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quinta-feira, 11 de junho de 2020

O futuro ainda demora - Valor Econômico

 Maria Cristina Fernandes 


Nem o presidente Jair Bolsonaro tem condições de patrocinar um autogolpe nem a oposição tem forças para tirá-lo do governo

Nem o presidente Jair Bolsonaro tem condições de patrocinar um autogolpe nem a oposição tem forças para tirá-lo do governo. As lideranças que promovem manifestações apostam que o desempate vai se dar nas ruas. Podem ter razão, mas a ocupação das ruas que mais ameaça o governo hoje é aquela que se dá por aqueles que não têm e, cada vez mais, não terão, onde morar.

[Não existe oposição no Brasil.
O que chamam de oposição são alguns farrapos que sequer se entendem para marcar a data de uma reunião de tentativa de união e que caminha a passos largos para a mais completa autoextinção.]

Nas instituições capazes de conduzir a abreviação do mandato do presidente cresce a percepção de que as condições para isso só estarão dadas quando a curva dos despejados na rua se encontrar com aquela dos amontoados nas valas da pandemia. Só o encontro dessas duas tragédias pode ser capaz de acender a fagulha necessária à combustão do processo. Esta percepção disparou outra leva de mensagens de robôs bolsonaristas colocando a culpa do desemprego sobre governadores e prefeitos, manobra que ainda custa a se provar eficaz, visto que é sobre os presidentes que a cobrança pela penúria econômica costuma recair. [Por favor, não tentem mudar os fatos - por natureza eles são imutáveis:
quem comando o isolamento e distanciamento sociais foram os governadores  e prefeitos; o presidente Bolsonaro tentou impedir o fechamento e promover a reabertura, só que foi proibido pelo Supremo de intervir - ficou tudo por conta do Poder Executivo dos estados e municípios.]

O ataque virtual, a saia justa dos governadores frente à atuação das polícias militares na repressão aos manifestantes e, por fim, a ofensiva da Polícia Federal que vai do desbaratamento de fraudes com ventiladores à retirada da poeira de antigos aliados, como o governador Wilson Witzel, debaixo do tapete, são parte da estratégia do presidente de mitigar a frente ampla contra seu mandato.

O encontro marcado das duas curvas da tragédia social levou ainda o presidente da República a trazer de volta à pauta a criação de um programa de renda universal. Ao constatar que o auxílio emergencial ajuda, de fato, a blindagem do que lhe resta de popularidade entre os mais pobres, Bolsonaro quer um Bolsa Família pra chamar de seu, de valor superior ao do programa petista e inferior ao benefício criado na pandemia.

Pesam contra sua criação, além da inépcia gerencial do governo, capaz de amontoar filas de espera enquanto agracia com o benefício oito milhões de brasileiros de classe média, a crença quase religiosa de que só a obsessão fiscal salva. Na contramão do resto do mundo, que além de não poupar gastos para mitigar os efeitos da crise, já começa a encarar a necessidade de tornar suas estruturas tributárias mais justas, o Brasil resiste a um e a outro.

O governo parece iludido de que será capaz de instituir cobranças de contribuições previdenciárias de aposentados e pensionistas que ganham abaixo do teto do INSS ou mesmo reduzir salário do funcionalismo, como se uma e outra medida fossem viáveis politicamente.  O presidente da Câmara estimula o governo a avançar na proposta, desde que atinja todo o funcionalismo. Rodrigo Maia retribui as armadilhas colocadas pelo presidente no campo minado em que se transformou a República. Se for adiante em sua proposta, o presidente corre o risco de engrossar as manifestações com servidores e aposentados que se transformaram, mais do que nunca, nesta pandemia de desempregados, em arrimos de família.

Até aqui, Bolsonaro tem reagido às manifestações com a parcimônia de quem aguarda que ganhem corpo e se descontrolem, espontânea ou provocadamente. Se, no futuro, as manifestações podem vir a crescer e desestabilizar o governo hoje elas revelam a prevalência da prática política bolsonarista de dar primazia ao embate sobre o isolamento social. A parcimônia bolsonarista não se restringiu à sua postura em relação aos manifestantes. Aparenta recuo ao prestigiar ministros de tribunais superiores. Marcou presença virtual na posse de Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral e no voto do ministro Bruno Dantas sobre as contas de seu primeiro ano, no TCU.

O presidente ainda recuou no boicote do Ministério da Saúde à divulgação dos dados da covid-19 e encenou uma reunião ministerial comportada. Face a informações de pesquisas qualitativas, como aquelas colhidas por detalhado estudo de Esther Solano, de que o erro imperdoável, para o eleitor fiel, é a insensibilidade bolsonarista frente ao sofrimento da pandemia, o presidente tentou se mostrar preocupado com a doença. Foi ofuscado, no entanto, pelo desempenho do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que alinhou o Brasil setentrional ao regime climático do Hemisfério Norte.

A estratégia de contenção do presidente passou ainda por duas operações no front militar. A primeira foi o envio do ministro da Defesa à casa do ministro Alexandre de Moraes, em São Paulo, onde Fernando Azevedo e Silva teria demonstrado discordância da interpretação do artigo 142 da Constituição feito pelo jurista Ives Gandra Martins sob o aplauso do ministro Augusto Heleno. A segunda foi a revogação da portaria que liberava a operação de aviões pelo Exército, medida que não apenas não foi capaz de cooptar os generais da ativa, como despertou reação da Aeronáutica, jogando por terra a fantasia de um apoio militar a um autogolpe.

A operação-recuo se completou com o envio do ministro da secretaria-geral da Presidência, Jorge Oliveira, à casa de Rodrigo Maia e de Alexandre de Moraes. Candidato à primeira vaga do Supremo, o ministro tem hoje o cargo mais cobiçado da Esplanada. Ao nomear Walter Braga Netto para a Casa Civil, Bolsonaro também chancelou a mudança que tirou do seu gabinete e transferiu para o da Secretaria-Geral, a Subsecretaria de Assuntos Jurídicos. É lá que são preparados os atos e nomeações que o presidente assina. E cabe ao ministro que a chefia a atribuição de traduzir para o presidente as nuances daquilo que terá sua chancela. Para muitos daqueles que ocupam a cúpula das instituições, o exercício do poder não se completa sem a capacidade de influenciar nomeações que dependem da assinatura presidencial.

Ao recuo presidencial também correspondeu uma reação de compasso de espera dos Poderes, principalmente daquele que está com a bola no pé. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, aproveitou uma pequena cirurgia para drenagem de um abcesso e sumiu de cena por duas semanas. Ao voltar, pôs água na fervura.

Durante sua convalescença, no entanto, Toffoli compareceu a um jantar na casa de um advogado em Brasília. O encontro, que também reuniu Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e os ministros Luis Roberto Barroso (TSE) e Bruno Dantas (TCU), convergiu na avaliação de que este recuo do presidente é tático e que o impeachment ainda não está maduro. Concordaram não apenas que a porta de saída do TSE deve se manter aberta quanto na percepção de que o vice-presidente Hamilton Mourão articula-se intensamente para fechá-la. Como estão sob o mesmo diapasão, devem, como costuma dizer Barroso, empurrar a história no mesmo rumo. Mas tem um semestre inteiro para ser consumido em encontros do gênero. O futuro demora muito.

 Maria Cristina Fernandes, jornalista - Valor Econômico


quinta-feira, 19 de março de 2020

Se tivéssemos dinheiro - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 19 de março de 2020

Vamos imaginar que as contas públicas no Brasil estivessem no azul. O governo federal e os estaduais com superávit, caixa elevado e fundos instituídos para situações ações anticíclicas – ou seja, governos com dinheiro para gastar em caso de uma crise, uma recessão global ou uma emergência como o coronavírus. Seria muito mais fácil, não é mesmo? A questão seria apenas escolher onde gastar e quais programas implementar.

A situação real é o contrário disso. Como há uma dívida pública enorme e como todas as instâncias de governo operam no vermelho, passamos a ter dois problemas: primeiro, onde encontrar o dinheiro para gastar na crise; e, depois, onde gastar – mas gastar com parcimônia e extremo cuidado porque não vai ter para todos.

Dizem alguns: mas a opção liberal/ortodoxa não seria a de não gastar nada, em nome do ajuste fiscal?
Burrice. Essa opção nunca significou que o governo não deve gastar. E sim que deve gastar em saúde, educação e segurança, de um modo que leve a uma redistribuição de renda e redução de desigualdades. Ou ainda: cobrar mais impostos dos mais ricos e gastar com os mais pobres.
O desajuste fiscal brasileiro não decorre essencialmente do excesso de gasto público. Decorre de gasto ruim.

Se o governo não gastasse quase 80% da despesa com previdência e pessoal, já teria sobrado mais dinheiro para a saúde. Tem mais: a previdência brasileira é injusta e desigual. Tem a turma que se aposenta [atualizando: aposentava.]  aos 50 anos, com valores no teto (e no extra-teto no caso de funcionários públicos) e a imensa maioria que se aposenta aos 65 anos com vencimentos em torno do salário mínimo. E mesmo dentro do setor público há desigualdade: um funcionário do Judiciário, onde estão os maiores salários do país, se aposenta em condição muito melhor do que, por exemplo, bom exemplo, um enfermeiro de posto de saúde. [A repetição constante da mesma explicação nos torna chatos;
mas, temos que nos repetir, já que sempre a causa da recorrência se repete.

Os super salários podem até existir no Poder Judiciário, muito provavelmente há muitos casos, mas  estão entre os membros daquele Poder e acompanhados, pari passu, pelos membros do Ministério Público Federal.
Os funcionários do Judiciário, os 'barnabés', são regidos por legislação específica e comum aos servidores dos demais Poderes. MEMBRO é outra coisa, outra casta.]

É evidente que a correção desse rumo não se faz de uma hora para outra, muito menos no meio de uma calamidade mundial.  Mas também é um baita erro dizer que, como se vai gastar mesmo, então esqueçamos isso de ajuste fiscal ou teto de gastos. É esse tipo de cabeça que nos trouxe ao ponto em que estamos hoje.

Assim, de modo muito simples: o governo, em todos os níveis, tem que caçar centavos para gastar no combate à epidemia e no combate à recessão que se avizinha. Por isso, o decreto de calamidade pública faz todo o sentido e está previsto na legislação. Há momentos em que se pode suspender a meta fiscal – mas, notem, suspender por tempo determinado, não a abandonar. E o gasto tem que ser muito bem focado, porque o dinheiro é curto e vai gerar déficit, que terá de ser pago mais à frente.

O gasto principal, claro, é saúde: cuidar dos doentes e tentar controlar a epidemia. Cabe perfeitamente aqui – e é mesmo necessário dar remuneração extra aos profissionais do setor que, no geral, são mal remunerados.  E depois, gastar com as pessoas em situação mais difícil, aquelas, por exemplo, que não estão no Bolsa Família, mas também não estão no INSS, não tem seguro desemprego e não têm carteira assinada.

Finalmente, setores econômicos cuja queda pode gerar muito desemprego.  Não há nenhuma dúvida quanto a esse roteiro no mundo todo. Os governos estão fazendo coisa parecida. A diferença está na eficiência e no tempo dos programas governamentais. A Coreia do Sul, por exemplo, foi rápida e eficaz. Já o governo italiano bobeou, assim como o da França. Ainda no começo deste mês, o presidente Macron dizia algo assim: tomem cuidado, mas não deixem de sair, de comer nos seus lugares preferidos…. Agora, quarentena total. Quanto mais se atrasa, mais radical é preciso ser.

Trump também tentou levar na surdina. Assustou-se com os estudos médicos mostrando o tamanho da catástrofe. Diz agora que se trata da maior ameaça deste a Segunda Guerra. O governo brasileiro também se atrasou, por culpa do presidente Bolsonaro. Presidente que ainda ontem, estando de máscara na entrevista, disse que poderia pegar um metrô ou uma barcaça lotada para ficar ao lado do povo. Isso quando todas as autoridades sanitárias dizem o contrárioque é preciso esvaziar as ruas e ficar em casa. Ainda bem que governadores estaduais têm se mostrado mais conscientes do tamanho da crise.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista