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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Marina Silva pode ser a cabeça a rolar para acomodar o Centrão - Gazeta do Povo

Vozes - Alexandre Garcia

Reforma ministerial

Em audiência no Senado, Marina Silva diz que Ibama faz análise técnica e não política para emitir licenciamento ambiental

A Comissão de Agricultura do Senado aprovou um projeto que já passou pela Câmara; é uma regulamentação infraconstitucional, uma lei sobre demarcação de terras indígenas. 
Está escrito no artigo 231 da Constituição que são indígenas as terras “que eles tradicionalmente ocupam”. Não diz “que vierem a ocupar”, nem “que ocuparam”; o que está escrito em língua portuguesa é presente do indicativo. Qual era o presente? Era 5 de outubro de 1988
São as terras que ocupavam naquele dia. 
Mas houve tanta confusão, com demarcação para lá e para cá, política, invasões, retiradas, que resolveram fazer uma lei que explicasse melhor esse artigo da Constituição, uma vez que o Supremo está julgando o assunto, e lá está 2 a 1 para derrubar o marco temporal.
 
O Supremo julga e acaba fazendo lei, mas quem faz leis é o Legislativo, como o próprio nome indica; é o poder que tem voto, tem a procuração para fazer leis em nome do povo, porque todo poder emana do povo. Esse assunto vem de longe e traz insegurança fundiária para o agro brasileiro e para os indígenas. 
O projeto vai, agora, para a Comissão de Constituição e Justiça, antes de ir ao plenário do Senado. 
O relator deverá ser o senador Marcos Rogério, de Rondônia. 
Se o texto for aprovado assim como está, entra em vigor.
 
Atrito de Marina Silva com outros ministros repete sua saída em 2008
Lula está na África e diz que, quando voltar, vai arrumar lugar para dois deputados do Centrão que já estão nomeados ministros, mas não sabem para que ministério vão. 
Voltaram a falar de tirar Ana Moser do Ministério do Esporte, mas eu estou olhando é para Marina Silva, que já teve problemas no governo Lula: foi ministra do Meio Ambiente no primeiro e segundo mandatos de Lula, mas caiu fora em 2008, porque teve divergências com o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, e com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
 
A gota final naquela ocasião foi a água do Rio Madeira, e novamente tem água envolvida em discordância.  
São as águas da foz do Amazonas, onde a Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e o governo querem pesquisar petróleo, ao largo da costa do Amapá.  
O Ibama disse que tecnicamente não pode, que é preciso saber qual é o impacto nas populações indígenas. Acho que os índios estão torcendo é para chegar mais riqueza por lá, mais oportunidades para eles não precisarem ficar no meio do mato, numa choça sem saúde, muitas vezes sem alimento. Eles estão vendo outros indígenas, como os parecis, que têm trator, têm máquina, têm produção, exportam, estão felizes da vida, mandando os filhos para a universidade, se integrando à sociedade brasileira. Mas uma turma quer botar o índio numa campânula, num tubo de ensaio, num museu.
 
A Advocacia-Geral da União ou seja, os advogados do governodisse que é possível fazer uma negociação, e o Ministério de Minas e a Energia concordou. Mas quarta-feira, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, Marina disse que não tem acordo, que decisão técnica é decisão técnica. Com isso, bateu de frente também com o presidente da Petrobras, outro que defende um acordo. 
Estou vendo a hora em que Marina vai abrir mais uma vaga para alguém do Centrão ir para o Meio Ambiente, tal como aconteceu lá no outro governo Lula.
 
Lula não declarou relógio de R$ 80 mil, mas só Mauro Cid está pagando no caso dos presentes
A propósito, Lula mostrou aquele relógio Piaget que ganhou de Jacques Chirac em 2005; ele próprio mostrou o relógio de R$ 80 mil.  
E a Folha de S.Paulo está dizendo que não estava na lista dos presentes dele. Como, então, ele disse que ganhou?  
E aí lembramos do caso do tenente-coronel Mauro Cid, que estava cumprindo uma missão no Palácio do Planalto e agora está preso há quase quatro meses pela história do relógio, que foi classificado como pessoal; ele pegou, era presente, e vendeu, porque não queria ficar com aquele relógio.  
Depois, o TCU disse que não podia, então ele comprou de volta e entregou o relógio. 
Nesta quinta, o advogado do coronel tem um encontro com o ministro Alexandre de Moraes. Pode ser um encontro importante, porque o caso dele é igual ao caso de mais de mil pessoas: está na última instância, não tem recurso, só a Deus. 
Se fosse no foro correto, na primeira instância, haveria recurso ao Tribunal Regional Federal, depois ao Superior Tribunal de Justiça, e finalmente ao Supremo
Agora, do jeito como está isso aí, ninguém sabe o que vai acontecer.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

 


sexta-feira, 21 de julho de 2023

As acusações contra o líder do MST que coordena a reforma agrária em Goiás

Agressões, ameaças e até sequestro: o histórico do petista José Valdir Misnerovicz, conhecido como 'Valdir do MST'

PRIORIDADE - Misnerovicz: “Nossa missão será estimular acordos de transição agroecológicos”

PRIORIDADE - Misnerovicz: “Nossa missão será estimular acordos de transição agroecológicos” (MST-GO/Divulgação)
 
O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem um coordenador em cada um dos estados. 
É uma espécie de embaixador, alguém encarregado de supervisionar alguns dos principais programas da Pasta, da assistência técnica ao financiamento de famílias assentadas dos projetos oficiais de reforma agrária — um cargo estratégico que exige de seu ocupante determinadas habilidades. Em Goiás, o governo escolheu para o posto o petista José Valdir Misnerovicz. A indicação foi mal recebida pelos produtores rurais. Conhecido como “Valdir do MST”, Misnerovicz liderou violentas invasões de fazendas na região. Ele, porém, garante que sua prioridade agora é outra. “Nossa missão será estimular acordo para um grande processo de transição agroecológico”, disse a VEJA.  
Vindo de quem vem, é um compromisso alvissareiro.
 
Em 2016, Misnerovicz ficou preso durante cinco meses. O petista foi acusado de agredir e torturar funcionários de uma fazenda na cidade de Santa Helena de Goiás.  
De acordo com depoimentos prestados na época, ele liderou um grupo do MST que invadiu a propriedade, ordenou que os donos abandonassem as terras, confiscou máquinas e ergueu uma barricada de pneus ameaçando atear fogo na sede. 
Durante o ataque, um dos funcionários foi derrubado da cabine de um trator e ameaçado com um facão. “Nós vamos picar o Toninho”, repetiam os invasores, enquanto empurravam o rapaz de um lado para o outro, esfregando a lâmina da arma em seu rosto. Toninho era o dono da fazenda. 
Um segundo funcionário ainda relatou que os sem-terra dispararam cinco tiros contra ele, antes de obrigá-lo a sair correndo do local.
 
Quando esse episódio aconteceu, os métodos de Misnerovicz já eram conhecidos — e temidos — na região havia algum tempo. Em 2001, o líder foi acusado pelos próprios sem-terra de agir com extrema violência. Coordenador financeiro do MST, Joviniano José Rodrigues procurou a Polícia Federal e contou que se recusou a cumprir uma ordem de Misnerovicz para invadir uma fazenda e confiscar catorze novilhas. Como conhecia um dos funcionários, disse que não participaria do ataque. A retaliação não tardou. A casa dele foi derrubada a machadadas, a esposa agredida e a filha, de 1 ano, sequestrada. “Mais de 200 pessoas cercaram e destruíram meu barraco, quebraram tudo que tinha lá dentro”, conta Joviniano, que foi expulso do assentamento de Palmeiras de Goiás, o mesmo em que Valdir Misnerovicz morava junto com mais 400 famílias.
RETALIAÇÃO - Joviniano (à dir.): casa destruída e expulsão após se recusar a invadir pasto
RETALIAÇÃO - Joviniano (à dir.): casa destruída e expulsão após se recusar a invadir pasto (MST-GO/Divulgação)

A criança foi devolvida com parte de um dedo decepada. Na época, Joviniano denunciou o caso também ao Incra. Ele contou que os companheiros sem-­terra confiscaram 200 galinhas que ele criava e oitenta sacas de milho que havia colhido. O ataque, segundo ele, foi ordenado por Valdir. “Vi outras coisas terríveis lá dentro. Um cara foi cortado com uma motosserra, botaram fogo no corpo e jogaram no Rio dos Bois”, disse a VEJA. Depois das denúncias, Joviniano foi reassentado em outra cidade e diz que até hoje vive com medo. “Fomos perseguidos por muito tempo por causa desse caso. Nos sugeriram até mesmo trocar as identidades”, lembra.

Depois da invasão da fazenda em Santa Helena, em 2016, Valdir Misnerovicz foi indiciado pelos crimes de ameaça, usurpação, constrangimento ilegal, sequestro, cárcere privado e organização criminosa. Em 2018, foi condenado a seis anos de prisão por organização e esbulho, recorreu, conseguiu a anulação do primeiro crime e aguarda uma decisão sobre o segundo. A VEJA, o líder sem-terra rebateu as acusações e afirmou que foi usado como instrumento contra o MST. “Nessa época, já estava sendo construída uma estratégia da direita para criar um ambiente para poder criminalizar a luta social. Fui uma das vítimas”, ressalta. Sobre as acusações do ex-coordenador financeiro do grupo, diz que recorda “vagamente”. “Lembro desse episódio, porque fui chamado para evitar que o pior acontecesse. O pessoal estava indignado, porque tinha um problema de desvio de dinheiro e isso revoltou as famílias”, diz. 
É fato que o passado às vezes condena, às vezes ensina, às vezes condena e ensina e, em muitos casos, nem condena nem ensina. Misnerovicz é o quinto dirigente do MST nomeado para um posto importante no governo Lula.

O MST NO PODER
Apesar das recentes invasões de terra, o movimento continua conquistando espaço no governo Lula

Publicado em VEJA, edição nº 2851 de 26 de julho de 2023, 

Revista VEJA - ÍNTEGRA DA MATÉRIA


terça-feira, 26 de julho de 2022

O STF segue atropelando direitos fundamentais e a OAB não diz nada - Alexandre Garcia

Vozes - Gazeta do Povo 

Onde está a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB? Porque todo dia há um caso no qual se passa com o trator por cima dos direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas, princípios básicos do direito.  
O último foi a prisão desse sujeito. Discordo totalmente do estilo dele, da linguagem, discordo de tudo. Agora, a Constituição diz que há a liberdade de expressão, não haverá censura e fala do devido processo legal.
O sujeito ameaçou pendurar os juízes do Supremo de cabeça para baixo e está preso, no presídio de Belo Horizonte. Mas preso pelo ofendido, como pode? Isso já não é mais devido processo legal. 
O sujeito pode até ser preso em flagrante se a ameaça dele está em vias de se realizar, se ele demonstra que tem condições para fazer isso. Imediatamente, inclusive, para obter alguma vantagem, a satisfação de alguma coisa.
 
 Discordo totalmente do estilo dele, da linguagem, discordo de tudo. Agora, a Constituição diz que há a liberdade de expressão, não haverá censura e fala do devido processo legal
Agora, se está dizendo isso de bobeira, merece uma queixa para investigar o sujeito, mas para ser ameaça em si, os juristas me dizem que é preciso demonstrar a ameaça. No entanto, ele já está no presídio.
 
Ele ameaçou o ministro do Supremo e foi o ministro do Supremo que mandou prendê-lo. Não faz sentido nenhum. Ninguém entende
Cidadão interessado no devido processo legal, um estudante de primeiro semestre de Direito, não entende isso. 
A OAB, contudo, sempre foi muito ciosa dos direitos e garantias fundamentais, e está num silêncio ensurdecedor em relação a tudo que temos visto de agressões à Constituição.
 
Eu sei que o Senado é que seria o foro próprio para investigar o que há por trás disso, mas a OAB também está abandonando com o seu silêncio uma tradição que a manteve tão respeitada.  
Agora, os próprios advogados se perguntam onde está?
Falando desse assunto, a CPI da Covid fez aquele barulho todo, e era para fazer mesmo, é o que eles queriam.  
Caixa de som, carro de som, palanque, inquisição, gritaria, ofensas, coisas ridículas, uma tragédia para a história do Senado. Fez um relatório imenso.
 
O senador Renan Calheiros foi para a Polícia Federal, que está pedindo há meses provas que ele não tem, mas também foi para a Procuradoria Geral da República, para apresentar a denúncia contra o presidente, conforme o relatório da CPI encaminhou, como se fosse um delegado de polícia fazendo um inquérito.  
E agora, a subprocuradora geral, Lindôra Araújo, avisa o Supremo que não tem nem sequer o menor indício de crime contra o presidente. Nada que se aproxime de uma conclusão de que ele tem que ser denunciado. 
Ou seja, foi um relatório que cai no ridículo e que deve ser cobrado, porque gastou muito do dinheiro do povo para fazer aquilo.
 
A tentativa política era de tentar impedir a candidatura de Bolsonaro, passaram um recibo de que estavam com medo de sua candidatura.
Isso já foi por terra e agora vai para o lixo completo.
O segundo objetivo, no entanto, foi aproveitar-se daqueles cúmplices, que mesmo sabendo que aquilo não era notícia, que era uma coisa ridícula, consideraram sério e jogaram para o país inteiro esse comício que foi a CPI.  
Seria apenas ridículo se não tivesse prejudicado tanta gente, inclusive os que morreram, porque ouviam na CPI dizer que não existe tratamento, ouviam que tinha que se trancar em casa, ficaram sem renda, sem liberdade, porque a CPI apoiou os atos que romperam cláusulas pétreas da Constituição. 
É bom a gente jamais se esquecer disso.
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 
 

sábado, 16 de julho de 2022

Uma proeza: pioraram tudo - Carlos Alberto Sardenberg

Em uma semana, pioraram tudo e violentaram a democracia 

É preciso reconhecer a proeza: numa só semana, o Congresso conseguiu desmontar a Constituição – ao derrubar o teto de gastos – a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro – que proibia tomada de dívida para despesas correntes – e a legislação eleitoral. Esta última foi violentada de várias maneiras. [COMENTANDO: causa estranheza que o competente Sardenberg, cite que 'pioraram tudo e violentaram a democracia', quando tudo que houve teve a motivação de reduzir a fome de milhões de brasileiros - reduzir,  acabar só no inicio de 2023, ocasião em que o presidente Bolsonaro inicia seu segundo mandato. 

Todas as leis revogadas, ou adaptadas, sejam leis eleitorais ou econômicas, são consequências diretas de alterações no texto constitucional, realizada por PEC     devidamente aprovada pelo Congresso Nacional = único Poder da República com competência para legislar. Por óbvio, diante de uma alteração constitucional, todas as leis que conflitem com o texto constitucional modificado, são automaticamente revogadas e/ou adaptadas ao ditames da Constituição Federal.] 

A mais conhecida foi a permissão para o governo federal aumentar e criar programas sociais na véspera das eleição. Mas, assim, por baixo do pano, os parlamentares partiram para o liberou geral: o Executivo ganhou o direito de trocar os fornecedores de obras e serviços quando e como quiser. Argumento: é para retomar obras paradas. Parece bom e se a lei eleitoral proibia isso, errada estava a lei.[se tornou inconstitucional, devido conflitar com o texto constitucional aprovado pela PEC.]

Não estava. A lei dizia que em caso de interrupção de uma obra, por exemplo, o crédito para a execução deve ser simplesmente cancelado. Por óbvio: o governo não pode contratar uma estrada em um determinado município e depois usar o dinheiro para uma fonte luminosa em outra cidade. Em termos mais claros: não pode parar a obra em um município inimigo e transferir para a cidade de um prefeito amigo.

Não podia. Agora pode.

Também o governo não podia, em período eleitoral, distribuir desde coisas “simples” como cestas básicas ou redes de pesca até aparelhos pesados, como tratores e máquinas agrícolas. Por óbvio: o governante de plantão não pode usar o dinheiro público para fazer sua própria campanha.

Não podia.

Na democracia, todos os candidatos devem disputar em igualdade de condições. Daí as regras que limitam o poder do incumbente, o governante de plantão, o parlamentar em exercício.

O conjunto aprovado pelo Congresso desmonta essa regra. O presidente Bolsonaro foi escandalosamente beneficiado, mas também todos os deputados e senadores governistas. Foi aperfeiçoado o “orçamento secreto”, de tal modo que o parlamentar pode distribuir milhões de reais para sua região política, sem que seu nome apareça em qualquer documento.

Claro que o parlamentar vai lá no seu município “entregar” o trator – mas isso fica lá entre eles. No orçamento, o dinheiro público foi magicamente para aquela cidade, a mando de ninguém.

E por que as oposições aprovaram ou deixaram passar esse conjunto que beneficia o bolsonarismo e o Centrão? Porque acham, especialmente a esquerda, com Lula, que vão ganhar a eleição e, assim, herdar todos aqueles instrumentos de poder.

Também herdam, caso ganhem, o desastre econômico provocado pelo desmonte das contas públicas. E daí? Já estarão no poder – e é isso que importa, inclusive para ajustar contas com inimigos, de bolsonaristas aos ex-líderes da Lava Jato.

Ou seja, trata-se de tudo, menos de democracia.

A economia real, contudo, não se altera com sabotagens legais. O ponto é o seguinte: o país sofre com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento.

O ministro Guedes alardeou a sua nova previsão de expansão do PIB para este ano: 2%. Isso mesmo, estão comemorando um crescimento de 2%, que nem mexe na renda real dos brasileiros. E que certamente piora no ano que vem, como já avisou o próprio Banco Central. Com a prática de juros elevados, o BC torna o crédito mais caro para consumidores e investidores. Assim, derruba a atividade econômica e, pois, a inflação.

O objetivo do governo é exatamente o contrário: gastar o máximo de dinheiro público para estimular a economia.Sempre que a política econômica torna-se assim, maníaca, de dupla personalidade, o resultado é o pior possível. Nenhuma parte ganha, de modo que o país fica ao mesmo tempo com inflação elevada, juro alto, dólar caro e baixíssimo crescimento.

Resumo da ópera: a democracia foi violentada; a regra fiscal, rasgada; a política, reduzida a uma polarização sem qualquer proposta de reconstrução. [a democracia brasileira é de um tipo especial - quando o governo do capitão promove, via PEC aprovada pelo Poder Legislativo, alterações no texto constitucional com mudanças na legislação infraconstitucional,  dizem que a democracia foi violentada;
mas, quando outras autoridades, de outros poderes e que fazem oposição ao governo Bolsonaro, violam o texto constitucional e alegam que a violação foi para preservar a Constituição a mídia militante, esquerdista,  aplaude.]

Será difícil, quando houver vontade, juntar os cacos e reconstruir um sistema saudável.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 16 de julho de 2022

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Como a soja colhida no interior do RS põe em risco o equilíbrio ecológico do ‘planeta’? - O Estado de S. Paulo


Macron e a soja

O presidente da França, Emmanuel Macron, não gosta do Brasil, nem dos brasileiros, nem do presidente que eles elegeram dois anos atrás. Mais do que qualquer outra coisa, Macron não gosta da agricultura e dos agricultores brasileiros; sempre faz questão, nos cinco minutos por ano em que pensa alguma coisa em relação ao Brasil, de repetir que a produção de soja por aqui (sem falar no milho, carne, frango e todo o resto) está destruindo a floresta amazônicae, com isso, tirando o oxigênio que a França, a Europa e o mundo precisam para respirar. Não há o que fazer a respeito: o homem não muda de ideia e não muda de assunto. Vai continuar assim. 

O problema com esse tipo de noção é a sua absoluta falta de conexão com a realidade dos fatos. A Amazônia, como pode ser verificado em não mais que dez minutos de pesquisa básica, não tem nada a ver com a soja brasileira, nem com o milho ou com os demais grãos. 
Mais de 70% da produção brasileira vem de quatro EstadosRio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso. O Mato Grosso ainda tem uma parte do seu território, apenas uma parte, na chamada “Amazônia Legal”uma ficção burocrática que não tem nada a ver com a geografia, e sim com truques fiscais para se pagar menos imposto.  
Mas todo o restante da área cultivada está fora de lá – a maioria dos agricultores do Paraná, por sinal, provavelmente passa a vida inteira sem jamais botar os pés na Amazônia. Além disso, ninguém precisa derrubar uma única árvore para produzir produzir mais a cada ano, aliás, ocupando o mesmo espaço de terra, por força da tecnologia e do aumento na produtividade. 
A Amazônia, inteirinha, responde por 10% da produção rural do Brasil – só isso. Como, então, a soja colhida no interior do Rio Grande do Sul pode estar pondo em risco o equilíbrio ecológico do “planeta”? Não pode, e não vai poder nunca. 
O presidente Macron, e quem quer pensar como ele, acha o oposto: nunca lhe ocorreu que nos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do Brasil possa existir algum tipo de atividade rural fora da Amazônia, nem que o produtor brasileiro conheça o trator, métodos de irrigação e as noções elementares de agronomia. Colheu um cacho de banana? Então é porque está destruindo “a floresta”. 

Macron, se tivesse algum interesse nas realidades, poderia perfeitamente saber disso tudo consultando um dos 5,5 milhões de funcionários públicos franceses que vivem à sua disposição; é impossível que ninguém saiba, nessa multidão toda, como se produz soja no Brasil. Também poderia perguntar sobre o assunto a uma das maiores e mais antigas empresas da própria França, a Louis Dreyfus, que trabalha no agronegócio brasileiro há 80 anos, tem 11 mil funcionários no Brasil e opera ativamente em toda a área rural, da soja à laranja, do café ao milho. Mas quem é que está interessado em coisas chatas e sem nenhum proveito político como a busca de fatos? O presidente da França, com certeza, não está. 

Sua última ideia a respeito do assunto é acabar com a “dependência” que a França teria da soja brasileiraindispensável para a sua produção de proteínas. Disse que estava sendo “coerente”: quem defende a Amazônia e o meio ambiente tem de ser contra o Brasil e a agricultura brasileira. 
Do que ele está falando? O Brasil produziu 135 milhões de toneladas de soja em sua última safra; 
a Europa inteira mal chegou às 3 milhões. Como vai resolver isso? Não vai e, pelo jeito, não está preocupado com os aspectos físicos dessa história toda. Como se sabe, existem dois tipos básicos de ignorância: a involuntária e a voluntária. A primeira tem remédio. Para a segunda não se conhece solução. 
 
J R Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo 17 janeiro 2021
 

*JORNALISTA