Bolsonaro faz uma grande aposta com a ambiciosa proposta de mudar as regras da aposentadoria, reduzindo a desigualdade de tratamento entre ricos e pobres
O governo de Jair Bolsonaro, para todos os efeitos econômicos e políticos, começou na quarta-feira 20 de fevereiro. Nesse dia, o presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, entregaram ao Congresso uma proposta promissora de reforma da Previdência.
O documento é ambicioso o bastante, dado o tamanho do problema, e abrangente a ponto de não ser acusado de corporativista. “Ricos e pobres, servidores públicos, políticos ou trabalhadores privados, todos seguirão as mesmas regras de idade e tempo de contribuição”, disse o presidente em pronunciamento à nação em rede nacional de rádio e TV na quarta à noite.
A reforma da Previdência é a mãe de todas as reformas do Estado brasileiro. O pagamento de aposentadorias e pensões se tornou o principal gasto da União, dos estados e municípios, consumindo mais da metade das receitas públicas. Diante de déficits cada vez maiores, o governo já não consegue cumprir com suas obrigações, como assegurar à população o direito à segurança e à saúde.
As perspectivas sombrias para o setor público, por sua vez, contaminam o ânimo e a confiança de empresários, que congelam investimentos e contratações. A proposta do governo é uma tentativa importantíssima de tirar o país desse buraco, atacando privilégios como a aposentadoria precoce.
Entre os servidores públicos, a exceção, por ora, são os militares. Mas, como a coluna Radar antecipou, o governo fará mudanças nos benefícios da categoria (veja o quadro no final da reportagem).
Elaborado desde a transição de governo, o texto apresentado institui algumas mudanças fundamentais para equilibrar o caixa. Um dos exemplos é a idade mínima para a aposentadoria de todos os trabalhadores, que será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres a partir de 2031, quando acabar o período de transição de doze anos. “É uma medida justa, que torna o sistema mais igual”, diz o economista Hélio Zylberstajn, da Fipe.
A proposta será apreciada nos próximos meses na Câmara dos Deputados; se aprovada nessa Casa, passará ao Senado. Caso não sofra alterações — o que é altamente improvável —, vai gerar uma economia de 1,07 trilhão de reais em dez anos, segundo cálculos da equipe econômica (com a inclusão posterior dos militares, o impacto chega a 1,16 trilhão de reais). Esse valor equivale praticamente ao que o governo despendeu em 2018 com a seguridade social, a área que contempla a Previdência, despesas assistenciais e de amparo ao trabalhador: 994 bilhões de reais.
(Arte/VEJA)
“A proposta pode resolver o problema de tal forma que não precisaríamos ficar falando de reformar a Previdência a cada governo, o que consome uma grande quantidade de tempo e energia do debate político, em um país com tanta coisa para ser resolvida”, diz o economista Pedro Nery, coautor do livro Reforma da Previdência — Por que o Brasil Não Pode Esperar?. Segundo ele, o impacto fiscal seria suficiente para dirimir incertezas quanto ao indesejável crescimento da carga tributária e à trajetória da dívida pública, o que favorece a recuperação do investimento e do emprego.
A proposta tem outros méritos: busca unificar as regras dos diferentes regimes hoje existentes e impõe contribuições maiores sobre a renda atual de quem ganha mais — um aspecto que torna a reforma mais justa ao distribuir sacrifícios de modo equânime. A ideia acaba com distorções que fazem com que um professor da rede pública que ganha 1 200 reais por mês pague a mesma alíquota do INSS (no caso, de 11% sobre o rendimento) que um juiz cujo salário supera 30 000 reais. “O servidor antigo com regras privilegiadas vai ter de contribuir por mais tempo e, se ganha mais, vai ter de pagar um valor maior também”, diz Nery. A seguir, VEJA analisa os principais pontos da proposta de reforma da Previdência.
Tempo de contribuição
Pelas regras atuais, um trabalhador do setor privado consegue se aposentar com qualquer idade, desde que tenha contribuído para a Previdência por um período mínimo (trinta anos para mulheres, 35 anos para homens).
Se o recolhimento tiver começado aos 20 anos de idade, por exemplo, a mulher poderá se aposentar com 50 anos, e o homem, com 55 anos (em geral, são os trabalhadores mais escolarizados e de maior renda, que têm mais chances de contribuir por trinta anos ininterruptos). Isso não será mais permitido. “É uma medida inevitável e absolutamente necessária. Coloca o Brasil em linha com o que é praticado na grande maioria dos países”, diz Zylberstajn. Segundo ele, o tempo de contribuição deve servir principalmente como referência para o cálculo do benefício.
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Missão: cortar na carne
Oficiais da Aeronáutica podem começar a contagem de tempo para a aposentadoria aos 14 anos. Essa é a idade mínima para ingresso na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, onde adolescentes cursam o ensino médio e recebem adestramento para sua futura carreira. Na Marinha, a entrada se dá a partir dos 15 anos. No Exército, dos 17. Esse mecanismo é que viabiliza a ida de militares para a reserva antes dos 45 anos — o que é um absurdo em qualquer lugar do mundo. Igual nas três Forças, o soldo de 1 044 reais mensais hoje não sofre desconto de contribuição previdenciária. O resultado desse arranjo é um rombo de 43,9 bilhões de reais só em 2018, quase 17% maior do que no ano anterior.Não é preciso ser matemático para perceber que tal equação é insustentável, especialmente porque os militares têm a menor alíquota: apenas 7,5%. Em trinta dias, porém, a situação deve mudar. O governo vai mandar para o Congresso um projeto que altera esse regime. Nele, o tempo de contribuição passa de trinta para 35 anos, e a alíquota é elevada para 10,5%. Participar do esforço para equilibrar o Orçamento, cortando na própria carne, será um sinal de patriotismo dos militares brasileiros.
Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623
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