É natural a reação negativa de parlamentares e ministros do STF à informação segundo a qual auditores da Receita extrapolam seu âmbito de atuação, que são as irregularidades tributárias
Não se questiona a
importância da luta contra a corrupção no Brasil, que vem concentrando
as atenções dos cidadãos desde que a Operação Lava Jato alcançou as
manchetes, há cinco anos. Esse sucesso, contudo, não pode servir de
pretexto para uma ampliação desmesurada do poder dos agentes públicos
envolvidos no combate aos desvios no âmbito estatal. Os limites haverão
de ser sempre a lei e o bom senso – nem este nem aquela autorizam a
violação de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Assim, é
natural a reação negativa de parlamentares e ministros do Supremo
Tribunal Federal à informação segundo a qual auditores da Receita
Federal estão se dedicando a investigações criminais, extrapolando seu
âmbito de atuação, que são as irregularidades tributárias. Na esteira
dessa inquietação, estuda-se a elaboração de um projeto de lei que
restrinja claramente o escopo do trabalho da Receita.
O caso mais relevante a ilustrar esses excessos da Receita envolveu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Recentemente veio a público, por meio de vazamento criminoso, a informação segundo a qual um auditor da Receita havia aberto investigação para identificar o que chamou de “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar. Essa investigação é irregular porque a Receita não tem entre suas funções investigar nenhum dos crimes relacionados pelo auditor. Se uma auditoria nas declarações do contribuinte concluir que há indícios de movimento indicativo de crime que vá além da área fiscal, o auditor deve avisar o contribuinte e então encaminhar representação para fins penais. Nada disso foi feito no caso do ministro Gilmar Mendes – que, com razão, se queixou da truculência da investigação.
Esse caso ilustra o modo de atuação da Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias (EEP Fraude), criada pela Receita Federal em março de 2018 para mapear agentes públicos sobre os quais recaem suspeitas de crimes como lavagem de dinheiro e corrupção. Foram selecionadas 134 pessoas de todas as esferas do poder público, entre as quais, agora se sabe, o ministro Gilmar Mendes.
Além da exposição a que o ministro foi submetido, o vazamento serviu para mostrar que a Receita Federal, talvez embalada pela atmosfera de guerra sem quartel contra a corrupção, decidiu adotar uma atitude mais proativa – isto é, passou a deflagrar investigação sobre a evolução patrimonial de políticos e outros agentes públicos sem esperar solicitação formal de outros órgãos, como o Ministério Público. Auditores da Receita afirmam que se trata de um modelo de atuação resultante da experiência adquirida pela Receita em seu trabalho de cooperação na Lava Jato.
O problema é que tal modelo parece se enquadrar na mentalidade segundo a qual todos os agentes públicos são corruptos em potencial, até prova em contrário. Qualquer discrepância em declaração de renda desses agentes, pelo simples fato de serem funcionários públicos ou políticos, acaba sendo tratada, de saída, como indício de corrupção. Raciocínios como esse estão na raiz da desmoralização da classe política tradicional, fenômeno que abriu ampla senda para o populismo travestido de “renovação” da política.
Compreende-se, portanto, a mobilização de ministros do Supremo e de parlamentares contra esse arbítrio. Em encontro com auditores do Fisco, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, declarou que é preciso “delimitar” a atuação da Receita. No mesmo evento, o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, afirmou que o Fisco deve participar das grandes operações anticorrupção “se o órgão competente requisitar informações” – como se fazia antes da Lava Jato. É quase certo que a mera discussão sobre a eventual restrição do trabalho da Receita será interpretada, entre os radicais da luta anticorrupção, como uma reação dos corruptos. Espera-se que esse alarido não interdite o necessário debate a respeito do crescente poder dos que se julgam com o dever missionário de sanear o Brasil.
[se todo mundo é suspeito por ser funcionário público, nos parece também ser suspeito o comportamento dos auditores da Receita - também funcionários públicos - livre e irrestrito acesso a áreas restritas dos aeroportos !!!.]
Opinião - O Estado de S. Paulo
O caso mais relevante a ilustrar esses excessos da Receita envolveu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Recentemente veio a público, por meio de vazamento criminoso, a informação segundo a qual um auditor da Receita havia aberto investigação para identificar o que chamou de “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar. Essa investigação é irregular porque a Receita não tem entre suas funções investigar nenhum dos crimes relacionados pelo auditor. Se uma auditoria nas declarações do contribuinte concluir que há indícios de movimento indicativo de crime que vá além da área fiscal, o auditor deve avisar o contribuinte e então encaminhar representação para fins penais. Nada disso foi feito no caso do ministro Gilmar Mendes – que, com razão, se queixou da truculência da investigação.
Esse caso ilustra o modo de atuação da Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias (EEP Fraude), criada pela Receita Federal em março de 2018 para mapear agentes públicos sobre os quais recaem suspeitas de crimes como lavagem de dinheiro e corrupção. Foram selecionadas 134 pessoas de todas as esferas do poder público, entre as quais, agora se sabe, o ministro Gilmar Mendes.
Além da exposição a que o ministro foi submetido, o vazamento serviu para mostrar que a Receita Federal, talvez embalada pela atmosfera de guerra sem quartel contra a corrupção, decidiu adotar uma atitude mais proativa – isto é, passou a deflagrar investigação sobre a evolução patrimonial de políticos e outros agentes públicos sem esperar solicitação formal de outros órgãos, como o Ministério Público. Auditores da Receita afirmam que se trata de um modelo de atuação resultante da experiência adquirida pela Receita em seu trabalho de cooperação na Lava Jato.
O problema é que tal modelo parece se enquadrar na mentalidade segundo a qual todos os agentes públicos são corruptos em potencial, até prova em contrário. Qualquer discrepância em declaração de renda desses agentes, pelo simples fato de serem funcionários públicos ou políticos, acaba sendo tratada, de saída, como indício de corrupção. Raciocínios como esse estão na raiz da desmoralização da classe política tradicional, fenômeno que abriu ampla senda para o populismo travestido de “renovação” da política.
Compreende-se, portanto, a mobilização de ministros do Supremo e de parlamentares contra esse arbítrio. Em encontro com auditores do Fisco, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, declarou que é preciso “delimitar” a atuação da Receita. No mesmo evento, o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, afirmou que o Fisco deve participar das grandes operações anticorrupção “se o órgão competente requisitar informações” – como se fazia antes da Lava Jato. É quase certo que a mera discussão sobre a eventual restrição do trabalho da Receita será interpretada, entre os radicais da luta anticorrupção, como uma reação dos corruptos. Espera-se que esse alarido não interdite o necessário debate a respeito do crescente poder dos que se julgam com o dever missionário de sanear o Brasil.
[se todo mundo é suspeito por ser funcionário público, nos parece também ser suspeito o comportamento dos auditores da Receita - também funcionários públicos - livre e irrestrito acesso a áreas restritas dos aeroportos !!!.]
Opinião - O Estado de S. Paulo
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