da rádio Jovem Pan, de uma produtora de documentários e de alguns sites conservadores. O relator da CPI acusou a emissora de disseminar fake news sobre a pandemia. Causou estranheza a abrangência da devassa nas contas. Renan queria que fosse examinada a movimentação financeira a partir de 2018, quando ninguém podia prever a aparição do vírus chinês.

Neste 3 de agosto, uma terça-feira, Renan recuou. Alegou que o documento fora produzido acidentalmente enquanto estava de férias, num mea-culpa incapaz de convencer seu mais feroz aliado. Curiosamente, também subescreveu o documento o petista pernambucano Humberto Costa. “Precisaria ter uma retratação”, disse Arthur Rollo, advogado da emissora. “Não basta Renan dizer que foi um errinho. Receamos que o requerimento seja reapresentado e volte a ameaçar direitos e garantias fundamentais presentes no artigo 5º da Constituição, desrespeitada pelo senador Calheiros.”

Dois senadores governistas garantem que o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), foi quem abortou o atentado à liberdade de imprensa. “Aziz argumentou que era arriscado demais mexer com a Jovem Pan e seus comentaristas de peso”, disse um deles a Oeste. Para Thaméa Danelon, procuradora da República e professora de Direito, o pedido de Renan “não tem base fática nem jurídica”. “Não há fundamentação especificada. O senador Renan diz que, como a CPI tem matiz político, o pedido não precisaria ser bem fundamentado como ocorre no Judiciário. Isso está equivocado”, afirmou. “Como exerce poder de juiz, a CPI tem de ter as responsabilidades de um juiz. Ou seja, é preciso informar por que foi pedida a diligência e o que se busca obter com a violação de sigilos tutelados pela Constituição.”

Pedidos idênticos contra outras empresas e jornalistas foram aprovados. São eles: LHT Higgs Ltda. (a produtora Brasil Paralelo), Farol Produções Artísticas (Senso Incomum), Allan dos Santos (Terça Livre), José Pinheiro Tolentino Filho (Jornal da Cidade On-line), Paulo Enéas (Crítica Nacional) e Tarsis de Sousa Gomes (Renova Mídia). Em resposta, os veículos disseram que não temem ser investigados e, apesar da afronta à liberdade de expressão, estão prontos para ser ouvidos pela CPI uma comissão que, nas palavras de Janaina Paschoal, jurista e deputada estadual pelo PSL paulista, “precisa se reinventar a cada dia porque não há o que ser investigado”.

Renan tem método
A intimidação a políticos e jornalistas considerados rivais é uma marca da trajetória de Renan, uma das figuras mais peçonhentas dos corredores de Brasília desde a redemocratização do país. Em 2007, quando enfrentou cinco processos de cassação de mandato e estampou cinco capas da revista Veja (de maio a setembro), o senador preparou dossiês contra inimigos para forçar a absolvição.

Os principais alvos eram os colegas de bancada Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) e Pedro Simon (RS), que ele conseguiu destituir da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na época, além do amazonense Jefferson Peres (PDT) e dos goianienses Marconi Perillo (PSDB) e Demóstenes Torres (DEM). Contra os dois últimos, incumbiu o assessor Francisco Escórcio, conhecido como Chiquinho, da busca de informações. Numa entrevista à TV Globo, Demóstenes que mais tarde seria cassado por envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira — disse que os arapongas de Renan instalaram câmeras em hangares de Brasília.

Renan viu no antibolsonarismo reinante na imprensa uma janela para tentar lavar o seu passado

Outra ação de Renan naquele ano foi encomendar a Agaciel Maia ex-diretor-geral do Senado que acabaria envolvido até o pescoço no escândalo dos atos secretos de José Sarney — um catatau com todas as despesas dos 80 senadores com verbas de gabinete: gasolina, restaurantes, aluguel de escritório, passagens aéreas etc. Desse levantamento, surgiu uma briga histórica entre Renan e Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre o custeio de combustível de jatos particulares pelos cofres públicos, que só explodiria no plenário dois anos depois. Ironicamente, hoje os dois estão na mesma trincheira contra o governo. Vale a pena relembrar o diálogo,  cuja sessão Sarney teve de interromper pelo risco de cenas de pugilato na TV Senado.

Renan, não aponte esse dedo sujo pra cima de mim! Estou cansado de suas ameaças.
— Esse dedo sujo infelizmente é o de Vossa Excelência. São os dedos dos jatinhos que o Senado pagou.
Pelo menos era com meu dinheiro. O jato é meu, não é dos seus empreiteiros.
— O dinheiro é seu?
É meu, é meu! Eu tenho pra falar, tá?
— Coronel! — respondeu Renan, fora dos microfones.
Eu, coronel? Cangaceiro, cangaceiro de terceira categoria!
— Seu m…, — rebateu Renan.

Renan nunca mudou. Salvou o mandato em 2007, reelegeu-se, fez do filho, então prefeito da pequena Murici, o governador do Estado, coleciona dezenas de inquéritos que misteriosamente não avançam no Supremo Tribunal Federal (STF) e viu no antibolsonarismo reinante na imprensa uma janela para tentar lavar o seu passado. Segundo assessores de senadores governistas, seu gabinete — assim como o de Aziz e o de Randolfe Rodrigues (Psol-AP) — funciona como uma central de distribuição de documentos pré-selecionados (alguns já estão até grifados) com cruzamentos telefônicos, dados de empresas e o passado dos depoentes. É possível que o material seja elaborado pelos 49 funcionários que Renan mantém no Senado (26 deles comissionados no escritório de apoio em Alagoas) e pelas assessorias, reembolsadas mensalmente ao custo de R$ 10.500.

A vítima mais recente da trinca Renan, Aziz e Randolfe foi Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde. A CPI pediu seu afastamento do cargo e promoveu uma enxurrada de manchetes contra ela. Médica, Mayra defende o uso de medicamentos no tratamento imediato da covid-19 que a CPI condena. “Ela é responsável pela morte de muitos amazonenses”, afirmou Aziz. “Pela morte de pessoas que eu conhecia.”

Não bastasse a tentativa de tirá-la do cargo, a defesa de Mayra ainda teve de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o bunker dos xerifes da covid no Senado passou a municiar jornalistas com dados do sigilo telefônico dela. Em algumas mensagens disparadas via WhatsApp, uma repórter da Folha de S.Paulo cobra explicações sobre 300 telefonemas para médicos e políticos que defendiam o tratamento precoce, como o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

A CPI ainda tem longas semanas pela frente, e quem conhece Renan e os personagens que gravitam em torno dele sabe que o circo não vai parar por aí. O recado, aliás, foi dado já na quarta-feira 4: “Eu sou o relator da CPI e posso produzir a prova”.

…………………

Leia também “A imprensa a favor da censura”

Revista Oeste - Silvio Navarro


domingo, 23 de junho de 2019

Bolsonaro ao Congresso: ‘Querem me deixar como a rainha da Inglaterra?’

Presidente tomou conhecimento de um projeto de lei para transferir a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) questionou, neste sábado, 22, a atuação do Congresso Nacional, com quem tem tido relação turbulenta. “Querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?”, comparou, em referência à monarca que reina, mas não governa.

Bolsonaro fez ao comentário ao dizer que tomou conhecimento de um projeto de lei para transferir a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras. Em sua avaliação, as agências “travam ministérios, pois você fica sem ação, tem que negociar com a agência, cria um poder paralelo”. Se isso aí se transformar em lei, todas as agências serão indicadas por parlamentares. Imagina qual o critério que vão adotar. Acho que eu não preciso complementar”, disse Bolsonaro. Ele falou após passar por exames médicos antes da viagem que fará ao Japão.

Bolsonaro acrescentou que no governo Dilma Rousseff (PT) havia o “conselhão, pelo qual todo projeto aprovado pela Câmara tinha que passar. “Quem seriam os integrantes desse conselhão? Petistas”.  Em entrevista a VEJA, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que Bolsonaro tem uma fala muito voltada a nichos e não olha para uma agenda de longo prazo. “A sociedade tem outra pauta. Está preocupada com o desemprego, a conta de luz, a violência nos bairros. A gente precisa ter responsabilidade com a recomposição dos serviços públicos e a geração do emprego. É essa a intenção da agenda que está sendo proposta pelo Congresso”, afirmou.
Rodrigo Maia negou, entretanto, qualquer intenção de que a Câmara e o Senado ocupem o espaço do governo e apontou problemas na articulação política do governo. “O presidente Bolsonaro fez grandes ministérios e delegou poderes a esses ministros, acreditando que eles conseguiriam organizar a administração. A gente sabe que isso não é tão fácil sem a participação direta do presidente.”

Em entrevista nesta sexta-feira, o presidente reconheceu que seu governo enfrenta problemas na articulação política após experimentar derrotas em série no Congresso. Ele atribuiu as dificuldades à “inexperiência” e admitiu que teve de adotar o modelo que era usado no Palácio do Planalto de Michel Temer. O mea-culpa veio ontem, mas as mudanças já haviam sido oficializadas na quarta-feira por medida provisória. Nela, o presidente tirou a articulação política da Casa Civil, chefiada por Onyx Lorenzoni (DEM).
“Quando montamos aqui, no primeiro momento, por inexperiência nossa, tivemos algumas mudanças nas funções de cada um que não deram certo”, disse o presidente. “Em grande parte, retornamos ao que era feito em governo anterior.”

Bolsonaro se referia ao arranjo vigente até 2018, onde a Secretaria de Governo cuidava simultaneamente da articulação política e da liberação de emendas aos parlamentares. O órgão será será comandado pelo general da ativa Luiz Eduardo Ramos, recém-nomeado por Bolsonaro para o cargo.  Ao anunciar sua chegada ao governo, na semana passada, o presidente enfatizou que o auxiliar tivera experiência como assessor parlamentar e que, por isso, ajudaria muito no trato com o Congresso. O anúncio da ampliação dos poderes da Secretaria de Governo veio depois.

A condução da articulação política por Onyx era alvo de críticas por parlamentares de diferentes matizes, inclusive os do PSL, partido do presidente. Na abertura dos trabalhos legislativos, ele se indispôs com Maia ao tentar costurar uma candidatura alternativa e bloquear sua reeleição e fracassou. Ao mesmo tempo, ganhou fôlego ao apoiar a eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) contra Renan Calheiros (MDB-AL).  Os problemas, porém, foram se avolumando. Na semana passada, houve uma derrota emblemática. O Senado derrubou decretos que flexibilizam o porte de armas, promessa de campanha de Bolsonaro.

Estadão Conteúdo

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Toalha jogada - A verdade está no fígado de Cid, não no cérebro

Um novo recorde

No alto comando da campanha de Fernando Haddad (PT) dá-se como certa a sua derrota no próximo dia 28. Ali não se espera boas notícias quando forem divulgados esta noite os resultados da nova pesquisa do instituto Datafolha.

O empenho agora é para que a derrota não seja tão acachapante como se anuncia. Que pelo menos Jair Bolsonaro (PSL) não ultrapasse a marca dos 62% dos votos válidos obtidos por Lula na eleição de 2002. Até isso está difícil.

Veja 

A verdade está no fígado de Cid, não no cérebro

Na última segunda-feira, Cid Gomes extraiu do fígado os ataques que dirigiu ao PT. Nesta quarta-feira, após ouvir o cérebro, o irmão de Ciro Gomes gravou um vídeo  para desautorizar o uso de sua explosão na campanha de Jair Bolsonaro. A nova manifestação soou como um traque lançado sobre a terra arrasada. O estrago está feito.

Continuam valendo todos os estilhaços de segunda-feira, a saber: Fernando Haddad vai “perdeu feio” a eleição. E será “bem feito”, porque o PT “fez muita besteira” e se recusa a protagonizar “um mea-culpa”. Não há muito a fazer, pois “o Lula está preso, babaca.”

De novidade, apenas uma declaração de voto desnecessária —“…Votarei no Haddad no dia 28”— e uma desautorização tão inútil quanto uma tentativa de desfritar um ovo —“…Não é correto o que fez o outro candidato usando imagens minhas.”

No final do mês, confirmando-se a vitória de Bolsonaro, os petistas incluirão o pavio curto de Cid e a recusa do irmão Ciro em subscrever uma tal “frente democrática” no rol dos passivos que levaram ao infortúnio de Haddad. Mea-culpa? Nem pensar. Ficará entendido que a verdade está no fígado de Cid, não no cérebro.

Blog do Josias de Souza
 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Dilma, sempre incomPTente, rivalizando com os burros - perdoe-nos os muares pela comparação

A mesma Dilma de sempre 

Nenhuma crise poderá ser superada sem que o governo reconheça graves equívocos cometidos nos últimos 12 anos

Mal iniciado o segundo mandato, o novo governo parece prestes a ser tragado pelo turbilhão que vem sendo gerado pela conjunção de três crises de grandes proporções. Não bastassem os desafios de um quadro econômico muito difícil e os alarmantes desdobramentos da crise que se abateu sobre a Petrobras, a presidente se vê agora obrigada a já lidar, em plena estação chuvosa, com rápido agravamento da precariedade da oferta de energia elétrica no país.

O que torna o turbilhão mais assustador é que nenhuma das três crises poderá ser superada sem que o governo reconheça graves equívocos cometidos nos últimos 12 anos. Se isso já parece muito difícil, mais difícil ainda se afigura quando se leva em conta o estreito envolvimento pessoal de Dilma Rousseff, ao longo de três mandatos presidenciais, nas decisões equivocadas que gestaram e alimentaram as três crises. O que a superação dessas crises requer, portanto, antes de mais nada, é que a presidente seja pessoalmente capaz de se permitir fazer um mea-culpa em relação a cada uma delas. 

Não se trata de exigir da presidente um acerto de contas com o país e a História. Longe disso. A razão pela qual o reconhecimento dos erros cometidos é indispensável é bem outra. Sem se permitir um mea-culpa, por tácito que seja, a presidente ficará presa a diagnósticos fantasiosos e, portanto, a concepções inadequadas das medidas necessárias para a superação dessas crises. Não lhe será fácil. Em cada caso, a mudança requerida de discurso deverá exigir da presidente doses improváveis de humildade e pragmatismo, para dar o dito pelo não dito a respeito de decisões desastrosas que, por muito tempo, defendeu com arrogância e triunfalismo.

Para perceber de forma mais concreta quão penosa terá de ser a mudança de discurso que se faz necessária, vale a pena ver de novo, por exemplo, o pronunciamento de oito minutos, em cadeia nacional de rádio e televisão, de 23 de janeiro de 2013, em que a presidente Dilma anunciou redução de tarifas de energia elétrica, comemorou a queda forçada de taxa de juros e denunciou os pessimistas de sempre




Vídeo: Pronunciamento sobre a redução da tarifa de energia elétrica

É a consciência da dificuldade de dar o dito pelo não dito que talvez explique o silêncio profundo a que se entregou a presidente desde o início do seu segundo mandato. Incapaz de articular um novo discurso, Dilma parece ter preferido atravessar o mês de janeiro enclausurada, imersa em reflexões sobre as proporções da metamorfose por que terá de passar, se quiser enfrentar com sucesso os desafios do seu segundo mandato.

No início desta semana, a quebra do longo silêncio de Dilma, na primeira reunião ministerial do novo governo, vinha sendo aguardada com grande expectativa. Os mais otimistas chegaram a acalentar a esperança de um novo discurso, com reconhecimento pelo menos tácito de equívocos cometidos no primeiro mandato. Mas o que se viu foi a mesma Dilma de sempre, agarrada às velhas mistificações. Sobre o quadro desastroso do setor elétrico, houve apenas a promessa lacônica de que "estamos tomando todas as ações cabíveis para garantir o suprimento de energia". Sobre o descalabro da Petrobras, o que se ouviu é que “a realidade atual só fez reforçar nossa determinação" de dotá-la da “mais eficiente estrutura de governança e controle que uma empresa estatal ou privada já teve no Brasil". 

Na menção às medidas de ajuste fiscal, a devastação das contas públicas do ano passado foi justificada acredite se quiser — como necessária para preservar o emprego e a renda, em face da deterioração do cenário externo e do agravamento das condições climáticas. “Nós reduzimos o resultado primário para combater os efeitos adversos desses choques sobre a economia e proteger a população.”
 
O mais espantoso é que, tendo dito tudo isso, a presidente tenha conclamado os ministros a combater campanhas de desinformação. “Nós não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre.” 

Seria irônico, se não fosse trágico.

Por: Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio