Bolsonaro está cada vez mais alinhado com Olavo de Carvalho, o guru dos palavrões cujas ofensas vêm desestabilizando o governo
A última confusão — talvez tão grave quanto os ataques que Olavo desferiu contra o vice-presidente Hamilton Mourão há três semanas — envolveu o chefe da secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, cujo gabinete funciona no 4º andar do Palácio do Planalto. Pelas redes sociais, o escritor dedicou boa parte de seu tempo dos últimos dez dias a atacar o ministro, que foi chamado de “bandidinho”, “fracote” e “fofoqueiro de m…”, afora outros adjetivos impublicáveis. Olavo acredita que o general e os militares que ocupam postos-chave no governo são uma barreira contra o avanço de projetos que ele e seu grupo consideram prioritários, aquilo que chamam de “revolução conservadora”.
Com catilinária ácida, bandeiras radicais e sobretudo rajadas infindáveis de palavrões e ofensas, Olavo de Carvalho tem sido a mente por trás de outra revolução — uma revolução escatológica, tal o volume de indecências públicas que escreve. Aparentemente, seus impropérios parecem não incomodar seus seguidores. Entre os de maior calibre estão o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, e o deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, filhos do presidente. E está ficando cada vez mais claro que entre os seguidores inabaláveis do guru está, também, o próprio presidente da República. A influência de Olavo junto ao governo começou a ser notada na nomeação de ministros. Até hoje, já emplacou três: os dois da Educação, o demitido Vélez Rodríguez e o atual, Abraham Weintraub, e o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Seus indicados, sem nenhuma surpresa, são os ministros mais radicais da Esplanada.
Na disputa que vem desestabilizando o governo, os militares entendem que Olavo é uma força do extremismo político, enquanto o guru e seguidores acham que os militares são excessivamente dóceis com os esquerdistas infiltrados nas universidades, nas escolas, na Igreja, na produção cultural, na imprensa e até mesmo nas Forças Armadas. Por isso, a disputa de poder entre os dois grupos, que já se dava nos bastidores desde a formação da equipe de governo, agora se transformou num clássico cabo de guerra. Olavo se move pela convicção de que os generais querem enfraquecer Bolsonaro a ponto de forçá-lo a transferir o poder ao vice-presidente Hamilton Mourão. O primeiro militar a entrar na mira foi o próprio vice-presidente, acusado de ser “virtual golpista”, “charlatão desprezível” e “idiota” por supostamente desqualificar Bolsonaro e se aproximar de esquerdistas e opositores.
Conforme mostrou VEJA no início do mês, a artilharia de Olavo e seus fiéis levou Mourão a cogitar renunciar ao cargo caso o presidente lhe pedisse o sacrifício. “Se ele não me quer, é só dizer. Pego as coisas e vou embora”, desabafou o vice, na ocasião. Depois, a artilharia de Olavo e asseclas voltou-se contra o ministro da Secretaria de Governo. Além de dizer ofensas impublicáveis, Olavo afirmou que Santos Cruz é “praticamente analfabeto” e tentou fazer crer que ele atua em parceria com petistas. Cabe a Santos Cruz, entre outras coisas, a responsabilidade pela comunicação do governo, espaço que tem sido objeto de uma disputa intestina. Recentemente, o empresário Fabio Wajngarten assumiu o controle da Secretaria de Comunicação, a Secom, por indicação de Olavo e dos filhos do presidente. Uma das missões de Wajngarten é, justamente, neutralizar a influência de Santos Cruz na área da comunicação. Enquanto o general tem feito uma varredura em todos os contratos assinados nos últimos anos com agências, Wajngarten defende a ideia de que a publicidade deve ser agilizada para se contrapor aos adversários do governo. O Planalto estima que entidades contrárias à reforma da Previdência devam gastar cerca de 100 milhões de reais em propaganda, enquanto o governo vai desembolsar menos da metade disso para defender o projeto. Os olavistas, claro, veem nisso fumaça de uma conspiração.
Nos bastidores, conta-se que Santos Cruz impediu a tentativa de Wajngarten de alinhar toda a propaganda das estatais sob o mesmo viés ideológico. Em resposta, Wajngarten trabalha para limitar as investidas de Santos Cruz em outras áreas do governo, principalmente nos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, sob o comando de olavetes. Em razão disso, o tiroteio nas redes sociais foi subindo de intensidade. Os seguidores de Olavo desencavaram uma declaração do general, divulgada havia mais de um mês, defendendo uma maior disciplina nas redes sociais por parte dos grupos radicais. Propositalmente retirada do contexto pelos olavetes, a declaração sugeria que o general estava defendendo a censura na internet, em linha com os petistas que viviam agitando a ideia do “controle social da mídia”. Bolsonaro, num sinal eloquente de que estava alinhado com os olavetes, deu-se ao trabalho de fazer um tuíte em que desautorizava o general sem citá-lo.
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Uma das vozes mais respeitadas dentro das Forças Armadas, o general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército, escreveu, em uma rede social, que Olavo, “a partir de seu vazio existencial”, demonstrava, em seus ataques aos militares e às Forças Armadas, uma “total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia”. Classificou-o como um “verdadeiro Trotski de direita”, que “não compreende que substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros”. Aos 67 anos, Villas Boas tem esclerose lateral amiotrófica, grave doença degenerativa que, entre outras dificuldades, limita sua locomoção. Apesar disso, ele mantém ascendência sobre a tropa e a admiração de seus pares. Imaginava-se que sua autoridade freasse o embate. A réplica de Olavo veio na forma de uma estupidez indesculpável: acusou os militares de ir “buscar proteção escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas”.
O contra-ataque militar saiu do campo da retórica. Na segunda-feira, dois olavetes, Leticia Catelani e Márcio Coimbra, diretores de uma agência federal de fomento às exportações, foram demitidos pelo novo presidente da instituição, o contra-almirante Sergio Segovia, indicado ao cargo com o apoio de Santos Cruz. Olavo trocou a baixaria por acusações sem provas. Segundo ele, Leticia estaria sendo pressionada pelo ministro para “pagar convênios que o presidente Bolsonaro havia suspendido”. Um dos quais, diz, “eram produtores cinematográficos que queriam ir a Cannes exibir filmes como Marighella e outros parecidos, notoriamente comunistas”. Leticia teria se recusado a pagar e, por isso, foi demitida (veja o quadro).
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O texto, embora de aparência imparcial, deixou claro de que lado o presidente está — do lado de Olavo e seus filhos.
VEJA conversou com um general que acompanhou de perto a crise e que pediu para ficar no anonimato para não atiçar os ânimos ainda mais. Para ele, causa especial irritação entre os militares o fato de Bolsonaro continuar defendendo o guru. “Não dá para entender de onde vem essa deferência. Parece que o presidente é refém do Olavo”, diz. Apesar disso, não está no horizonte dos militares e generais deixar o governo. Eles se sentem corresponsáveis pelo sucesso da atual gestão e uma eventual debandada poderia ser “desastrosa” em termos políticos e econômicos. “Vamos continuar na trincheira para cumprir a nossa missão”, diz. Os analistas concordam com essa tese. Para David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília, a saída dos militares seria “catastrófica” por causa da falta de base política do Executivo e para a credibilidade que eles conferem ao governo. Diz o cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “O mercado, a política e a mídia sabem que os militares se preocupam mais com a estrutura e com o Estado. Sem eles, que mensagem o governo passará? Se dependesse dos seguidores de Olavo de Carvalho, o Brasil estaria oficialmente em guerra com a Venezuela”.
Já o afastamento da ala radical provocaria um efeito contrário. Nas palavras desse mesmo general que acompanhou a crise, a debandada dos olavetes criaria um ambiente de mais tranquilidade para que as pautas importantes do governo pudessem avançar. “Haveria estabilidade institucional. O governo teria mais espaço para dialogar com os outros poderes, outras correntes de pensamento. Não é razoável que o ministro responsável pela interlocução com o Congresso esteja sob ataque em pleno período de negociações para a aprovação da reforma da Previdência, diz Baía. Bolsonaro, porém, não dá nenhum sinal de que pretende se distanciar daquele que considera um ícone. A tendência, portanto, é que o governo continue abrigando as duas forças antagônicas. Em tempos de economia minguante, altíssimas taxas de desemprego e cofres públicos vazios, crises políticas, principalmente as que nascem dentro do próprio governo, sempre servem como poderoso catalisador para a autodestruição.
Com reportagem de Thiago Bronzatto e Nonato Viegas
Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634
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