A
mudança brasileira foi a delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta,
e o banco dá a sequência do dinheiro
O governo chinês informou ontem: de 2012 até aqui, recuperou US$
6,2 bilhões que haviam sido roubados por “centenas
de milhares” de funcionários e membros do Partido Comunista. Isso dá pouco
mais de R$ 19 bilhões, valor desviado apenas da Petrobras, segundo estimativas
dos procuradores da Lava-Jato.
A campanha anticorrupção na China
é uma iniciativa do presidente Xi Jinping, aplicada pela temida Comissão Central para
Inspeção Disciplinar. Trata-se de uma ditadura, de modo que eles frequentemente
passam por cima do que chamam lá de formalidades judiciais — isso de não poder
prender sem uma consistente acusação formal ou de precisar de processo para
recuperar o dinheiro roubado.
Claro que
isso permite ao governo escolher seus
alvos, transformando o combate à corrupção em ação política para apanhar
adversários. Por aqui, a Lava-Jato segue nos termos da lei e da democracia.
Não foi politizada nem instrumentalizada por grupos ou partidos. Ainda bem. O método chinês vai mais rápido. Sabe aquela
situação na qual todo mundo sabe que fulano está roubando, mas ainda não deu
para dar o flagrante? Pois é, lá na
China a Comissão Disciplinar pode prender e, então, sabe-se lá com quais
pressões, procura as provas.
Aqui,
muita gente ainda diz que a Lava-Jato frequentemente avança o sinal. É que não
sabem como se faz nas ditaduras. A Lava-Jato vai muito depressa em comparação
com os velhos padrões brasileiros — quando as
“formalidades judiciais” garantiam a impunidade. Era assim: o sujeito trabalha numa estatal
ou no governo ou no partido do governo e
está associado a uma consultoria privada; a empresa tal ganha um contrato com a estatal e
faz um pagamento à consultoria privada. Diziam
os envolvidos e pegava: são contratos separados, coisas
diferentes, com coincidência fortuita de pagamentos.
Qual é? Vai um advogado dizer isso hoje
para o juiz Moro.
Por outro
lado, há uma novidade histórica que devemos ao governo
americano. Na busca do dinheiro do terrorismo e do tráfico, as
autoridades dos Estados Unidos simplesmente acabaram com o sigilo fiscal e
bancário lá e no mundo. Quer dizer, não
acabaram propriamente. Mas se criou uma legislação, hoje universalizada, que
torna mais simples e rápido quebrar sigilos quando há fundadas suspeitas,
descobertas nos termos da lei.
Era
praticamente impossível achar uma conta de um banco suíço. Hoje é até fácil. Os banqueiros têm pavor de serem acusados de acobertar
fortunas roubadas ou do tráfico.
A mudança brasileira foi a introdução
da delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta em que recebeu e o
banco dá a sequência do dinheiro. Tudo considerado, duas observações: primeira, o método chinês vai mais rápido, mas o
método Lava-Jato é mais seguro para as pessoas e as instituições; segunda, e
terrível para nós, a roubalheira aqui
foi maior que na China, cuja economia é quatro vezes maior. [para a
petralhada, formada na sua maioria por ladrões profissionais o método chinês é
mais eficiente por ser mais rápido e
oferecer uma vantagem adicional: julgamentos sumários que podem resultar em
aplicação rápida da pena capital.
Entre a denúncia e o processo de
apuração, julgamento, condenação e execução da sentença – quando for cominada a
pena de morte – trinta dias é tempo mais que suficiente.]
Reparem de novo: depois de três anos de dura
campanha, os chineses recuperaram o equivalente a R$ 19 bilhões. Dado o sistema
deles, é provável que já tenham apanhado a maior parte da corrupção. Ora, só na Petrobras, os procuradores
acreditam ter havido roubo de R$ 19 bilhões, dos quais R$ 6 bi já admitidos
formalmente pela estatal, em balanço. E
está começando só agora a fase do setor elétrico, o segundo da lista.
Conclusão: estamos apanhando aqui os
maiores escândalos corporativos do mundo. No sistema formal, demora mais para
recuperar a propina distribuída, mas a coisa está andando nessa direção. Finalmente, há outro ponto em comum. Aqui e
na China, a corrupção começa no governo e suas estatais, nas tenebrosas
relações com empresas privadas.
A
presidente Dilma andou dizendo que a Lava-Jato subtraiu um ponto percentual do
PIB. Nada disso. A corrupção estatal/privado subtraiu muitos pontos ao gerar desperdício,
perdas e ineficiências. Ou seja, o combate à corrupção precisa de um
complemento: uma ampla privatização e um bom ambiente de negócios para quem
quer ganhar dinheiro honestamente — um sistema impessoal que privilegie a
eficiência, a competitividade, a produtividade.
Enquanto conseguir uma
vantagem qualquer em Brasília for mais barato e mais fácil do que investir no negócio para ganhar produtividade, o país não vai
crescer. Nem será
justo.
Fonte:
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista