Lula cumpriu o que se
propunha a fazer em sua viagem a Brasília na quinta-feira: assumiu de fato o comando do PT e do governo. Para
botar tudo em pratos limpos, reuniu-se com o Diretório
Nacional do partido e, à noite,
no Palácio da Alvorada, com os ministros que colocou no Planalto, mais o seu preposto
na presidência do PT. A presidente
Dilma Rousseff também estava presente. Diante dos correligionários usou e
abusou de seus melhores recursos retóricos para estabelecer as novas diretrizes
para tempos de guerra.
Fez pose de herói e de vítima,
deu conselhos e aplicou reprimendas, divertiu-se com a ironia
e o deboche, permitiu-se a modéstia e a humildade, explodiu em ímpetos de
valentia, tudo junto e misturado. Nos aplausos que recolheu deve ter
encontrado consolo para a decadência de seu prestígio no mundo real, no qual 54% dos brasileiros afirmam que “de jeito nenhum” votariam nele em 2018.
Ordenou Lula ao PT: chega
dessa história de falar mal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Levy, Lula sabe, é necessário para fazer o ajuste
fiscal, botar as contas do governo em ordem e dar um jeito na lambança que “Dilminha” promoveu em seus primeiros
quatro anos de desgoverno. Assim, conformem-se por enquanto os petistas e
filopetistas remanescentes, porque “as
coisas estão difíceis, mas vão melhorar”.
Quanto a Eduardo Cunha, Lula
também sabe, é importante para evitar que progridam as tentativas das “elites” de
promover o impeachment de Dilma. Até hoje a chefe do governo só fez e falou
bobagens, mas agora
ela está sob controle e é necessário que permaneça onde está para permitir que
seu padrinho dê um jeito nas coisas para chegar a 2018 com alguma chance de se
candidatar mais uma vez ao posto que nunca deveria ter deixado. Portanto,
nada de ficar falando em contas na Suíça e irrelevâncias desse tipo, até porque
não se deve “prejulgar” ninguém.
Para dramatizar a necessidade
de apoio ao ajuste fiscal e enquadrar o PT, que se inclinava a formalizar um pedido de
afastamento de Joaquim Levy e divulgar críticas à “política econômica” de Dilma, na
reunião do Diretório Nacional Lula não teve o menor constrangimento de dar o
dito por não dito. Ele afirmara, dias antes, que o ministro da Fazenda
tinha “prazo de
validade”. Também admitiu,
pela primeira vez publicamente, o
estelionato eleitoral praticado no ano passado: “Ganhamos as eleições com um discurso e, depois, tivemos que mudar o
discurso e fazer o que dizíamos que não íamos fazer. E isso é um fato”.
Essa
confissão dá bem a medida dos extremos a
que Lula está disposto a chegar para evitar o naufrágio do projeto de poder do
PT, que faz água por todos os lados desde que, ao
assumir o segundo mandato, Dilma meteu
na cabeça que teria competência para assumir sozinha o comando político do
governo.
Falando aos petistas como se já
fosse candidato à Presidência, Lula preocupou-se também
em minimizar a importância do cerco da
Polícia e do Ministério Público Federal a si e a sua família, como consequência do inevitável surgimento
de suspeitas a respeito da repentina prosperidade do
clã Da Silva. Na falta de melhores argumentos, apelou para o deboche: “Disseram que uma nora minha recebeu R$ 2
milhões. Aí, vão perguntar quem é rico na família. Daqui a pouco uma nora entra
com um processo contra a outra para ter o dinheiro repatriado”.
Além da participação na reunião
do diretório petista, Lula almoçou com a liderança do PCdoB, a sempre fiel linha
auxiliar do PT, onde repetiu os principais pontos de seu pronunciamento
aos petistas. À noite, jantou no Palácio
da Alvorada com Dilma, os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Ricardo
Berzoini, da Secretaria de Governo, além do presidente nacional do PT, Rui
Falcão. Em todas essas ocasiões ressurgiu em grande estilo a prodigiosa metamorfose ambulante – expressão cunhada por ele próprio para
demonstrar que se considera acima do Bem e do Mal. Era o líder populista
que não tem o menor escrúpulo de falar apenas o que acredita que as pessoas
querem ouvir ou o que as circunstâncias políticas exigem. Está aí o homem que
governa de novo o País, agora e mais uma vez sem intermediários.
Fonte: Editorial
do Estadão
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