Em uma semana, pioraram tudo e violentaram a democracia
É preciso reconhecer a proeza: numa só semana, o Congresso conseguiu desmontar a Constituição – ao derrubar o teto de gastos – a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro – que proibia tomada de dívida para despesas correntes – e a legislação eleitoral. Esta última foi violentada de várias maneiras. [COMENTANDO: causa estranheza que o competente Sardenberg, cite que 'pioraram tudo e violentaram a democracia', quando tudo que houve teve a motivação de reduzir a fome de milhões de brasileiros - reduzir, acabar só no inicio de 2023, ocasião em que o presidente Bolsonaro inicia seu segundo mandato.
Todas as leis revogadas, ou adaptadas, sejam leis eleitorais ou econômicas, são consequências diretas de alterações no texto constitucional, realizada por PEC devidamente aprovada pelo Congresso Nacional = único Poder da República com competência para legislar. Por óbvio, diante de uma alteração constitucional, todas as leis que conflitem com o texto constitucional modificado, são automaticamente revogadas e/ou adaptadas ao ditames da Constituição Federal.]
A mais conhecida foi a permissão para o governo federal
aumentar e criar programas sociais na véspera das eleição. Mas, assim,
por baixo do pano, os parlamentares partiram para o liberou geral: o
Executivo ganhou o direito de trocar os fornecedores de obras e serviços
quando e como quiser. Argumento: é para retomar obras paradas. Parece
bom e se a lei eleitoral proibia isso, errada estava a lei.[se tornou inconstitucional, devido conflitar com o texto constitucional aprovado pela PEC.]
Não estava. A lei dizia que em caso de interrupção de uma obra, por exemplo, o crédito para a execução deve ser simplesmente cancelado. Por óbvio: o governo não pode contratar uma estrada em um determinado município e depois usar o dinheiro para uma fonte luminosa em outra cidade. Em termos mais claros: não pode parar a obra em um município inimigo e transferir para a cidade de um prefeito amigo.
Não podia. Agora pode.
Também o governo não podia, em período eleitoral, distribuir desde coisas “simples” como cestas básicas ou redes de pesca até aparelhos pesados, como tratores e máquinas agrícolas. Por óbvio: o governante de plantão não pode usar o dinheiro público para fazer sua própria campanha.
Não podia.
Na democracia, todos os candidatos devem disputar em igualdade de condições. Daí as regras que limitam o poder do incumbente, o governante de plantão, o parlamentar em exercício.
O conjunto aprovado pelo Congresso desmonta essa regra. O presidente Bolsonaro foi escandalosamente beneficiado, mas também todos os deputados e senadores governistas. Foi aperfeiçoado o “orçamento secreto”, de tal modo que o parlamentar pode distribuir milhões de reais para sua região política, sem que seu nome apareça em qualquer documento.
Claro que o parlamentar vai lá no seu município “entregar” o trator – mas isso fica lá entre eles. No orçamento, o dinheiro público foi magicamente para aquela cidade, a mando de ninguém.
E por que as oposições aprovaram ou deixaram passar esse conjunto que beneficia o bolsonarismo e o Centrão? Porque acham, especialmente a esquerda, com Lula, que vão ganhar a eleição e, assim, herdar todos aqueles instrumentos de poder.
Também herdam, caso ganhem, o desastre econômico provocado pelo desmonte das contas públicas. E daí? Já estarão no poder – e é isso que importa, inclusive para ajustar contas com inimigos, de bolsonaristas aos ex-líderes da Lava Jato.
Ou seja, trata-se de tudo, menos de democracia.
A economia real, contudo, não se altera com sabotagens legais. O ponto é o seguinte: o país sofre com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento.
O ministro Guedes alardeou a sua nova previsão de expansão do PIB para este ano: 2%. Isso mesmo, estão comemorando um crescimento de 2%, que nem mexe na renda real dos brasileiros. E que certamente piora no ano que vem, como já avisou o próprio Banco Central. Com a prática de juros elevados, o BC torna o crédito mais caro para consumidores e investidores. Assim, derruba a atividade econômica e, pois, a inflação.
O objetivo do governo é exatamente o contrário: gastar o máximo de dinheiro público para estimular a economia.Sempre que a política econômica torna-se assim, maníaca, de dupla personalidade, o resultado é o pior possível. Nenhuma parte ganha, de modo que o país fica ao mesmo tempo com inflação elevada, juro alto, dólar caro e baixíssimo crescimento.
Será difícil, quando houver vontade, juntar os cacos e reconstruir um sistema saudável.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 16 de julho de 2022
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