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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A caverna da Lava-Jato - Nas entrelinhas

Ex-supervisor da Receita preso seria o responsável pela investigação ilegal de cerca de 134 autoridades, entre as quais os presidentes do Supremo, do Senado e da Câmara

Às vezes, quem pensa que enxerga tudo descobre que está como os prisioneiros da caverna de Platão, a alegoria famosa sobre os sentidos e a razão. Discípulo de Sócrates, o filósofo grego separava o mundo sensível, onde residia a falsa percepção da realidade, do mundo inteligível, alcançado pela razão. A alegoria serve para aguçar nosso olhar sobre o vale-tudo no qual mergulhou a força-tarefa da Lava-Jato, que, agora, coloca em xeque o seu futuro, pela reação que enfrenta no Congresso, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na própria Procuradoria-Geral da República.

Na alegoria de Platão, havia um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a olharem unicamente para a parede do fundo da caverna. Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos, que transportavam ao redor da luz do fogo objetos e seres, cujas sombras eram projetadas na parede. Os prisioneiros viam apenas as sombras das imagens, confundindo-as com a realidade. Entretanto, uma das pessoas conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior.

A princípio, a luz do sol e as cores cegaram o ex-prisioneiro, que se assustou. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e as experiências que viveu, mas ninguém acreditava no que relatava, e o taxaram de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo. A história tem a ver com o destino de Sócrates, que foi morto pelos atenienses porque suas ideias eram consideradas subversivas.

A realidade somente é compreendida a partir do pensamento crítico e racional. Essa é a moral da história. Ontem, o Banco Central informou ao juiz Marcelo Bretas que o auditor-fiscal Daniel Gentil e sua mãe, Sueli Gentil, presos na Operação Armadeira, têm R$ 13,9 milhões depositados em 11 contas bancárias, dos quais R$ 10,9 milhões foram encontrados na conta materna. A família Gentil é apontada pelo Ministério Público Federal como a responsável pelo esquema de lavagem de dinheiro de suspeitos, entre os quais Marco Aurélio Canal, supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava-Jato, o grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal. Daniel Gentil era subordinado a esse setor.

Delação
A investigação não só confirma as denúncias de que informações da antiga Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf), tratada como intocável pela força-tarefa da Lava-Jato, estavam sendo utilizadas em investigações ilegais, como revela que o objetivo dos investigadores não era dar mais eficiência e celeridade ao combate à lavagem de dinheiro, mas achacar os investigados. Em troca, eles anulariam multas por sonegação fiscal decorrentes de fatos descobertos pela operação. Canal é suspeito de ter atuado na cobrança de propina de R$ 4 milhões junto à Fetranspor (federação das empresas de ônibus do Rio de Janeiro) e no recebimento de 50 mil euros de Ricardo Siqueira Rodrigues, acusado na Operação Rizoma, mas esse é apenas um ponto de partida. Com as investigações em curso, será possível saber qual a verdadeira extensão da atuação da quadrilha de auditores-fiscais, inclusive no âmbito da Lava-Jato.

Segundo o Ministério Público Federal, bens usados pela família de Canal estão em nome de empresas ligadas a outros auditores, especialmente Daniel Gentil. É o caso da cobertura em que sua família mora, na avenida Lúcio Costa, orla da Barra da Tijuca, que está em nome da empresa B. Magts, cuja única sócia é Sueli, que nunca teria recebido pagamento de aluguel. Também estão em nome da empresa o Honda Fit e o Mitsubishi Outlander usados pela filha e pela mulher de Canal, respectivamente. O Volkswagen Golf do ex-supervisor da Receita está em nome da empresa de outro amigo. Canal teria lavado dinheiro na construção de um shopping center em Itaguaí, município vizinho à capital fluminense, no qual uma empresa em nome de sua mulher tem participação.

Canal foi personagem central do duro ataque à força-tarefa da Lava-Jato feito pelo ministro Gilmar Mendes, na quarta-feira, em seu voto no julgamento do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, que foi concedido. O ex-supervisor da Receita seria o responsável pela investigação ilegal de cerca de 134 autoridades, entre as quais o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Sua prisão terá impacto no julgamento, pelo plenário do Supremo, da polêmica liminar concedida pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), suspendendo todas as investigações com base em dados do Coaf obtidos sem autorização judicial. Por essas voltas que o mundo dá, Canal pode fazer uma “delação premiada”, e contar tudo que sabe.


Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense



sábado, 13 de julho de 2019

Derrota no terceiro turno

A pesada âncora do lulismo prende a esquerda às areias do passado

O terceiro turno das eleições presidenciais foi disputado na Câmara, na votação da reforma previdenciária. O placar avassalador, 379 a 131, não assinalou um triunfo de Bolsonaro, mas da articulação parlamentar liderada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), pelo relator, Samuel Moreira(PSDB-SP), e pelo presidente da comissão especial, Marcelo Ramos (PL-AM). A esquerdaPT, PDT, PSB e PSOLsofreu, mais que um insucesso parlamentar, uma derrota política de proporções históricas. Essencialmente, ela colocou-se fora do jogo político, encarcerando-se voluntariamente na cela de Lula.

As ruas vazias, o plácido entorno do Congresso, a transição da opinião popular rumo ao apoio à reforma —a catástrofe da esquerda pode ser sintetizada num caleidoscópio de imagens icônicas. É a conclusão de uma trajetória pautada pela incompreensão da democracia. O passo inicial foi a denúncia do “golpe do impeachment”; o seguinte, a campanha do “Lula livre!”; o derradeiro, a recusa do debate sobre a Previdência, que é parte de uma rejeição mais geral a revisitar as políticas populistas conduzidas por Lula e Dilma desde 2007.

O fracasso tem donos. Haddad nunca chegou nem perto do lugar de reformador do PT, atribuído a ele por tantos intelectuais esperançosos, preferindo o posto de gestor público da massa falida do lulismo. Boulos e Freixo reconduziram o PSOL à irrelevante condição de linha auxiliar do PT. Ciro Gomes e os dirigentes do PDT e do PSB perderam a oportunidade de fundar um polo oposicionista pragmático, capaz de aperfeiçoar o projeto da nova Previdência. A cela de Lula está repleta de prisioneiros virtuais de um Brasil corporativo que faliu anos atrás.

O beneficiário do autoexílio da esquerda é a direita bolsonarista. No vácuo político deixado pela deriva governista do PSDB, Bolsonaro tem a chance de se apropriar dos louros de uma vitória que não lhe pertence, ganhando novo fôlego. Lá atrás, Lula ensaiou uma reforma previdenciária, e Dilma admitiu a necessidade de estabelecer idades mínimas para a aposentadoria. Mas a esquerda do “não”, submissa ao corporativismo, imersa no oportunismo eleitoral, entregou a bandeira do futuro à direita reacionária. Todos pagaremos por isso.

“Ser de esquerda não pode significar que vamos ser contra um projeto que de fato pode tornar o Brasil mais inclusivo e desenvolvido”. A jovem deputada Tabata Amaral (PDT-SP) fala por outros sete deputados de seu partido e 11 do PSB que desafiaram suas direções partidárias para apoiar a reforma previdenciária. Ela exprime, ainda, a opinião de uma pequena coleção de intelectuais e economistas de esquerda que escapam à bolha do sectarismo. Justamente por isso, está sob ameaça de expulsão.

A reforma é a obra inaugural do “parlamentarismo branco”. Rodrigo Maia já antecipa novos objetivos, na forma das reformas tributária e administrativa. No plano retórico, o PT e Ciro Gomes chegaram a ensaiar propostas razoáveis no rumo de uma tributação mais progressiva e da radical redução nos cargos comissionados. Ao que tudo indica, porém, a esquerda seguirá ausente do debate nacional, contentando-se com a denúncia genérica das desigualdades sociais. A pesada âncora do lulismo prende a esquerda às areias do passado.

O sectarismo custa caro. O Executivo está ocupado por reacionários tão arrogantes quanto incultos, que rezam no santuário herético do “Deus de Trump”. Eles querem distribuir armas, promovem a delinquência policial, estimulam o ativismo político de procuradores jacobinos, sonham subordinar a lei e a escola ao fundamentalismo religioso. A agenda extremista só encontra barreiras no “parlamentarismo branco” e num Judiciário acossado pelo fogo das redes olavo-bolsonaristas. O Brasil precisaria de uma esquerda moderna, cosmopolita. O que temos, porém, são os estilhaços de um lulismo espectral, que agoniza em câmera lenta.

Folha de S. Paulo - Demetrio Magnoli, sociólogo
 
 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Especialistas criticam autorização para as Forças Armadas atuarem nos presídios

Militares farão inspeções nas cadeias, após morte de mais de 130 detentos só este ano  
[a morte de até 130.000 detentos/ano é aceitável e benéfica para a Sociedade = bandido bom é bandido morto.]
Com mais de 130 presos mortos em guerra de facções nos presídios só este ano, o presidente Temer deu aval nesta terça-feira para que as Forças Armadas atuem dentro das prisões. Por até um ano, militares poderão fazer inspeções nas cadeias, caso governadores peçam. Temer, que se reuniu com representantes dos órgãos de inteligência do governo, admitiu que a crise do sistema prisional ganhou “contornos nacionais” e que o momento exige “ações extraordinárias”. Segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann, os militares não terão contato com os presos. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, criticam a possível atuação das Forças Armadas para combater a crise nos presídios. 

 Ação no presídio é trabalho policial  
 "Penso que a questão interna dos presídios deve ser exclusivamente dos governos estaduais. Cada um tem que cuidar dos seus problemas, e isso infelizmente não está acontecendo. As Forças Armadas não são para desordens nos presídios, mas em desordens generalizadas nas ruas, que a força policial não pode mais conter. E não para entrar em presídio para vistoriar. Ela tem que ter seu papel constitucional preservado.

 Até porque não tem preparo para isso. As autoridades têm que entender que o homem fardado não é apenas um espantalho que causa intimidação, mas ele tem que estar preparado para agir. E ação no presídio é trabalho estritamente policial. É até preferível que as Forças Armadas não atuem nos presídios, para não haver desgaste no governo Federal. Porque se houver problemas como um enfrentamento com morte numa tropa, além de se criar um problema operacional, se tornará um problema político grave

Não vejo condição para as Forças Armadas fazerem esse tipo de trabalho. Daqui a pouco todo governador vai começar a pedir mais do que deve. É uma temeridade. Os estados têm condições de fazer isso. Todos têm seus batalhões de operações especiais. E eles normalmente são bem estruturados e podem ampliar seu treinamento para outras unidades, como fazem os batalhões do interior do Rio ou de São Paulo. O que o governo poderia fazer é ajudar no treinamento de outras tropas. Em São Paulo, tem cerca de duas mil manifestações por ano. Não dá para o Batalhão de Choque cuidar de tudo, então os outros batalhões são treinados para fazer trabalho suplementar, além do patrulhamento. 

Fora que há lugares em que o contingente é desnecessário. No Rio de Janeiro, só na Assembleia Legislativa, tem 500 policiais atuando. E o Estado todo tem 45 mil PMs. Está mais do que suficiente. No Amazonas tem 10 mil homens. Em Roraima, 2 mil. É possível."
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança

Presença de militares é paliativo     
 "Penso que as Forças Armadas, de modo geral, têm preparo não só para a guerra, mas para qualquer outra atividade que diga respeito, por exemplo, a lidar com prisioneiros. Mas é evidente que eles não têm o mesmo treinamento do agente penitenciário. Existe uma coisa que muitas vezes a gente acha que não é necessária pelo fato de ser uma penitenciária: a humanização do tratamento. Não sei até que ponto os agentes colocam isso em prática, mas é um grande combustível quando não se tem. Acredito, pelo que acompanho, que as Forças Armadas não têm esse preparo. Diria que ele é feito de natureza genérica, para enfrentamento de criminalidade nas ruas. Aí é outra coisa. 

No mais, a opinião pública, de modo geral, cria uma certa expectativa de que as Forças Armadas podem resolver tudo. Acho que essa medida até pode surtir algum efeito positivo, mas de modo paliativo. O governo pode tentar amenizar ou coibir possíveis outras rebeliões que estariam programadas, mas não se acaba com problema de natureza estrutural. Temos que olhar para as pessoas vulneráveis ao sistema jurídico, que cometeram crimes menores e não apresentam um grande risco para a sociedade. Isso deve ser resolvido. 

Outro ponto é: de que modo o governo Federal e os Estados estão dispostos a enfrentar o crime organizado? A gente não está falando só de traficante, mas daqueles que fazem tráfico de influência também. Há muita gente graúda envolvida nisso, que vai desde pessoas ligadas ao Congresso, ao próprio governo Federal, até vereadores. Nas últimas semanas acompanhamos gravações em que essas pessoas ligadas a facções estavam tentando eleger vereadores, para a partir daí ganharem mais projeção. O estado tem que desarmar e quebrar esse crime organizado, e isso vai para além de colocar as Forças Armadas fazendo fiscalização."

Paulo Silvino Ribeiro, sociólogo e docente da FESPSP