De duas, uma. Ou a presidente Dilma está arrependida de ter
indicado o jurista Luiz Edson Fachin para a vaga aberta no Supremo
Tribunal Federal ou está dando
gargalhadas diante das respostas dele na sabatina na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. Porque o Fachin que esteve ontem a
responder aos senadores não é o mesmo que escreveu textos que colocavam em dúvida o direito à propriedade ou
questionavam a família tradicionalmente formada. Fachin ontem nem precisou explicitar
o pedido para esquecerem o que escreveu. Ele mesmo tratou de fazer uma
releitura de anos e anos de militância jurídica, explicando que todas as ideias
polêmicas que defendeu ao longo de sua vida eram apenas questões que estavam
sendo "problematizadas" em
discussões acadêmicas, e não representam o pensamento que vai guiá-lo se for
aprovado pelo Senado para o STF.
Na verdade, o que se viu ontem no
Senado foi um jurista quase conservador,
defensor da tradição, família e propriedade. Ao jurista que escreveu um prefácio de um livro a favor da bigamia, afirmando que as
ideias pertenciam a "mentes
generosas e corajosas, preocupadas incessantemente com o que nos define como
humanos", o jurista sabatinado
respondeu ontem: "sempre
acreditei que os valores da família , de pátria e de nação são fundamentais
para progredir".
O
jurista "que tem lado"
escreveu, sobre a bigamia, que "quem
se acomoda no dogmatismo enclausurado ou (...) elimina a instância jurídica
como instrumento de emancipação “
não cabe em um bonito sonho sobre "(...)
as propostas que embalam significantes e significados no berço que desempacota
os nós de alguns ninhos". Mas ontem foi às lágrimas quando se referiu
ao casamento de quase 40 anos com a desembargadora Rosana Amara Girard Fachin,
e aos filhos, todos presentes. Sobre
propriedade privada, Fachin escreveu que "o instituto da propriedade foi e continuará sendo ponto
nevrálgico das discussões sobre questões fundamentais do país. (...) De um
conceito privatista, a Constituição em vigor chegou à função social aplicada ao
direito de propriedade rural. É um hibridismo insuficiente, porque fica a meio
termo entre a propriedade como direito e a propriedade como função social. Para avançar, parece necessário entender que a
propriedade é função social."
Nos vídeos que mandou colocar na internet e nas palavras que disse ontem
no Senado, Fachin acha que a propriedade
é um direito fundamental e, como tal,
nós devemos seguramente obediência a esse comando constitucional. "Por que a Constituição é o nosso
contrato social. [...] Nenhum de nós pode ter uma Constituição para chamar de
sua ".
Garantismo
constitucional e valores cristãos e democráticos podem ser as
definições de seus compromissos mais profundos, segundo afirmou ontem. A certa altura, como
quem não queria nada, lembrou que fora
coroinha de igreja quando criança, a ressaltar suas raízes católicas. Fachin ressaltou sua
formação civilista com louvores à democracia e à necessidade de o Poder Judiciário não assumir funções que são
próprias do Legislativo: "O
juiz não pode nem deve substituir o legislador", disse numa homenagem
aos sabatinadores . Foi
de tal ordem a diferença entre o Fachin de antes e o de depois da indicação, que parece que ele foi indicado por certas
virtudes na visão de Dilma que fez questão de negar no Senado, talvez
sentindo que seus pensamentos não correspondiam ao pensamento médio dos
senadores.
O
senador Ricardo Ferraço, que foi o
primeiro a levantar a questão da dupla militância como advogado — procurador do estado do Paraná e advogado
particular ao mesmo tempo, o que era proibido pela Constituição do estado
quando assumiu a função na Procuradoria — insistiu na denúncia, que foi
rebatida por Fachin com os mesmos subterfúgios de "expectativa de direito" pois era permitido quando fez o concurso , e teve permissão da OAB
local.
O senador definiu Fachin, logo no início da sabatina, como "vítima das suas convicções".
Deve ter chegado ao final com a convicção de que Fachin não tem convicções,
apenas se dispõe a "problematizar"
os temas pelo gosto de um bom debate acadêmico. Tamanha a diferença entre um Fachin e outro que o senador Cássio Cunha
Lima teve que perguntar se ele garantia que
sua posição no Supremo corresponderia ao seu depoimento, e não aos textos que escrevera até então.
[para
melhor analisar a ética do Fachin – ÉTICA e REPUTAÇÃO ILIBADA andam juntas –
deve ser lembrado que o indicado da Dilma, o defensor da poligamia, do MST, das
amantes, da extinção da família, não teve escrúpulos, nem ética, quando atuou
como advogado no Tribunal de Justiça do Paraná em 57 processos, sendo sua
esposa desembargadora daquela Corte.]
Fachin garantiu que o que vale não é o que está escrito, mas o que falara naquela sessão.
Por: Merval Pereira – Coluna O Globo