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sábado, 29 de setembro de 2018

A eleição esquecida e J.R. Guzzo sobre a eleição presidencial: “Nunca vi nada parecido”

Um evento-chave na política brasileira, foi empurrada para as sombras

Publicado na edição impressa de VEJA São Paulo

Você sabia que há uma eleição para governador do Estado de São Paulo sendo disputada neste momento? Pode acreditar que sim, e fique sabendo, mais ainda, que esta eleição já está aí, a menos de uma semana. Quem diria, não? Provavelmente você nunca ouviu falar tanto de política e eleição como hoje — mas quase nada tem a ver com o estado em que você mora, trabalha, e que, no fim das contas, mais importa para a sua vida prática. Os paulistas estão esmagados, literalmente, pelo noticiário político nacional, e parece não ter sobrado tempo para mais nada. Quem vai ser o próximo presidente do Brasil? Ninguém tem a menor ideia, e, quanto menos se sabe a respeito, mais se discute o assunto. Teria o deputado Jair Bolsonaro, sim ou não, chegado ao seu “teto” de votos? 

João Amoêdo vai passar dos 5%? E o ex-presidente Lula, então: alguém, mesmo sendo advogado, saberia dizer ao certo quantos recursos, apelos, embargos, agravos etc., etc., ele apresentou ao Supremo Tribunal Federal nos últimos meses, na sua tentativa de sair do xadrez onde está preso por corrupção e lavagem de dinheiro, em Curitiba, e conseguir um indulto? Tivemos também processos de tudo quanto é tipo que ocuparam semanas valiosas de debate no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal de Justiça, na ONU, no Vaticano, na associação de caça e pesca — diga um lugar qualquer, e é certo que estiveram discutindo ali se Lula seria ou não “candidato”. Quando o ex-governador paulista Geraldo Alckmin vai reagir? Ele vai reagir? E “as pesquisas de intenção de voto”, que se embaralham uma com as outras a cada quinze minutos? É melhor nem falar das pesquisas de intenção de voto.

O fato é que a eleição para governador de São Paulo, um evento-chave na política brasileira, foi empurrada para as sombras. É um equívoco político sério. Nada se faz no Brasil, há muito tempo, sem a participação decisiva de São Paulo — a grande força de equilíbrio, ou de contenção, para um poder central que suga cada vez mais os recursos do Brasil, quer mandar cada vez mais no país todo e dividiu a sociedade brasileira em duas classes opostas. Uma, como a nobreza e o clero antes da Revolução Francesa, é formada pelos que vivem direta e indiretamente às custas do Estado. A outra é formada pelos que trabalham para sustentar a primeira — e é no Estado de São Paulo, mais que em qualquer outro lugar do Brasil, que ela existe. É aqui, com sua energia política, sua força econômica e sua densidade social, que o Brasil do trabalho enfrenta o Brasil dos nobres. É aqui que se concentram as chances do progresso contra o atraso. Mas nada disso parece ter a mais remota conexão com a alucinada discussão política do momento nem com seus personagens. A candidata Marina Silva não sabe onde fica o Viaduto do Chá. Jair Bolsonaro não conseguiria distinguir Jundiaí de Presidente Prudente. Ciro Gomes acha que São Paulo fica na Inglaterra. Está na cara que há algo profundamente errado com isso tudo.

A uma semana da eleição, a mídia ainda não percebeu que São Paulo está no jogo, e a opinião pública parece anestesiada com as polêmicas da campanha presidencial, entre Bolsonaro e o PT, que lhe são servidas todos os dias nos meios de comunicação. Pouco se discutem os candidatos e menos ainda seus projetos. Quem seria capaz de diferenciar um governo João Doria de um governo Paulo Skaf, os dois candidatos que estão à frente? Doria foi prefeito de São Paulo, levado numa onda de entusiasmo, mas não se interessou em cumprir o mandato para o qual tinha sido eleito. Skaf simplesmente não se sabe quem é — vive há anos nesse mundo escuro do empresariado biônico, essa gente das Fiesps, e Ciesps e Sesis e Senais, nebulosas onde entram e de onde saem bilhões de reais em dinheiro público que mantêm vivo o exótico sindicalismo empresarial brasileiro, contraponto ao sindicalismo das CUTs e similares. Os demais candidatos são nulidades sem a menor possibilidade de conseguir alguma coisa — é a turma que só existe por causa das verbas do “fundo partidário”. Um deles, o do PT que pretende governar o Brasil, não conseguiu eleger nem o prefeito da própria cidade, São Bernardo, na última eleição municipal. [e o laranja poste petista Haddad - que se apresenta como candidato petista - perdeu a eleição de 2016, no primeiro turno, para João Doria.]

Trata-se de um perfeito despropósito para um estado que tem um PIB anual de 2 trilhões de reais — isso mesmo, 2 trilhões de reais —, que coloca São Paulo ali pelos vinte maiores países, acima da Suécia. São Paulo, na América do Sul, não é apenas maior que a Argentina. É maior que a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia somados. Com 45 milhões de habitantes, é o lar de um em cada cinco brasileiros — e o terceiro maior país da América do Sul, logo após o Brasil e a Colômbia. São Paulo está entre as dez maiores áreas metropolitanas do mundo; é, de longe, a mais cosmopolita de todas as cidades brasileiras. É daqui que saem 35% de tudo o que o Brasil produz. São Paulo tem o primeiro IDH do país — na tabela oficial fica atrás de Brasília, mas Brasília não existe no mundo das realidades econômicas. O índice de homicídios de São Paulo, de 3,8 por 100 000 habitantes, é equivalente hoje ao do Estado do Kansas, nos Estados Unidos — um progresso absolutamente extraordinário. Trata-se de um quarto da taxa média do Brasil, o que faz de São Paulo, de longe, o lugar mais seguro do país. É aqui que estão a melhor polícia, as melhores autoestradas, as melhores ferrovias, os melhores hospitais e as melhores escolas do Brasil — além da sede da maioria das 500 mais possantes multinacionais do mundo.

Mais importante que tudo, talvez, São Paulo é o mais brasileiro de todos os estados do Brasil um resumo, melhor do que qualquer outro, de tudo aquilo que este país tem para apresentar. É sintomático. São Paulo é o estado mais odiado pelos políticos das outras unidades da federação, sobretudo as que são mais atrasadas e desiguais do ponto de vista social. É visto como uma “ameaça” — e talvez seja mesmo, porque aqui está a amostra do que poderia ser um Brasil mais moderno, mais progressista e mais justo. Ao mesmo tempo, é o estado mais amado pelos cidadãos comuns, principalmente pelos milhões que ao longo das décadas têm vindo para cá em busca de trabalho, de realização e de projetos de melhoria em sua vida. É o lugar procurado pelos que não se conformam com o Brasil dos coronéis, do atraso e da adoração ao governo — pelos que não querem passar uma vida de dependência da “autoridade” e de sujeição aos que mandam. São Paulo é o estado dos brasileiros que acreditam no mérito individual, na recompensa pelo esforço, trabalho e talento, e na autodeterminação das pessoas. É o contrário do Bolsa Família. É o contrário de Brasília.

É uma pena que nada disso esteja em discussão nestas eleições.

  “Nunca vi nada parecido”



Uma aguda recessão econômica, o maior esquema de corrupção da história da administração pública mundial, o aparelhamento político do Estado, taxas de desemprego assustadoras, um ex-presidente e ex-ministros presos, fora o resto. Mesmo assim, o candidato do partido responsável por tais calamidades está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. “Nunca vi nada parecido”, resumiu José Roberto Guzzo no programa Perguntar Não Ofende.

Um dos mais importantes jornalistas brasileiros, Guzzo acredita que Jair Bolsonaro lidera as pesquisas eleitorais porque faz uma oposição real ao PT, ao contrário de candidatos como Geraldo Alckmin. “Para enfrentar o PT você precisa jogar pesado e jogar com as mesmas regras deles”, disse.Só ganha do Lula um cara como Bolsonaro, que chama de ladrão, diz que prefere o cemitério cheio de bandidos e não de cidadãos honestos. Essa é a linguagem para enfrentar o Lula. Não dá falar de transporte intermodal, como faz o Alckmin. Para enfrentar o PT, é briga de rua. E o único cara que sabe fazer isso hoje é o Bolsonaro”.

Guzzo ressalta a tibieza dos partidos de oposição durante os 13 anos de governo petista. “Assim que o Lula assumiu, na primeira crítica que o PSDB fez, o PT rebateu dizendo que eles não se conformavam com a derrota, que queriam o terceiro turno, sendo que os caras estavam apenas fazendo oposição”, observa. “Em vez de continuarem, eles se recolheram”.

O programa também tratou do atentado contra Jair Bolsonaro, do comportamento da mídia na campanha, do apoio de artistas e intelectuais a candidatos da chamada esquerda e da enxurrada de pesquisas eleitorais. “O mesmo instituto chega a divulgar duas pesquisas num mesmo dia e com números diferentes”, estranha Guzzo. “Não é isso que definirá a eleição. O que vai decidir é o voto do eleitor, no dia 7 de outubro”.

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