Cabe aos ministros proteger e reafirmar a jurisprudência do Supremo sobre a prisão após decisão de segunda instância
Hoje, o Supremo Tribunal
Federal (STF) deve voltar a analisar a execução da pena após decisão de
segunda instância. Consta na pauta do plenário da Corte o julgamento de
três processos sobre o tema que tem causado grande alvoroço, com reações
desproporcionais de lado a lado. O ambiente de acirramento em nada
contribui para um desfecho técnico e equilibrado do caso. Quando se fala em análise
da possibilidade de prisão após decisão em segunda instância,
discute-se qual é a extensão que se deve dar ao princípio da presunção
de inocência. Em linha com o que ocorre na imensa maioria dos países, o
STF sempre entendeu que era possível executar a pena após a decisão de
segunda instância. São várias as razões que justificam esse
posicionamento.
Com o julgamento em
segunda instância, encerra-se a análise das provas. As chamadas terceira
e quarta instâncias – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF – apenas
analisam questões de direito. Não havendo mais possibilidade de
reavaliação probatória, não cabe dizer que há ainda inocência a ser
presumida.
Outra razão para a
jurisprudência do STF sobre o início da execução da pena é o
reconhecimento de que as decisões judiciais devem gozar de um mínimo de
autoridade. Não é razoável que, por princípio, o sistema de justiça
desconfie da sentença de um juiz ou da decisão de um tribunal,
atribuindo efeitos práticos unicamente às decisões dos tribunais
superiores.
Deve-se respeitar, como é
lógico, o direito ao duplo grau de jurisdição. Antes de iniciar o
cumprimento da pena, todos têm direito a que um órgão colegiado avalie a
correção da sentença de primeiro grau. Mas não há direito subjetivo a
um terceiro ou quarto graus de jurisdição. E isso não significa que a
Justiça seja autoritária. Trata-se simplesmente de reconhecer que a
função dos tribunais superiores não é substituir as instâncias
inferiores – o que ocorreria caso as decisões destas só valessem após
análise pelo STJ e STF. A possibilidade de a pena
ser cumprida após a decisão de segunda instância foi jurisprudência
pacífica do STF até 2009. Então, ao julgar um habeas corpus, o plenário
entendeu, por 7 votos a 4, que a execução da pena só podia ser iniciada
após o trânsito em julgado.
Destoante da experiência
internacional, disfuncional e contraditória com o próprio sistema do
Judiciário, essa nova orientação do Supremo durou até fevereiro de 2016,
quando se retornou à jurisprudência original. Reafirmou-se, assim, a
possibilidade da execução da pena após decisão condenatória de segunda
instância. Desde então, houve várias
tentativas para que o Supremo reabrisse a questão. Muitas delas com o
exclusivo intuito de obter a soltura do sr. Lula da Silva. Além de
congestionar a pauta do STF, tais manobras comprometem o próprio
Supremo, cuja missão é fixar a jurisprudência que orientará, de forma
segura e estável, todo o Poder Judiciário. Se essas orientações fossem
continuamente modificadas, não haveria nenhuma razão para as instâncias
inferiores seguirem efêmeras decisões.
Felizmente, a maioria dos
ministros do STF soube respeitar o papel do Supremo, reafirmando a
jurisprudência sobre a prisão após a decisão de segunda instância. Ficou
célebre o voto da ministra Rosa Weber, em abril de 2018, ao rejeitar
uma manobra para que a Corte negasse a orientação fixada sobre o início
da execução da pena. “Compreendido o tribunal como instituição, a
simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar
jurisprudência”, afirmou a ministra.
Diante de todo o alvoroço
criado em torno do julgamento de hoje, bem se vê a necessidade de uma
melhor compreensão sobre o Supremo Tribunal Federal como instituição.
São inadmissíveis as ameaças e afrontas proferidas contra o STF, numa vã
tentativa de emparedá-lo. Deve haver outro patamar, muito superior, de
respeito ao Supremo por parte de todos os cidadãos. Logicamente, essa
exigência inclui os próprios ministros do STF. Hoje, cabe-lhes proteger e
reafirmar, com toda a altivez que a instituição merece, a
jurisprudência do Supremo sobre a prisão após decisão de segunda
instância.
Editorial de O Estado de S. Paulo
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