Em
política, nada do que se diz voluntariamente é tão importante quanto o
que se ouve sem querer. Ao liberar o vídeo do strip-tease [mudou o significado?] que Jair
Bolsonaro chama de reunião do conselho do governo, o ministro Celso de
Mello, do Supremo, permitiu que o país escutasse barbaridades que o
presidente preferia esconder. Entre elas a teoria de que é preciso armar
o povo para evitar um golpe. Essa pregação cheira mal. Tem um aroma
venezuelano.
Hugo Chávez, o coronel autocrata da Venezuela morto
em 2013, fundou em 2007 a Milícia Nacional Bolivariana. Hoje, esse grupo
é a maior força armada do país. Reúne mais de 2 milhões de civis
voluntários. Juram defender a Venezuela. Na verdade, compõem uma força
paramilitar que ajuda a prolongar o regime ditatorial de Nicolás Maduro,
o sucessor de Chávez.
Bolsonaro tem o hábito de criar
assombrações para depois se assustar com elas. Na reunião com seus
ministros, em 22 de abril, o capitão enxergou o fantasma de um golpe
escondido atrás da política de isolamento social. E insinuou que deseja
armar o brasileiro para que ele se desafie a autoridade de governadores e
prefeitos. "Como é fácil impor uma ditadura no Brasil! Como é
fácil!", disse Bolsonaro. "O povo tá dentro de casa. Por isso que eu
quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que
é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma
ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um
prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro
de casa. Se tivesse armado, ia pra rua."
Se a coisa ficasse só no
gogó seria apenas absurdo. Mas a pregação evoluiu para uma portaria,
assinada pelo general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e
por Sergio Moro, então titular da pasta da Justiça. Elevou-se a
quantidade de munição que um civil com porte de armas pode comprar.
Antes, permitia-se a aquisição de 20 cartuchos por ano. Agora, pode-se
adquirir até 300 unidades por mês, dependendo do calibre da arma.
"Eu
peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine (sic) essa portaria
hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! (sic) Por
que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá
pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais!"
O fantasma
que politiza o vírus, convertendo estratégia sanitária em golpismo, só
existe nos delírios de Bolsonaro. Mas o desejo de criar uma legião de
adoradores armados é tão real quanto inconstitucional. A Constituição
brasileira concede ao Estado o monopólio da força. Ministros do Supremo
ficaram de cabelo em pé e olhos abertos. Um dos magistrados da
Suprema Corte disse à coluna: "O presidente Bolsonaro tem pouco apreço
pela imprensa livre e adora participar de manifestações em que
proliferam as faixas pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo.
Alguém que coleciona derrotas judiciais já deveria ter compreendido que o
Brasil não é a Venezuela."
Por uma trapaça da sorte, Nicolás
Maduro também passou a tratar a cloroquina como uma poção mágica de
grande utilidade na pandemia. Dias atrás, o ditador anotou no Twitter:
"Felicito ao pessoal científico da Saúde de nosso país, que trabalha com
boa fé e amor para proteger a saúde do povo. Com eles avançamos na
produção do difosfato de cloroquina, fármaco eficiente para o tratamento
contra o covid-19".
No Brasil de Bolsonaro, como se sabe, a
paixão do presidente pela cloroquina ultrapassa todos os limites,
inclusive os da ciência. O remédio fez com que dois médicos se dessem
alta do Ministério da Saúde em plena pandemia: o ortopedista Henrique
Mandetta e o oncologista Nelson Teich. Os governantes costumam se
diferenciar pelo que mostram e se assemelhar pelo que escondem. Na
vitrine, Bolsonaro acha que é o avesso de Maduro. Entre quatro paredes,
reunido com seus ministros, o capitão esgrime uma bula que o aproxima do
seu contrário.
Blog do Josias - Josias de Souza, jornalista - UOL
A
sabedoria popular ensina: quem tem calos não deve se meter em apertos.
Com a inelegibilidade latejando, Lula pediu ao Supremo que abrisse sua
cela, para que ele pudesse mergulhar na campanha. O feitiço acabou
enfeitiçado no plenário da Suprema Corte, que cogitava não só manter
Lula na tranca como carimbar sua ficha suja.
Espremido, Lula solicitou ao Supremo que esqueça sua petição. Na véspera, com receio de violar regras do TSE, Lula fora obrigado a colocar seu poste na rua. Com dez dias de antecedência, converteu Fernando Haddad em número dois de sua chapa, acomodando Manuela D’Ávila no banco de reserva. Lula promoveu o strip-tease de sua suposta candidatura em apenas dois movimentos. Num, reconheceu a indigência jurídica do seu plano ao fugir do supremo veredicto sobre sua inelegibilidade. Noutro, deu à luz a chapa Haddad—Manuela.
Com tanta desenvoltura, Lula acabou transportando sua ficha suja do fundo da loja do PT para a vitrine. Foi como se o estrategista do bunker carcerário desejasse criar um novo brocardo: nunca deixe para amanhã o que você pode deixar hoje. O PT mantém a intenção de registrar a candidatura de Lula no Tribunal Superior Eleitoral na data-limite: 15 de agosto. Mas Lula, desde logo, vai se despindo da condição de candidato para assumir novamente o papel de levantador de postes.
Blog do Josias de Souza
Espremido, Lula solicitou ao Supremo que esqueça sua petição. Na véspera, com receio de violar regras do TSE, Lula fora obrigado a colocar seu poste na rua. Com dez dias de antecedência, converteu Fernando Haddad em número dois de sua chapa, acomodando Manuela D’Ávila no banco de reserva. Lula promoveu o strip-tease de sua suposta candidatura em apenas dois movimentos. Num, reconheceu a indigência jurídica do seu plano ao fugir do supremo veredicto sobre sua inelegibilidade. Noutro, deu à luz a chapa Haddad—Manuela.
Com tanta desenvoltura, Lula acabou transportando sua ficha suja do fundo da loja do PT para a vitrine. Foi como se o estrategista do bunker carcerário desejasse criar um novo brocardo: nunca deixe para amanhã o que você pode deixar hoje. O PT mantém a intenção de registrar a candidatura de Lula no Tribunal Superior Eleitoral na data-limite: 15 de agosto. Mas Lula, desde logo, vai se despindo da condição de candidato para assumir novamente o papel de levantador de postes.
Blog do Josias de Souza