O Estado de S.Paulo
O Legislativo está decidindo pelo Executivo qual é agora a reforma prioritária
Para um governo que demonstra dificuldades em afinar o foco, o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez um grande favor. Quer que a
reforma tributária comece a ser tratada como prioridade já na semana que
vem, quando termina o recesso parlamentar. Se o Executivo ponderava
ainda com qual começar entre as várias ambiciosas reformas que pretende,
o Legislativo definiu. Encontros para tratar de um texto único (são três conjuntos de
propostas, mas a conhecida como PEC 45, do tributarista Bernard Appy)
envolvendo relatores, deputados, senadores e especialistas – o cerne de
uma Comissão Especial – começaram na terça-feira e vão pelo fim de
semana. A ambição: votar até junho. Depois são férias e, na sequência,
os senhores parlamentares vão se dedicar às eleições municipais. Ou
seja, o prazo é dos mais apertados.
O sentido de urgência aumentou também com as demandas dos governadores,
para os quais o socorro financeiro proposto pela União dentro de um novo
Pacto Federativo foi por eles declarado insuficiente, e terá de ser
reexaminado em função do impacto que simplificação e/ou novos tributos
terão sobre arrecadação. Junte-se a isso reforma administrativa e PEC
Emergencial, que pretendem, por outras vias, lidar com a questão fiscal,
e tem-se o tamanho do trabalho político para o governo.
Embora a reforma administrativa (praticamente pronta, segundo Bolsonaro)
figure como seu grande ataque ao aparelho de Estado, que a equipe
econômica enxerga como principal obstáculo ao destravamento da economia,
o presidente talvez entenda que não tem força política suficiente para
tocar de forma simultânea dois ambiciosos projetos no Legislativo. Maia
dá sinais de estar decidindo o dilema. Os esforços para um mínimo de simplificação e ordenamento do sistema
tributário brasileiro têm mais de 20 anos e sempre fracassaram diante da
incapacidade (ou desinteresse) de sucessivos governos em ordenar os
diversos interesses afetados. Ocorre que, passada a batalha da
Previdência, a demanda de vários segmentos da economia clamando por
algum tipo de jeito na maluquice tributária brasileira sugere uma
situação já próxima de um “basta”, algo como uma genuína revolta.
Da mesma maneira como ocorreu com a Previdência, senadores e deputados
parecem bem sensíveis à gritaria (plenamente justificada, aliás). Embora
só desavisados ainda acreditem que reforma tributária seja sinônimo de
redução de carga tributária, economistas e gestores empresariais admitem
que a simplificação de tributos (mesmo que não diminua a carga) traria
algum alívio às empresas, via redução de custos. No Brasil, manter-se em
dia com os impostos também é caro.
As equipes técnicas da Câmara e da pasta de Paulo Guedes estão
debruçadas no que seria um texto que incorporaria sugestões do Executivo
(seria mais fácil do que o governo enviar projetos separados). Esse
texto (o da 45) já “pactuado” passaria pela Comissão Especial, seria
levado a plenário e daí ao Senado – rito que depende não só do interesse
dos presidentes das Casas Legislativas, mas, também, do empenho do
governo em se articular eficazmente no Congresso (reconhecidamente um
problema até aqui).[um ponto que precisa urgentemente ser modificado é a ditadura da presidência da Câmara e do Senado = o poder decidir qual projeto vai em frente e qual sentam em cima;
o ideal seria que um grupo de deputados, número pequeno, teria poderes para solicitar ao presidente da Câmara - que seria obrigado a aceitar - que determinado projeto fosse colocado em pauta em um prazo máximo, digamos, dois meses.
Valendo a mesma regra para o Senado.
Da forma atual, um Maia ou seu fiel escudeiro Alcolumbre, tem mais poderes que a maioria da Casa que presidem.]
Há espaço para avanços importantes. Onde o bicho pega? Onde sempre
pegou: deputados se queixam de que as promessas que receberam lá atrás
em termos de emendas, na votação da Previdência, ainda não foram
cumpridas. Assessores do governo discordam das queixas, mas a má vontade
existe. Pior ainda: os senhores parlamentares são hoje muito mais
conscientes da sua capacidade de negociação, e consequente imposição de
derrotas ao governo. É o famoso limite da atuação de presidentes de Casas Legislativas, mesmo
empenhados em reformas. Não são eles que impõem disciplina de voto. [por vias indiretas impõem sim: são eles que sendo contrário a um projeto, sentam em cima, impedindo que os seus presididos votem, o que na prática equivale a uma rejeição da proposta.
A não votação de uma proposta, na prática, impede sua aprovação, prevalecendo a vontade do 'dono' da pauta.]
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo