Resistência truculenta da ditadura de Maduro pode provocar confronto de dimensões imprevisíveis
O governo brasileiro, até o momento, tem dado prioridade às informações
sobre as repercussões no dia a dia de nossa fronteira com a Venezuela, e
não às questões militares, que são apenas laterais, pois a decisão é
não participar de eventuais tentativas de golpe contra a ditadura de
Nicolás Maduro, a despeito de o governo bolivariano acreditar que a
“ajuda humanitária” coordenada pelos Estados Unidos não passa de um
pretexto para uma invasão.
Não para as autoridades brasileiras. A preocupação, ao contrário, é em
relação ao deslocamento de membros da Guarda Nacional Bolivariana para a
fronteira brasileira, pois são soldados que não conhecem a região, ao
contrário dos venezuelanos que lá estão, já bastante entrosados com os
brasileiros. Tanto que, apesar da gravidade da situação, oficialmente o
governo brasileiro não considera uma hostilidade o fechamento da
fronteira pela Venezuela. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, fala em nome do governo
quando diz que a Venezuela pode fazer o que quiser dentro de seu
território para tentar impedir que a ajuda humanitária chegue a seus
cidadãos, o que seria um erro político, mas não uma agressão ao Brasil.
Para ele, pensar em intervenção dos Estados Unidos na Venezuela não faz
sentido, sendo “prematuras” as preocupações, pois uma ação dessas “não
faria sentido”. [o complicador é o estacionamento pela Venezuela, na fronteira com o Brasil, de armamentos de grande poder.
Pode se tornar complicado aceitar o que é uma evidente provocação, visto a clara intenção de demonstrar força.]
Para Mourão, “os Estados Unidos estão mais na retórica do que na ação. A
Venezuela tem que ser resolvida pelos venezuelanos”. O governo
brasileiro admite que a ajuda humanitária tanto na fronteira do Brasil
quanto da Colômbia, e na Guiana, sob a coordenação da União Europeia, é
mais simbólica, pois a quantidade necessária de alimentos para
equilibrar a situação é muito maior, diante do quadro trágico do
momento. A situação do lado brasileiro tem alguns pontos de atenção, como, por
exemplo, o desabastecimento, pois muitos venezuelanos estão fazendo
estoques de mantimentos em compras do lado brasileiro. Há também o
perigo de falta de energia, pois aquela região é dependente da Venezuela
e, em caso de racionamento, temos combustível para o funcionamento de
uma termoelétrica por cerca de dez a 15 dias.
Ontem mesmo, nas diversas reuniões que foram feitas, o governador de
Roraima, Antonio Denarium, conseguiu a aceleração dos estudos, inclusive
de impactos ambientais, para a obra do linhão que trará energia de
Tucuruí para a região, que deixaria de ser dependente de fornecimento do
exterior. Todos os órgãos de informação do governo estão dedicados a
detectar o que acontecerá hoje, quando estão marcadas pelo governo
interino de Guaidó manifestações na fronteira para forçar o recebimento
dos mantimentos. O Brasil, porém, continuará na posição de levar a ajuda
humanitária até a fronteira e exigir que os venezuelanos venham pegar
os mantimentos. [este parágrafo permite avaliar a irresponsabilidade dos governos anteriores a Bolsonaro na busca de uma solução definitiva para livrar Roraima da dependência de fornecimento de energia do exterior;
só agora, sob Bolsonaro e os generais, é que vão iniciar os estudos - que são demorados, todos sabemos que existem vários órgãos ambientais com a única função de criar dificuldades, sem olvidar que o MP e o próprio Poder Judiciário sempre se empenham em retardar a execução de obras dessa natureza.]
Não se sabe qual será a reação da Guarda Nacional Bolivariana, nem a da
população local, que sofre com a crise e se revolta com a proximidade do
que lhes faz falta vital, sem conseguir usufruir. Ontem, os conflitos
já provocaram duas mortes na fronteira, e Maduro estimulou as forças
militares a se manterem na repressão a todo custo. A resistência
truculenta e sanguinária da ditadura de Maduro pode provocar um
confronto de dimensões imprevisíveis. Se, no entanto, as demonstrações
marcadas para hoje em todo o país em favor do governo provisório
fracassarem, é previsível que a ditadura de Maduro, mesmo à custa de uma
repressão brutal, ganhe nova força. Na segunda-feira, haverá a reunião
do grupo de Lima em Bogotá, e o vice-presidente Hamilton Mourão
representará o Brasil, que também terá a presença do vice dos Estados
Unidos, e manterá a posição de não intervenção.
Como já contei em outra coluna, o então ministro da Defesa da Venezuela,
general Vladimir Padrino López, teve em Caracas uma reunião com seu
correspondente brasileiro à época no governo Temer, general Joaquim
Silva e Luna, na qual pediu que o Brasil não participasse de uma
eventual força multinacional de “ação humanitária”, pois ela seria só
início de uma intervenção, estimulada pelos Estados Unidos. Embora participe da ação coordenada pelos Estados Unidos e União
Europeia, tudo indica que o Brasil não endossará uma ação militar para
derrubar o governo de Maduro, e a estratégia continua sendo pressioná-lo
através de declarações e apoio ao interino Guaidó.
O fato de que no governo Bolsonaro há diversos generais que chefiaram a
força de paz da ONU no Haiti e no Congo, considerados combatentes
treinados em situações desse tipo, leva à interpretação de que apoiariam
uma ação nesses moldes na Venezuela, mas por enquanto não há clima para
isso.
Merval Pereira - O Globo
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