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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O papel dos militares no governo Bolsonaro

Ministros são mais realistas que o rei na agenda conservadora

Durante a recente campanha eleitoral, o consultor de um grande fundo de investimento britânico indagou aos convivas, num almoço em São Paulo, o que achavam da anunciada presença de militares no provável governo Bolsonaro. A resposta, quase em uníssono, foi rápida: "Será boa para o país". Surpreso, o executivo questionou: "Por quê?". Porque ninguém sabia quem é realmente Bolsonaro e, portanto, como ele governaria - a dúvida remanesce depois de dois meses de mandato, apesar do aparecimento de algumas pistas. Tudo indica, prosseguiu o interlocutor do consultor, que os militares serão o "fator de estabilidade" da nova gestão.

A preocupação e o espanto do consultor eram justificáveis. Basta conhecer um pouco da história recente do Brasil para entender que a longa ditadura militar (1964-1985) deixou marcas profundas. Não há nada que possa relativizar os efeitos nocivos da supressão das liberdades civis, nem mesmo o progresso econômico, como sugerem alguns em defesa do regime de 64. [excesso das práticas erroneamente consideradas liberdades civis, só prejudicam o país que é vítima do abuso.
Até mesmo a democracia, quando excessiva - caso do Brasil atualmente - é prejudicial - ainda que de forma indireta o deputado Rodrigo Mais, presidente da Câmara dos Deputados, reconheceu que atrapalha o andamento das reformas.]

O golpe [contragolpe] tinha dois objetivos claros: conter o getulismo, que desde 1930 era a maior força política do país, e afastar, no auge da Guerra Fria, a suposta ameaça comunista. O ambiente econômico, com inflação fora do controle (em torno de 100% ao ano), facilitou a ação militar, que, por pouco, não sucedera dez anos antes. Nos dois casos, a ousadia amparava-se em interesses de grupos políticos antagonistas ao getulismo.
Pausa para o "House of Cards" tupiniquim, onde a vida imita a arte e faz do original inglês e de sua versão americana uma espécie de "Sessão da Tarde": durante o predomínio de Getúlio e seus discípulos (de 1930 a 1964), apenas um presidente - Jânio Quadros, eleito em 1961 - não era getulista. Eurico Gaspar Dutra foi eleito em 1946 com o apoio de Getúlio, deposto no ano anterior, e dos dois partidos (PSD e UDN) da órbita do ditador. Dutra ajudou Getúlio a instaurar o Estado Novo, a ditadura que nos governou de 1937 a 1945, e foi seu ministro da Guerra até a deposição. Depois de oito anos de autoritarismo, o povo, dizia-se, ansiava por democracia, mas elegeu um prócer do regime que a suprimiu por quase uma década. Na eleição seguinte, Getúlio voltou ao poder eleito pelo voto popular...
Com o fim da ditadura, em 1985, a instituição Forças Armadas estava, obviamente, com a imagem destroçada. A participação num movimento de interrupção do processo constitucional é indefensável, afinal, a missão constitucional das três corporações é defender a soberania da nação contra a ameaça estrangeira. O uso da força internamente, admitida em casos como o da intervenção no Rio, é uma exceção.
A tensão, porém, nunca desapareceu, embora se possa afirmar que, durante os governos civis que sucederam o regime ditatorial, não tenha havido risco real de interrupção do rito constitucional. Houve ruídos que alguns chamaram de "crise institucional". Afeito ao hábito de, a partir de escassa informação, intuir sobre o desconhecido, o brasileiro facilita a disseminação de lendas urbanas que, de tão repetidas, se tornam "verdades" indiscutíveis. Há a ideia, por exemplo, de que os militares estão de prontidão para intervir no processo democrático em momentos de desordem, corrupção etc.
Desde a redemocratização, a imagem do Exército teria se recuperado. Pesquisa do instituto MK, de Belo Horizonte, contratado em 2015 pela corporação para fazer a aferição, mostra que 80,1% da população considera o Exército sério e confiável. Isso tornaria a instituição a de maior credibilidade do país. Não se deve deduzir, todavia, que essa opinião reflita suposto desprezo dos brasileiros pela democracia. A presença de militares nos altos escalões de Brasília - são mais de 30 - não deve ser confundida com a "militarização" do governo. Não se trata de envolvimento institucional. A maioria está na reserva e alguns são reformados (não podem mais retornar ao serviço ativo). Estão no poder graças à democracia. O risco, se existe algum, vem da caserna, onde militares da ativa que se sintam preteridos - por não estarem no governo - possam produzir barulho. [os militares no governo possuem grande prestígio junto aos militares da ativa, tanto os da reserva (que podem voltar ao serviço ativo) quanto os reformados (definitivamente fora da ativa).
 
Só que os que integram o governo comandam mesas e os da ativa comandam tropas.
O contragolpe de 64 teve apoio de praticamente 100% das FF AA, mas, só começou quando um general no comando de tropas (Olympio Mourão Filho) decidiu deslocar suas tropas rumo ao Rio.]
Até o momento, o papel do vice-presidente Hamilton Mourão e dos generais e almirantes que ocupam cargos no primeiro escalão tem sido o de moderar arroubos de ministros, de origem civil, que parecem desconhecer nossa história e, o pior, onde estamos como sociedade. No Itamaraty, por exemplo, o chanceler Ernesto Araújo causou espanto quando, numa nota oficial, acusou o governo venezuelano de chefiar o crime organizado e estar envolvido com tráfico de drogas e de pessoas.
A diplomacia não comporta linguagem beligerante como a do chanceler. O Brasil tem 11 vizinhos, caso único no planeta. Desde a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870, quando, aliado à Argentina e ao Uruguai, massacrou o Paraguai, não se envolve em conflitos com países da região. Apesar de ser o "gigante do Atlântico-Sul", detentor de mais da metade do território do continente sul-americano, da população e do Produto Interno Bruto, ainda é uma economia de renda média, com cerca de 50 milhões de pessoas vivendo em condições de miséria e outras dezenas de milhões com enorme dificuldade para ascender social e economicamente.
Como costumam dizer diplomatas experientes, o país não possui "excedentes de poder" para ajudar os vizinhos a se desenvolver, logo, não tem também - nem deveria ter - poder para interferir em questões internas dessas nações e de quaisquer outras. A liderança brasileira é natural, mas não pode haver excesso de gesticulação, como sempre adverte o embaixador Marcos Azambuja. Não se deve criar expectativa que, todos sabemos, não será atendida, nem ter a ambição de influir em regimes alheios.
Mourão, que, por ser vice-presidente, é indemissível, tornou-se porta-voz informal dos militares do núcleo do poder em Brasília. Tem sido a voz da moderação, inclusive, na política externa. Porque, sem saber o que pensa exatamente o presidente sobre a maioria dos temas, alguns ministros arvoram-se em defender, em várias áreas, ideias anacrônicas e perigosas para a jovem democracia brasileira.
 
Cristiano Romero - Valor Econômico
 

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