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segunda-feira, 29 de março de 2021

Os suspeitos - Guilherme Fiuza

Vozes - Gazeta do Povo 
 
Por que o Gilmar tá chorando?
– Por causa do advogado do Lula.
– O que ele fez? Bateu no Gilmar?
– Não.
– Jogou areia no olho do Gilmar?
– Não.
– Amarrotou a toga do Gilmar?
– Não. Quer dizer, não sei. Mas não é por isso que ele tá chorando.
– Então é por quê? O advogado do Lula disse que o STF é uma vergonha?
– Não, o advogado do Lula não acha que o STF é uma vergonha.
 
 
O plenário do STF em sessão com apoio de videoconferência. Imagem ilustrativa.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

 - Então o que aconteceu? Ele xingou o Gilmar?
– Não. O Gilmar tá chorando de emoção.
– Ah, tá. É, deve ser emocionante mesmo trabalhar na suprema corte.
– Ele não tá chorando por causa do trabalho dele.
– Não?
– Não. Tá chorando por causa do trabalho do advogado do Lula.
– Como assim?
O Gilmar ficou encantado com a atuação do advogado do Lula. Começou a fazer elogios a ele e caiu no choro.
– Caramba. E filmaram isso sem ele ver?
– Não, foi em público mesmo.
– Em público?!
– É.

– Ele tava dando uma palestra?
Não. Ele tava numa sessão do STF.
– O que?! O Gilmar elogiou o advogado do Lula no meio de uma sessão do STF??
– Sim. No meio de uma sessão do STF que deliberava sobre um processo de interesse da defesa do Lula.
– E ele chorou de emoção enaltecendo o advogado do réu?
– Do réu condenado.
Você acha isso normal?
– Acho.
– Por quê?
– Porque realmente o advogado do Lula conseguiu um milagre. E diante de um milagre é difícil segurar a emoção.

– Que milagre?
O cliente dele roubou um país inteiro e está em vias de ser inocentado.
– É. Milagre mesmo. Já sabem qual foi o santo?
– Lula.
– Não, perguntei de quem foi o milagre pra santificar o Lula.
Parece que foi um milagre coletivo.
– Autores desconhecidos?
– Não. Bem conhecidos.
Você pode citar algum?
– Claro. Gilmar.

– Hein? O Gilmar está comovido com o milagre que ele mesmo fez?
– Qual é o problema? Ele fez o milagre, gostou, se emocionou e chorou. É um direito dele. Afinal de contas é um ser humano.

– Verdade. Bem lembrado.
– Inclusive ele já tinha chorado antes com o cara do MST.
– Milagre também?
– Não. Era uma live em defesa da democracia.

– Não deixa de ser um milagre se juntar com um cara violento em nome da democracia e ainda conseguir chorar.
– Chorar não é tão difícil assim.
– Quando fiz teatro amador eu nunca conseguia.
Mas quem tá falando de amador?
– Verdade. Ali só tem profissional.


– Claro. Ninguém ganha uma toga e uma varinha de condão se não souber chorar.
– Sem dúvida. Mas não é um pouco suspeito um juiz chorar elogiando o advogado do ladrão?
Não. Suspeito é o juiz que condenou o ladrão.
 
Guilherme Fiuza, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O ESTADO BRASILEIRO ESTÁ GRAVEMENTE ENFERMO - Percival Puggina

É dos bons parlamentares que vamos precisar, sempre, para apoiar os bons governos e obstar os maus.
Um mau sistema político adoece suas instituições e perturba a sociedade a que elas deveriam servir. Para compreender isso talvez nos sirva uma analogia. Responda: você acha que de uns anos para cá nascem mais bandidos no Brasil? 
O aumento da criminalidade nas últimas décadas decorre de algum bug genético que se infiltrou na sociedade brasileira? 
Claro que não. A criminalidade aumenta, estimulada por outros fatores, principalmente em virtude da impunidade.

Do mesmo modo, então: você crê que foi espontâneo o processo de degradação da política brasileira percebido de uns anos para cá? Claro que não. Há uma causa estrutural para isso, relacionada às características do modelo político vigente no país. Realmente espontânea, nessa realidade, é a tendência ao agravamento, pois o modelo estimula seus agentes a legislar, agir e julgar em favor da própria má conduta e de suas perversas motivações.

Certamente sem ter isto em conta, escreveu-me uma leitora discorrendo sobre a inutilidade de se pedir ao eleitor que vote bem, visto que ele só pode escolher entre aqueles que os partidos indicam e na cidade dela, os dois candidatos a prefeito etc. etc.. Pois essa mensagem expressa talvez o núcleo da dificuldade que se enfrenta para resolver gravíssimo problema estrutural da política em nosso país, dando causa aos malefícios que tanto nos atingem. Numa eleição, em qualquer eleição, seja municipal (como a recente), estadual, ou federal, toda a atenção e a esperança nacional converge para a escolha daquele que irá governar. E quase nenhuma preocupação com a qualidade da composição do respectivo parlamento, órgão mais importante do poder político em qualquer democracia.

Observe quanta frustração causou às expectativas nacionais a reação negativa do Congresso ao presidente eleito em 2018. As razões do voto presidencial vencedor não foram as mesmas dos votos parlamentares vitoriosos, e foi a partir daí que as raposas retomaram o comando do galinheiro
As medidas provisórias passaram a falecer nas gavetas, os projetos do governo começaram a ser desfigurados, não raro, transformados no seu inverso, a pressão pelo aumento do gasto público disparou e os partidos robusteceram seu caixa. A grave enfermidade institucional do Estado brasileiro tende a se acentuar e não serão os homens de governo que o irão sarar com a varinha de condão da “vontade política”, quer sejam prefeitos, governadores ou presidentes. Os que o conseguirem, nos seus âmbitos de gestão, só o farão se e quando suas virtudes pessoais encontrarem ecos majoritários igualmente virtuosos nos respectivos parlamentos. Ou seja, é dos bons parlamentares que vamos precisar para apoiar os bons governos e para obstar os maus governos. Fácil de entender.

Mas difícil de fazer, não? Claro. Quem disse que a democracia é fácil? Ela ficaria menos enrolada mediante um conjunto de reformas que incluam pelo menos, no caso brasileiro, voto impresso, distrital e facultativo e separação entre as funções de estado, governo e administração. Enquanto isso não ganhar urgência na pauta do eleitor, continuaremos a soprar contra o vento e a comemorar vitórias de Pirro.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 17 de abril de 2020

A grande cartada - Eliane Cantanhêde