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domingo, 30 de setembro de 2018

A uma semana da eleição, a crise voltou às ruas

Muitos dirão que, comparadas com as multidões maciças da jornada de 2013, as eloquentes manifestações anti-Bolsonaro deste sábado foram miúdas. Outros alegarão que os atos pró-Bolsonaro, mais mixurucas, crescerão a partir deste domingo, para indicar que o pedaço do eleitorado avesso à volta do PT ao poder não pode ser negligenciado. Quem olhar para o asfalto com as lentes caolhas e reducionistas da polarização arrisca-se a perder a essência do que está se passando.

São quatro as mais importantes, as mais básicas características de Sua Excelência o fato. Eis a primeira e mais óbvia constatação: a sociedade brasileira está trincada. A segunda obviedade é alarmante: as eleições presidenciais de 2018 não devolverão o sossego ao país. A terceira percepção é inquietante: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, líder e vice-líder das pesquisas, apresentam-se como solução sem se dar conta de que são parte do problema. A quarta evidência é exasperante: o que se vê nas ruas é apenas o nariz daquilo que Juscelino Kubitschek apelidou de ''o monstro''.

Na definição de Juscelino, o monstro é a opinião pública. Em 2013, a criatura também ganhou as ruas aos poucos. Do dia para a noite, o que parecia ser uma revolta juvenil contra o reajuste de passagens de transportes coletivos virou uma revolta difusa contra a roubalheira dos agentes políticos e a precariedade dos serviços públicos. O monstro exibiu-se de corpo inteiro. Ele estava em toda parte: nas camisetas, nas faixas, nos broches, nas panelas que soaram nas varandas dos edifícios chiques, na fila da clientela miserável do SUS e, sobretudo, na Praça dos Três Poderes. Atordoados, os alvos da revolta reagiram da pior maneira. Os partidos deflagraram um movimento de blindagem dos seus corruptos contra a Lava Jato. O monstro desligou-os da tomada. Dilma Rousseff, a presidente de então, acenou com um lote de cinco pactos. Ganha um doce quem for capaz de citar um dos pactos de madame. Sobreveio a sucessão encarniçada de 2014.

Dilma prevaleceu com um discurso marqueteiro de “mudança com continuidade”. Deu em estelionato eleitoral, no impeachment e na prisão de Lula. Aécio Neves, que emergira das urnas como um derrotado favorito a virar presidente na sucessão seguinte, dissolveu sua liderança na mesma lama que engolfou a biografia e a agenda pseudo-reformista de Michel Temer. Deu no que está dando: a ferrugem do tucanato, a fragmentação do chamado centro político e o solidificação de Bolsonaro como alternativa das forças antipetistas.  Com 28% das intenções de voto, Bolsonaro esgrime uma agenda proterozoica em que se misturam coisas tão abjetas como a defesa da tortura
 [= interrogatórios enérgicos necessários para obtenção de informações essenciais para a neutralização de atos terroristas.] , a distribuição de armas [necessária para impedir que só os bandidos portem armas - até militares quando não estão em serviço correm o risco de ser constrangido pela acusação de 'porte ilegal de armas'.] o desapreço às mulheres [o que consideram desapreço do candidato Bolsonaro às mulheres é apenas algumas brincadeiras, feitas em caráter coloquial, pelo capitão e que foi aproveita para insuflar parte das mulheres e da imprensa contra o futuro presidente.] e o desprezo aos direitos das minorias. [é até aceitável que as minorias tenham alguns direitos, desde que não pretendam impor a ditadura das minorias e o mais grave ofender, constranger, as pessoas de bem ao exercer tais direitos em locais inadequados. Apenas um exemplo: um homem beijar outro na boca, em local público, especialmente na frente de crianças.]

Como se fosse pouco, o capitão carrega na vice um general radioativo e cospe nas urnas eletrônicas que lhe serviram mais de duas décadas de mandatos parlamentares. Sapateia sobre as mais elementares noções de democracia ao avisar que não reconhecerá nenhum resultado que não seja a sua vitória.  No outro extremo está Haddad. Com 22% no Datafolha, a caminho de um empate técnico com o líder, ele despacha semanalmente com o oráculo da cadeia de Curitiba. Frequenta os palanques com a máscara de Lula, estimulando a suspeita de que, eleito, terceirizará o mandato presidencial ao padrinho presidiário. Neste domingo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, gritava palavras de ordem contra Bolsonaro numa manifestação em Curitiba. Seu protesto soa ridículo quando se recorda que a mesma Gleisi lançou há sete meses um manifesto intitulado “Eleição sem Lula é fraude.” Algo que Haddad se absteve de desdizer.

A caminho do segundo turno, Bolsonaro e Haddad são cabos eleitorais um do outro. Quem rejeita o capitão pende para o poste de Lula. E vice-versa. Nesse contexto, a corrida presidencial resultará na eleição do presidente da exclusão, não no mandatário da preferência do eleitorado. A essa altura, os dois extremos já deveriam ter notado que não há alternativa senão o respeito incondicional às regras do jogo, a moderação do discurso e o aceno ao bom-senso.  A insensatez conduz ao estilhaçamento dos valores democráticos. 

A incapacidade dos atores políticos de produzir algo que se pareça com um acordo elementar contra a produção de sandices devolveu a crise às ruas a uma semana do primeiro turno da eleição. Mantida a atmosfera de crispação, o país logo enxergará o monstro que se esconde atrás do nariz. No limite, o próximo presidente, seja ele quem for, já assumirá carregando no peito uma interrogação no lugar da faixa presidencial: Será que termina o mandato?

Blog do Josias de Souza

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– Via Nani.


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