O presidente do Supremo, Dias Toffoli, inventou a censura em causa própria.
Valendo-se de um inquérito secreto que ele mesmo abriu em março,
Toffoli pediu providências ao relator que ele próprio indicou —Alexandre de
Moraes—, contra uma notícia em que ele mesmo é o protagonista. Acionado, Moraes
mandou a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista retirarem do ar uma
notícia que pede uma explicação de Toffoli, não censura. A reportagem censurada
baseou-se num documento. Trata-se de uma resposta de Marcelo Odebrecht à
Polícia Federal. Instado a revelar o nome que se esconde atrás do pseudônimo
"amigo do amigo do meu pai", mencionado em e-mail de 13 de julho de
2007, apreendido em seu computador, Odebrecht disse tratar-se de Dias Toffoli.
Na época, Toffoli era advogado-geral da União do governo Lula. A resposta de
Marcelo Odebrecht foi anexada aos autos do inquérito, em Curitiba, no dia 9 de
abril. Informou-se que uma cópia fora enviada à Procuradoria-Geral da República,
em Brasília. Na última sexta-feira (12), um dia depois da veiculação da
notícia, a 13ª Vara Federal de Curitiba pediu explicações à PF e à
Procuradoria. A resposta de Marcelo Odebrecht foi retirada do processo.
Na mesma
sexta-feira, a procuradora-geral Raquel Dodge divulgou nota para informar que
não havia recebido cópia da manifestação de Marcelo Odebrecht. Agarrando-se à
manifestação de Dodge, Dias Toffoli pediu providências a Alexandre de Moraes.
Que chamou a reportagem de "fake News" e mandou retirar do ar, sob
pena de pagamento de multa diária de R$ 100 mil. Quer dizer: o pedido de
esclarecimento da PF a Marcelo Odebrecht existiu. O documento com a resposta do
empreiteiro é real. Está disponível na internet. Não há vestígio de dúvida
quanto à citação de Dias Toffoli. Instado a se manifestar antes da publicação,
Toffoli preferiu o silêncio.
Consumada a veiculação, o presidente do Supremo tinha diante de si
várias alternativas. Poderia trazer à tona meia dúzia de verdades capazes de
sepultar as "mentiras" que enxergou na notícia. Poderia também
criticar os jornalistas por exageros, imperfeições ou incorreções. No limite, Toffoli
poderia ter acionado judicialmente Marcelo Odebrecht, exigindo que explicasse,
tintim por tintim, que história é essa de identificá-lo como "amigo do
amigo do meu pai." Entre todas as possibilidades ao seu alcance, Toffoli
recorreu à única que é inconstitucional: a censura.
Em condições normais, a censura seria lamentável. Tomada por um relator
escolhido por Toffoli, no âmbito de um processo secreto aberto por Toffoli, a
censura à reportagem sobre Toffoli é uma aberração jurídica estarrecedora. O
plenário da Suprema Corte precisa salvar a instituição desse vexame. A notícia
continua requerendo uma boa e definitiva explicação. Quem sabe Dias Toffoli se
anima a interpelar judicialmente Marcelo Odebrecht.