O gesto de Nicolás Maduro de impedir a entrada de ajuda humanitária na Venezuela é capaz de mudar a direção dos ventos que sopram na caserna
Diante deste quadro, o mínimo esperado de Maduro seria a autorização para a entrada de ajuda humanitária internacional, permitida até em zonas conflagradas. Mas esperar uma nesga de moralidade de Maduro exigiria boas doses de otimismo e boa vontade. A entrada de ajuda foi negada. Na quinta-feira passada, o ditador ordenou o fechamento do espaço aéreo da Venezuela e das fronteiras terrestres do país com o Brasil e a Colômbia, além da fronteira marítima com a ilha de Curaçao, no mar do Caribe.
A decisão foi uma resposta à ação coordenada entre grupos de oposição ao regime — liderados por Juan Guaidó, que há um mês se autoproclamou presidente constitucional da Venezuela, tendo sido reconhecido internacionalmente —, os Estados Unidos e os países que fazem parte do Grupo de Lima, incluindo o Brasil, para envio de comida, água e outros itens ao país vizinho. O plano prevê que hoje sejam entregues carregamentos de ajuda a grupos de voluntários venezuelanos estacionados nas fronteiras do país com o Brasil e a Colômbia. Esses voluntários, arregimentados pela oposição liderada por Guaidó, são responsáveis por abastecer os caminhões e distribuir os insumos à população no território venezuelano.
A despeito do fechamento da fronteira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o plano para envio de ajuda à Venezuela está confirmado. Ontem, um avião da Força Aérea Brasileira chegou a Boa Vista (RR) com um carregamento de 19 lotes de arroz, 14 de açúcar, dezenas de sacos de leite em pó e caixas com diversos tipos de medicamentos para ser entregue na cidade de Pacaraima. Tropas e veículos blindados do Exército venezuelano estão na cidade de Santa Elena de Uairén, a 12 km da fronteira do país com o Brasil. Ao menos dois venezuelanos que tentaram cruzar a fronteira para o Brasil foram atingidos por tiros disparados por membros da Guarda Nacional Bolivariana no lado venezuelano. No mais grave incidente desde a escalada da tensão fronteiriça, as tropas leais a Nicolás Maduro atiraram contra um grupo de civis que tentavam manter aberta uma passagem em Gran Sabana, na fronteira com o Brasil. Um casal foi morto.
As autoridades brasileiras têm mantido a serenidade para lidar com a grave situação na fronteira com a Venezuela. O vice-presidente Hamilton Mourão disse que brasileiros não cruzarão a fronteira com a Venezuela e que um conflito armado com o país vizinho só ocorreria “se o Brasil fosse atacado”. “Mas Maduro não é louco a esse ponto”, complementou Mourão, que na próxima segunda-feira participará da reunião de emergência do Grupo de Lima na Colômbia. O momento pede temperança. Vale destacar ainda a disposição do governo brasileiro em manter o plano de envio de ajuda humanitária ao sofrido povo venezuelano.
Não se pode esquecer, no entanto, que o país vizinho detém o controle sobre o fornecimento de energia para Roraima. De uma hora para outra, Nicolás Maduro pode ordenar seu corte, afetando a vida de milhares de brasileiros. Resta saber como o Brasil reagiria a um ato hostil como esse. Nicolás Maduro se sustenta no poder tão somente pelo apoio que ainda recebe da cúpula das Forças Armadas. Cada vez mais isolado e reconhecido como responsável direto pela miséria do povo, seu destino depende diretamente dos humores dos militares e de sua capacidade de compra de apoio. Impedir a entrada de ajuda humanitária é um gesto capaz de mudar a direção dos ventos que sopram na caserna.
Revista VEJA
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