Um fato ninguém discute: tanto Bolsonaro como Lula – e, por tabela,
seu preposto – são, lado a lado, odiados por uma ampla parcela da
população. Carregam insuperáveis índices de rejeição às suas ideias,
práticas e propostas. São alvo de repulsa especialmente pelo que
representam – em direções opostas, é bem verdade. Como diria em sua
antológica frase o ex-congressista Roberto Jefferson, um e outro
despertam “os instintos mais primitivos” dos eleitores. E eis que
chegamos às vésperas das urnas na inusitada situação de conceder a
vitória àquele menos odiado. Ou o “menos” pior. Ou o que galvaniza a
porção majoritária de defensores dos extremos à direita e à esquerda.
Lula encarnado na figura de Haddad, que usa a máscara do próprio mentor
para dizer que um e outro representam o mesmo ser, tal filho e espírito
santo, o postiço funcionando como um mero pau-mandado do padrinho. Serão
juntos recriadores de um caudilhismo singular – que fez história no
velho coronelismo da caatinga – com todos os vícios, roubos e aberrações
de gestão já experimentados por essas paragens. A divindade Lula
reencarnará, tomará forma e método na imagem mimetizada de Haddad. Assim
prega o lulopetismo. E assim deve ser. Haddad, que empresta corpo e
alma, não recusa o papel, de mais a mais bem melhor que o de um prefeito
paulistano apagado, desprezado, marcado pela ineficiência
administrativa, pela mediocridade de projetos e pela arrogância na
conduta.
Na outra ponta do ringue, a imprudência fardada. Bolsonaro e
seu general de estimação, Mourão, o vice das incontinências verbais, já
demonstraram ter zero de noção sobre o que fazer para reconsertar o
País. Na prática, nem estão preocupados com o assunto. Não tratam disso.
Sugerem implantar um modelo liberticida de poder escorado na
intolerância (como se fosse possível tamanha ambiguidade). A
radicalização prende, extermina o contraditório, extirpa do convívio os
adversários que não concordam com seus mandamentos. O trunfo de
Bolsonaro e Mourão é surfar a onda do desencanto, pegar todo mundo na
base da raiva. Atrair os insatisfeitos que seguem largados por todos os
lados, sem respostas. Querem mover e moer a máquina na base dos impulsos
tribalistas, vingativos, irracionais. Contra tudo que está aí, quem
sabe até contra a democracia, por que não? E eis o inacreditável: a
proposta de trucidar a democracia lidera as pesquisas como o último
toque de recolher na caserna após a fuzarca.
Restam os órfãos, a
expressiva maioria localizada no centro ideológico, aqueles que temem
ser esta talvez a derradeira das eleições democráticas por uma longa e
tenebrosa era, caso nada reverta o quadro ou vinguem os anseios
totalitários em ascensão. Já é possível contemplar: um aparato
rudimentar de governo aguarda o Brasil logo ali na esquina, na virada
das eleições, em uma marcha da insensatez em ritmo acelerado nesse
sentido. Como foi possível chegar a tal ponto de degradação política?
Que forças ocultas ou de corpo presente empurram o País para tão sombria
perspectiva que, nem de longe, representa a expressão dos sentimentos
da maioria, mas que deve se confirmar como única fórmula disponível,
pelo mero desencanto daqueles que desistiram de lutar por saídas
alternativas? O dueto de Bolsonaro/Mourão versus o de Lula/Haddad
possuem no escopo de princípios deploráveis de suas respectivas
cartilhas muitas similaridades de interpretações, adaptadas às versões
de cada lado.
Sobre o golpe, por exemplo. Ambos pregam que ele existiu
ou existirá – se desconte diferenças de timing na conclusão de um para o
outro. A chapa verde oliva passou a alertar sobre um tresloucado golpe
em gestação na forma de fraude nas urnas, tese conspiratória logo
ridicularizada pelas autoridades competentes. A chapa vermelho raivoso
sustenta a pregação de uma eleição golpista por não contar com o nome de
Lula nas urnas. Irresponsavelmente, ambos os lados atentam contra as
instituições, as leis e as regras do jogo democrático. É golpe versus
golpe, abrindo margem a contestações futuras, anarquia e flerte com
eventuais ditaduras. Nem o mais insensato dos cidadãos pode vir a
concordar com tamanho despautério. Ainda dá tempo. Seu voto é carimbo
para um melhor futuro.
Carlos José Marques, diretor-editorial da Editora Três
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