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segunda-feira, 30 de maio de 2022

Desigualdade de gênero deixa o Itamaraty de saia justa

Com o objetivo de combater a falta de representatividade feminina no Itamaraty, um grupo de diplomatas, criado em 2013, produziu o documentário Exteriores: Mulheres Brasileiras na Diplomacia

Em 2023 vamos celebrar 105 anos desde o dia em que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) teve que abrir as portas para a primeira mulher ingressar no Itamaraty, a baiana Maria José de Castro Rebello Mendes, então com 27 anos. Depois de tantos anos, a desigualdade de gênero persiste no Itamaraty, pois a carreira de diplomata é predominantemente masculina.

A valente Maria José enfrentou muitos obstáculos desde que não aceitaram sua inscrição, alegando que mulher não podia participar do concurso. As manchetes dos jornais questionavam se mulheres poderiam ocupar cargos públicos. Seu ingresso na carreira diplomática só foi possível por intercessão do jurista Ruy Barbosa junto ao então ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, que, sob pressão, autorizou a inscrição dela com um despacho: "Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, onde tantos atributos de discrição e capacidade são exigidos [...]. Melhor seria, certamente, para seu prestígio, que continuassem à direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões". Maria José foi aprovada em 1º lugar. Diante desse fato inédito, tiveram que adaptar um espaço para banheiro feminino no prédio do MRE.

Em abril de 2022, o quadro de 1.540 diplomatas era formado por 356 mulheres (23%) e 1.184 homens (dados do MRE). O perfil da diplomacia brasileira, segundo especialistas, é o do homem branco, de classe média alta, com acesso à educação e ao apoio de familiares que já fizeram o concurso. Recentemente, o embaixador e ex-ministro Sergio Amaral causou indignação ao afirmar, em entrevista à TV Cultura, que o baixo número de mulheres no Itamaraty ocorre por causa de questões de "qualificação" para um "concurso exigente". Desde a aprovação no concurso do Instituto Rio Branco, as mulheres enfrentam discriminação. Mesmo tendo as mesmas qualificações, elas não têm as mesmas oportunidades oferecidas aos homens. Não há nenhuma diplomata em embaixadas de maior visibilidade para a política externa brasileira, e elas nunca chefiaram postos estratégicos como Paris, Washington, Buenos Aires, Londres, Tóquio ou Pequim. Não há vontade política para que as diplomatas ocupem posições que valorizem seu trabalho e sua capacidade de liderança. [NADA CONTRA AS MULHERES - AO CONTRÁRIO. O concurso é aberto para ambos os sexos - masculino e feminino - as questões são exatamente as mesmas. Instituir uma política de cotas (como pretendem fazer na política = um determinado percentual de mulheres tem que ser eleito ... complicado,  já que o eleitor é quem decide em quem votar... ) é um absurdo, tem é que acabar com as cotas existentes, deixando apenas para deficientes físicos = O MÉRITO TEM QUE PREVALECER. Quanto a mulheres para embaixadas 'estratégicas' é uma prerrogativa de quem indica.]

Outro assunto velado é a questão do assédio. Quando uma reportagem anunciou que não havia assédio no Itamaraty, algumas diplomatas fizeram uma enquete e registraram mais de 100 casos de comportamento sexista dentro da instituição. Servidoras e diplomatas, em um grupo fechado no Facebook, relataram casos de assédio moral e sexual. Em um dos relatos, uma diplomata contou que um ex-chefe que a assediava se vingou transferindo-a para um local que não atendia aos seus interesses profissionais. [o que deve prevalecer é o interesse do serviço e não o do funcionário.]

Com o objetivo de combater a falta de representatividade feminina no Itamaraty, um grupo de diplomatas, criado em 2013, produziu o documentário Exteriores: Mulheres Brasileiras na Diplomacia. Uma das líderes é Irene Vida Gala, 60, ex-embaixadora em Gana e atual subchefe do escritório de representação do Itamaraty (São Paulo). Irene tornou-se a porta-voz das diplomatas que se sentem discriminadas. Ela é exemplo de como uma mulher em cargo de chefia pode fazer a diferença. Quando foi cônsul-geral adjunta em Roma soube de casos de violência doméstica contra brasileiras casadas com italianos, e da perda da guarda dos filhos quando pediam divórcio. Sua atitude foi abrir as portas do consulado, comunicando publicamente que quem precisasse de ajuda encontraria um ombro, advogado e assistência social. E foram muitas as denúncias recebidas.

A predominância masculina é de natureza estrutural e não ocorre apenas na diplomacia. Os homens têm acesso a cargos de poder e a salários maiores do que mulheres com as mesmas qualificações. É preciso somar a luta das diplomatas por igualdade e respeito com a luta das mulheres em outras profissões.

Passou da hora de o Itamaraty se libertar dessa saia justa, dessa posição embaraçosa de ser uma instituição que defende a igualdade na diplomacia e nas relações exteriores, ao mesmo tempo em que discriminam mulheres na própria estrutura. A imagem que o Brasil deve transmitir é a de um país que valoriza a igualdade de gênero e a afirmação dos direitos humanos.

Juliana Brizola - Correio Braziliense


quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Rachadinha de Alcolumbre pode levar à renúncia – e aí quem assume? Seu irmão! - Alexandre Garcia

Tem muita gente sugerindo que o senador Davi Alcolumbre (DEM) renuncie, para não ser cassado e ficar inelegível por oito anos.  
Se ele renunciar, sabe quem assume? O suplente dele é seu irmão, Jose Samuel Alcolumbre Tobelem, como acontece tantas vezes: quando um sai assume o pai, o filho, o irmão, o primo, a mãe
A história de suplente no Senado talvez devesse ser ser mudada. Me parece natural que o suplente seja o vice, o segundo em votação.
A Larissa, a Adriana, a Lilian, a Jéssica, a Érica e a Ana estão confirmando que tinham um contracheque de R$ 14 mil, R$ 12 mil, R$ 10 mil. Elas moram na periferia de Brasília e a proposta é que receberiam R$ 800, R$ 900 ou R$ 1 mil em lugar de nada. 
Estava fazendo a conta: foi por 63 meses, então essa diferença dá uns R$ 60 mil por mês, o que dá uns bons da R$ 3,7 milhões, de janeiro de 2016 a março de 2021. Ele continua negando e a gente fica se perguntando o que vai fazer o Senado diante disso.

Sem demissão se não estiver vacinado
O Ministério do Trabalho baixou uma portaria com base na Constituição e na CLT proibindo as empresas de enquadrarem como justa causa o fato de a pessoa não estar vacinado ou não estar com o atestado de vacina. Também proibindo que a pessoa seja impedida de admissão tendo preenchido todas as demais exigências por causa da ausência de vacina. O Ministério do Trabalho pondera que não tem nada nem na Constituição, nem na CLT, que justifique isso. 

Aliás, na Constituição está escrito que ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei. Agora, na contramão, o Ministério Público Federal diz em uma portaria que o ingresso nos órgãos do MPF no país inteiro só poderá ser feito tanto para advogados, como as partes, funcionários, terceirizados, todo mundo, com apresentação do atestado de vacina. [muito provavelmente o Ministério Público Federal se considera um país - as modestas pretensões de ser um quarto poder, que acalenta desde 5 outubro 1988, não lhe são mais suficientes -  decidiu agora mudar suas pretensões para ser um país;  
aliás, o procedimento de extensão da sede para todo o território nacional, não é criação do MP, foi inaugurado pelo ministro Dias Toffoli quando estendeu a sede do STF para todo o território nacional - o fato do § 1º, inciso VII, artigo 92 da Constituição Federal estabelecer o contrário, é apenas um detalhe, facilmente contornado  por uma suprema e monocrática interpretação.]

Já fiquei fora de uma conversa que tinham me consultado se eu poderia ir lá para conversar com o procurador-geral e disse "sim" com a maior boa vontade, só que agora não vou poder entrar lá naquele palácio maravilhoso que nós ajudamos a construir com os nossos impostos.

Tedros não teve medo de Bolsonaro
Lá em Roma o presidente Bolsonaro se encontrou com o chefão da OMS, Tedros Adhanom, que não ficou com medo dele porque ele não tomou vacina e os dois conversaram sem máscara, inclusive apertaram as mãos, se abraçaram, foi uma conversa bem cordial. Bolsonaro contou que a CPI disse que ele é "genocida", falou da vacinação no Brasil, um dos países que mais vacina no mundo..

Inclusive o Bolsonaro colocou o Tedros em uma saia justa perguntando sobre a origem do vírus.
Por fim a visita do presidente à terra natal de seus ancestrais foi muito emotiva, conversou com a rapaziada na rua. Ele estava na prefeitura quando viu a multidão na frente chamando por ele, aí ele foi, se meteu no meio das pessoas, teve gente que gritou "mito" e se emocionou ao ser apresentado a seus parentes. Daqueles, da família dele, que vieram ao Brasil em busca de esperança e de mais oportunidades. 
Gente que veio nas piores condições, em um navio, provavelmente fizeram uma viagem atravessando a Itália ou fazendo a volta pelo pé da bota para embarcar em Gênova, de onde saíram para vir ao Brasil, onde vieram substituir, em primeiro lugar, a mão de obra pelo término da escravatura no Brasil. Uma odisseia que é bom ser lembrado, porque todos os descendentes de italianos nesse país tem essa bela história de muito trabalho, muito calo nas mãos e muito suor.
 
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

quinta-feira, 11 de junho de 2020

O futuro ainda demora - Valor Econômico

 Maria Cristina Fernandes 


Nem o presidente Jair Bolsonaro tem condições de patrocinar um autogolpe nem a oposição tem forças para tirá-lo do governo

Nem o presidente Jair Bolsonaro tem condições de patrocinar um autogolpe nem a oposição tem forças para tirá-lo do governo. As lideranças que promovem manifestações apostam que o desempate vai se dar nas ruas. Podem ter razão, mas a ocupação das ruas que mais ameaça o governo hoje é aquela que se dá por aqueles que não têm e, cada vez mais, não terão, onde morar.

[Não existe oposição no Brasil.
O que chamam de oposição são alguns farrapos que sequer se entendem para marcar a data de uma reunião de tentativa de união e que caminha a passos largos para a mais completa autoextinção.]

Nas instituições capazes de conduzir a abreviação do mandato do presidente cresce a percepção de que as condições para isso só estarão dadas quando a curva dos despejados na rua se encontrar com aquela dos amontoados nas valas da pandemia. Só o encontro dessas duas tragédias pode ser capaz de acender a fagulha necessária à combustão do processo. Esta percepção disparou outra leva de mensagens de robôs bolsonaristas colocando a culpa do desemprego sobre governadores e prefeitos, manobra que ainda custa a se provar eficaz, visto que é sobre os presidentes que a cobrança pela penúria econômica costuma recair. [Por favor, não tentem mudar os fatos - por natureza eles são imutáveis:
quem comando o isolamento e distanciamento sociais foram os governadores  e prefeitos; o presidente Bolsonaro tentou impedir o fechamento e promover a reabertura, só que foi proibido pelo Supremo de intervir - ficou tudo por conta do Poder Executivo dos estados e municípios.]

O ataque virtual, a saia justa dos governadores frente à atuação das polícias militares na repressão aos manifestantes e, por fim, a ofensiva da Polícia Federal que vai do desbaratamento de fraudes com ventiladores à retirada da poeira de antigos aliados, como o governador Wilson Witzel, debaixo do tapete, são parte da estratégia do presidente de mitigar a frente ampla contra seu mandato.

O encontro marcado das duas curvas da tragédia social levou ainda o presidente da República a trazer de volta à pauta a criação de um programa de renda universal. Ao constatar que o auxílio emergencial ajuda, de fato, a blindagem do que lhe resta de popularidade entre os mais pobres, Bolsonaro quer um Bolsa Família pra chamar de seu, de valor superior ao do programa petista e inferior ao benefício criado na pandemia.

Pesam contra sua criação, além da inépcia gerencial do governo, capaz de amontoar filas de espera enquanto agracia com o benefício oito milhões de brasileiros de classe média, a crença quase religiosa de que só a obsessão fiscal salva. Na contramão do resto do mundo, que além de não poupar gastos para mitigar os efeitos da crise, já começa a encarar a necessidade de tornar suas estruturas tributárias mais justas, o Brasil resiste a um e a outro.

O governo parece iludido de que será capaz de instituir cobranças de contribuições previdenciárias de aposentados e pensionistas que ganham abaixo do teto do INSS ou mesmo reduzir salário do funcionalismo, como se uma e outra medida fossem viáveis politicamente.  O presidente da Câmara estimula o governo a avançar na proposta, desde que atinja todo o funcionalismo. Rodrigo Maia retribui as armadilhas colocadas pelo presidente no campo minado em que se transformou a República. Se for adiante em sua proposta, o presidente corre o risco de engrossar as manifestações com servidores e aposentados que se transformaram, mais do que nunca, nesta pandemia de desempregados, em arrimos de família.

Até aqui, Bolsonaro tem reagido às manifestações com a parcimônia de quem aguarda que ganhem corpo e se descontrolem, espontânea ou provocadamente. Se, no futuro, as manifestações podem vir a crescer e desestabilizar o governo hoje elas revelam a prevalência da prática política bolsonarista de dar primazia ao embate sobre o isolamento social. A parcimônia bolsonarista não se restringiu à sua postura em relação aos manifestantes. Aparenta recuo ao prestigiar ministros de tribunais superiores. Marcou presença virtual na posse de Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral e no voto do ministro Bruno Dantas sobre as contas de seu primeiro ano, no TCU.

O presidente ainda recuou no boicote do Ministério da Saúde à divulgação dos dados da covid-19 e encenou uma reunião ministerial comportada. Face a informações de pesquisas qualitativas, como aquelas colhidas por detalhado estudo de Esther Solano, de que o erro imperdoável, para o eleitor fiel, é a insensibilidade bolsonarista frente ao sofrimento da pandemia, o presidente tentou se mostrar preocupado com a doença. Foi ofuscado, no entanto, pelo desempenho do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que alinhou o Brasil setentrional ao regime climático do Hemisfério Norte.

A estratégia de contenção do presidente passou ainda por duas operações no front militar. A primeira foi o envio do ministro da Defesa à casa do ministro Alexandre de Moraes, em São Paulo, onde Fernando Azevedo e Silva teria demonstrado discordância da interpretação do artigo 142 da Constituição feito pelo jurista Ives Gandra Martins sob o aplauso do ministro Augusto Heleno. A segunda foi a revogação da portaria que liberava a operação de aviões pelo Exército, medida que não apenas não foi capaz de cooptar os generais da ativa, como despertou reação da Aeronáutica, jogando por terra a fantasia de um apoio militar a um autogolpe.

A operação-recuo se completou com o envio do ministro da secretaria-geral da Presidência, Jorge Oliveira, à casa de Rodrigo Maia e de Alexandre de Moraes. Candidato à primeira vaga do Supremo, o ministro tem hoje o cargo mais cobiçado da Esplanada. Ao nomear Walter Braga Netto para a Casa Civil, Bolsonaro também chancelou a mudança que tirou do seu gabinete e transferiu para o da Secretaria-Geral, a Subsecretaria de Assuntos Jurídicos. É lá que são preparados os atos e nomeações que o presidente assina. E cabe ao ministro que a chefia a atribuição de traduzir para o presidente as nuances daquilo que terá sua chancela. Para muitos daqueles que ocupam a cúpula das instituições, o exercício do poder não se completa sem a capacidade de influenciar nomeações que dependem da assinatura presidencial.

Ao recuo presidencial também correspondeu uma reação de compasso de espera dos Poderes, principalmente daquele que está com a bola no pé. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, aproveitou uma pequena cirurgia para drenagem de um abcesso e sumiu de cena por duas semanas. Ao voltar, pôs água na fervura.

Durante sua convalescença, no entanto, Toffoli compareceu a um jantar na casa de um advogado em Brasília. O encontro, que também reuniu Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e os ministros Luis Roberto Barroso (TSE) e Bruno Dantas (TCU), convergiu na avaliação de que este recuo do presidente é tático e que o impeachment ainda não está maduro. Concordaram não apenas que a porta de saída do TSE deve se manter aberta quanto na percepção de que o vice-presidente Hamilton Mourão articula-se intensamente para fechá-la. Como estão sob o mesmo diapasão, devem, como costuma dizer Barroso, empurrar a história no mesmo rumo. Mas tem um semestre inteiro para ser consumido em encontros do gênero. O futuro demora muito.

 Maria Cristina Fernandes, jornalista - Valor Econômico


sexta-feira, 8 de maio de 2020

A volta ao “normal” - Nas Entrelinhas

“O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho ainda não é mensurável”

O presidente Jair Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes para pôr uma saia justa no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Acompanhado de ministros e um grupo de empresários com os quais havia se reunido, fez-lhe uma visita surpresa, na qual apelou para que as medidas restritivas motivadas pela crise do coronavírus sejam amenizadas nos estados e municípios. A iniciativa coincidiu com a sua decisão de autorizar o funcionamento da construção civil e das indústrias, que o governo federal passou a considerar atividades essenciais, ou seja, fora do regime de isolamento social.

Toffoli justificou as decisões da Corte em favor dos entes federados: estados e municípios têm prerrogativas constitucionais reconhecidas pelo Supremo para adotar o distanciamento social, conforme orientação das autoridades sanitárias, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS). Toffoli também sugeriu que essas ações sejam coordenadas entre União, estados e municípios. A assessoria de comunicação do Supremo confirmou que o encontro foi marcado de última hora e não estava na agenda. Bolsonaro decidira fazer a visita durante a reunião que teve com representantes da indústria, no Palácio do Planalto.

A travessia a pé da Praça dos Três Poderes lembrou, com sinal trocado, a ida do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL, hoje DEM-BA), então presidente do Senado, ao Palácio do Planalto, para tomar satisfações com o presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da intervenção no Banco Econômico, por ocasião do PROER, programa de reestruturação do sistema financeiro adotado em razão do Plano Real. Imaginem uma situação inversa: os ministros do Supremo atravessando a Praça dos Três Poderes de toga, para cobrar a entrega do vídeo da reunião ministerial na qual Bolsonaro teria tentado interferir na atuação da Polícia Federal (PF), conforme acusa o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Para alguns ministros do STF, Bolsonaro está tentando constranger o Supremo e dividir o ônus da pandemia de coronavírus com a Justiça federal, que vem dando decisões favoráveis a estados e municípios, em todos os níveis, contra medidas da União que atropelam a autonomia dos demais entes federados, como reter respiradores adquiridos pelos governos estaduais. Acompanhado dos ministros militares e do ministro da Economia, Paulo Guedes, a reunião de Bolsonaro com Toffoli foi transmitida ao vivo, numa live, por assessores da Presidência. Guedes foi dramático ao dizer que o Brasil corre o risco de viver uma crise de abastecimento semelhante à da Venezuela ou de desindustrialização, como a Argentina. Um dos empresários disse que a indústria está na UTI e que pode morrer de inanição. Houve evidente exagero, porque muitos setores da indústria, sobretudo construção civil, energia e alimentação, estão funcionando.

Bolsonaro insiste em criticar as medidas de isolamento social , devido à necessidade de retomada da economia, sem levar em conta que a epidemia no Brasil entrou numa escalada violenta e que o sistema de saúde pública, em vários estados, está em colapso, entre os quais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas . Ontem, o Ministério da Saúde divulgou um balanço no qual foram registradas 610 mortes nas últimas 24 horas. Estamos no limiar dos 10 mil novos casos por dia de coronavírus, num total de 135 mil casos. São Paulo continua sendo o epicentro da epidemia, com quase 40 mil casos e mais de 3,2 mil mortes. Até hoje Bolsonaro não visitou nenhum hospital, nem demonstra o luto pelos que morreram. Trata a epidemia como uma fatalidade, com a qual devemos nos conformar. [a epidemia é uma fatalidade, algo superior as forças humanas e que com as bençãos de DEUS será vencida mas de forma demorada e, infelizmente, ao custo de muitas vidas.
O presidente Bolsonaro tem um entendimento correto do problema e suas causas, apenas expressa sua opinião de uma forma inadequada.]

“Novo normal””
A narrativa de Bolsonaro em relação à economia mira a parcela da população com mais dificuldades econômicas e reflete o lobby dos empresários mais atingidos pela pandemia, como se a recessão fosse consequência apenas das decisões de governadores e prefeitos. Na verdade, a recessão é mundial. E a recuperação da economia é uma variável que depende muito de o sistema de saúde não entrar em colapso. Se isso ocorre, aí sim, a paralisação será total, com a adoção do “lockdown”, como aconteceu na Itália e na Espanha. No Brasil, onde já há colapso, a medida está sendo adotada em bairros, cidades e regiões por alguns estados.

No mundo, os países que adotaram medidas de isolamento mais rigorosas conseguiram evitar uma disparada dos casos de covid-19. Itália, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos enfrentarem situação muito pior porque demoraram a adotar as medidas. O Brasil até que estava conseguindo “achatar a curva” da epidemia, mas a saída de Luiz Henrique Mandetta da Saúde, mas o estímulo à volta às ruas por parte de Bolsonaro e seus apoiadores provocou o relaxamento do distanciamento social e a explosão do número de casos. Agora, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, constrangido e ainda meio perdido na pandemia, corre atrás do prejuízo.

A grande questão com relação ao coronavírus é que não existe possibilidade de volta à plena normalidade. Em termos sanitários, nada será como era antes enquanto não houver uma vacina ou medicamento eficaz contra o vírus, que pode continuar circulando nos próximos anos. O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho, em muitos aspectos, pode ser irreversível e está sendo chamado de “novo normal”. No caso do Brasil, por causa das grandes desigualdades sociais e da vastidão da economia informal, essa mudança terá características sociais dramáticas, porque muitas atividades serão bastante reduzidas ou simplesmente deixarão de existir.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo,jornalista - Correio Braziliense





quinta-feira, 30 de abril de 2020

Ministro da Saúde contorna perguntas e deixa de orientar a população - Míriam Leitão

O Globo

O ministro Nelson Teich abusa do direito de ser vago. Ele contorna perguntas, dá respostas oscilantes num momento dramático da vida do país. Teich assumiu o cargo há duas semanas. Ele sabia que seria exigido dele mais decisão durante a pandemia. Na sessão com senadores, na quarta-feira, o ministro passou o tempo todo contornando as perguntasOs parlamentares ficaram negativamente surpresos com a participação de Teich 

[Não somos peritos em combate a pandemias, mas gostamos de observar e tirar conclusões:
1ª - Japão não adotou distanciamento social, isolamento social e medidas do gênero e tem um índice de 2 mortes por milhão;
2º - Brasil é o segundo do mundo em novos casos e o 4º em mortes,  na frente só os EUA,  e a curva nunca se achata.
São Paulo iniciou as mortes e foi o primeiro estado a implantar isolamento, distanciamento, ameaçar com prisão e continua liderando o número de casos e de mortos.

Rio, idem, idem.

Convenhamos que a tentação de seguir o Japão é irresistível.
Brasília, até que aparenta a situação estar sob controle - o que nos deixa felizes, tanto como brasilienses quanto como seres humanos.
Mas, os dados do DF despertam algumas dúvidas.

O jornalista Bernardo Mello Franco, do GLOBO, faz um relato da sessão. Em certo momento, o ministro foi questionado se a recomendação é para ficar em casa. Simplesmente perguntar se fica em casa ou não é resposta simplista para um problema que é heterogêneo.” Ora, era simples responder. Quem puder fique em casa e quem tiver que sair deve adotar tais medidas de proteção. O país espera uma orientação do Ministério da Saúde.  

É claro que o problema é heterogêneo, no mundo, no país e nas cidades. O secretário-executivo da pasta, Eduardo Pazuello, repete que o Brasil é grande, tem tamanho continental. Isso aprendemos no ensino primário. Em um momento, perguntam sobre a posição do presidente, que é contra o isolamento social"Não vou discutir o comportamento. Mas posso dizer que ele está preocupado com as pessoas e com a sociedade”, disse o ministro.  

Teich pode até não entrar em conflito com o Jair Bolsonaro, ele pode encontrar outra resposta para a pergunta que é uma saia justa. Mas ele tem que orientar as pessoas. O desempenho é muito ruim. O momento é de crise, exige do ministro respostas mais positivas.  Além disso, há a questão da linguagem corporal. Teich há duas semanas chegou ao Palácio de máscara, e hoje não a usa maisEle está dizendo, pelo exemplo, que não é preciso usar a proteção, que cada vez mais estados estão exigindoTeich foi lá cumprir um mandato: não incomodar o presidente manter no ar a dubiedade que o governo sempre teve sobre as medidas de proteção nesta pandemia. 

Míriam Leitão, jornalista - O Globo





segunda-feira, 20 de abril de 2020

Militares reprovam participação de Bolsonaro em ato antidemocrático - O Estado de S. Paulo

Tânia Monteiro


Oficiais-generais ouvidos pelo 'Estado' dizem que Forças Armadas são instituições permanentes, que servem ao Estado brasileiro, e não ao governo

A presença do presidente Jair Bolsonaro na manifestação em frente ao Quartel General do Exército contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde deste domingo, provocou um "enorme desconforto" na cúpula militar. Ao Estado, oficiais-generais destacaram que não se cansam de repetir que as Forças Armadas são instituições permanentes, que servem ao Estado Brasileiro e não ao governo.

Na avaliação dos generais ouvidos pelo Estado, o protesto que chegou a pedir intervenção militar não poderia ter ocorrido em lugar pior. “Se a manifestação tivesse sido na Esplanada, na Praça dos Três Poderes ou em qualquer outro lugar seria mais do mesmo”, observou um deles. “Mas em frente ao QG, no dia do Exército, tem uma simbologia dupla muito forte. Não foi bom porque as Forças Armadas estão cuidando apenas das suas missões constitucionais, sem interferir em questões políticas.”

Eles observaram que a presença de Bolsonaro em frente ao QG teve outra gravidade simbólica. Pela Constituição, o presidente da República é também o comandante em chefe das Forças Armadas. Mesmo com cuidados para evitar críticas diretas, os generais ressaltaram que o gesto foi uma “provocação”, “desnecessária” e “fora de hora”.

À reportagem, os generais não esconderam o mal-estar. Afinal, Bolsonaro os deixou em “saia justa”. Chefes militares não podem se pronunciar. O Estado ouviu sete oficiais-generais, sendo cinco do Exército, um da Aeronáutica e um da Marinha. Eles lembraram que o País tem uma “verdadeira guerra” a ser vencida e que não é possível gastar energia com alvos diferentes. Houve quem observasse que o presidente enfrenta “resistências”, inclusive do Congresso, mas todos avaliam que a presença dele na manifestação provocou ainda mais a ira dos representantes do Executivo e do Judiciário. [em que pese a proibição de pronunciamentos dos chefes militares, a matéria deixa a impressão de que sete chefes militares resolveram contrariar uma proibição - estranho, muito estranho;

a matéria deixa a impressão de que os sete chefes militares foram contrários à presença do Presidente - mas, o último parágrafo reduz este número para quatro, reduzindo o placar contra a presença do presidente para 4x3, deixando o espaço para  qualquer interpretação equivocada de um dos militares, torne Bolsonaro vencedor por 4 a 3.

Oportuno lembrar, que ontem foi aniversário do Exército Brasileiro  e o presidente Bolsonaro, na condição de comandante supremo das Forças Armadas, foi ao Forte Apache saudar o aniversariante.
Quando chegou no QG a manifestação já estava ocorrendo e o presidente optou por saudar os manifestantes, mas nada disse contra o isolamento social, que fez questão de respeitar.]  

Por conta da presença do presidente na manifestação, houve necessidade de reforço da guarda do QG. Isso acabou passando uma imagem que também foi considerada ruim pelos generais. Os soldados deslocados para a guarda estavam de plantão e tiveram de sair às pressas para o local da manifestação e, de certa maneira, proteger Bolsonaro da multidão.  No momento, os militares da ativa do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sob a batuta do Ministério da Defesa, tentam focar seus trabalhos no combate à pandemia do novo coronavírus, sem emitir qualquer posicionamento político sobre as polêmicas.

A atitude do presidente, ainda segundo a análise de um dos militares, passa um sinal trocado para a sociedade. As avaliações tiveram uma dose de desabafo por parte dos generais. Eles ressaltaram passam o tempo todo tentando separar o governo do Exército, já que há sempre quem lembre da presença de militares em cargos de ministro no Palácio do Planalto.  Um general contemporizou lembrando que “não é a primeira vez” que acontece uma manifestação em frente a um quartel. Outro emendou que “as manifestações pacíficas e ordeiras são expressões legítimas da democracia”. Um terceiro lembrou que podem pegar as gravações que não vão ver o presidente atacando ninguém, mas falando de liberdade e de emprego. O clima, porém, era de desconforto.

Tânia Monteiro, jornalista - Folha de S. Paulo


quarta-feira, 5 de junho de 2019

A fratura da Previdência

 “O relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que já recebeu mais de 400 propostas de emendas, promete apresentar sua primeira versão do relatório à Comissão Especial até a próxima segunda-feira”


A nova polêmica na Câmara sobre a reforma da Previdência é a inclusão ou não de estados e municípios na reforma. Uma emenda do líder do Cidadania, Daniel Coelho (PE), propõe a separação, com o argumento de que os governadores e os prefeitos estão jogando para arquibancada nos respectivos estados e querem que o Congresso tire as castanhas da reforma do fogo. Embora cobre solidariedade dos governadores e prefeitos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ontem, em audiência na Câmara, defendeu a aprovação de uma reforma que valha para todos os entes federados.

Governadores do Nordeste fazem campanha contra a reforma em seus respectivos estados. A tese de Coelho é de que governadores e prefeitos devem fazê-la por meio das assembleias legislativas e câmaras municipais. O problema é combinar com os beques: a maioria dos governadores e prefeitos, principalmente os dos estados e municípios em crise financeira, deseja que o Congresso faça a reforma valer para todos. Guedes traça um quadro assombroso: o rombo na Previdência nos estados e municípios chega a R$ 96 bilhões por ano.

Segundo o ministro da Economia, os gastos dos estados com pessoal, incluindo aposentados, já atingiram, em alguns casos, 70% de todas as despesas. “Em muito pouco tempo, vai faltar dinheiro para saúde, educação e saneamento”, disse. “A máquina não está processando bem esses recursos, está destruindo esses recursos. Não vai conseguir pagar nem o funcionalismo nem aposentadorias”, advertiu. Para Guedes, é até uma questão de solidariedade incluir na reforma estados e municípios.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), organismo ligado ao Senado, estimou em R$ 351 bilhões as economias, caso a reforma atinja estados e municípios. Cerca de 14 estados estão ameaçados de descumprir as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal este ano. O problema é que as eleições municipais já estão contaminando a discussão. Por trás da polêmica centralização versus descentralização, já existe uma disputa pelo poder nas capitais e demais municípios.

Quem faz oposição, quer pôr uma saia justa em governadores e prefeitos; quem é situação, quer aprovar o pacote completo e evitar o desgaste das disputas nos legislativos estaduais e municipais. A questão do federalismo é mais retórica, pois o problema não se resolve no âmbito da Previdência, mas sobretudo da reforma tributária.  O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que já recebeu mais de 400 propostas de emendas, promete apresentar sua primeira versão do relatório à Comissão Especial na próxima segunda-feira. Seu parecer deverá incluir estados e municípios na reforma, segundo anunciou: “Nós temos que resolver isso ao mesmo tempo: governo federal, estados e municípios. E de maneira rápida”.

Valor da reforma
Estima-se que as economias com a reforma, se o projeto do Executivo fosse aprovado, somariam R$ 1,24 trilhão em 10 anos. Na avaliação do governo, as mudanças que estão sendo propostas por Moreira reduziriam esse montante a R$ 870,3 bilhões, em razão de aposentadorias rurais (R$ 92,4 bilhões), aposentadorias especiais e de professores (R$ 69,6 bilhões), benefícios assistenciais (R$ 34,8 bilhões) e abono salarial (R$ 169,4 bilhões).  Nos bastidores da Comissão Especial, os cálculos são diferentes. O montante a ser economizado com a reforma, acatadas as emendas dos parlamentares, levaria a uma economia entre R$ 700 e R$ 600 bilhões em 10 anos. Esse valor já está sendo precificado pelo mercado, em razão de alguns fatores que se manifestam com muita clareza no processo de discussão da reforma.

O primeiro é o fato de que a oposição soma 144 votos contrários, segundo avaliação do deputado petista Rui Falcão (SP), enquanto o governo conta com 240 votos, cálculos do líder do governo, Major Vitória Hugo (PSL-GO). Para chegar aos 308 terá que negociar muito. O segundo, a desarticulação da base do governo, que tem um viés corporativo muito forte e lideranças que disputam entre si sob influência de suas redes sociais, no fogaréu de vaidades. Terceiro, o lobby das corporações é muito forte e organizado, das carreiras de Estado, que operam nos bastidores da Casa e fazem intensa campanha nos veículos de comunicação de massa.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB