O Estado de S.Paulo
O cenário político está embaralhado, mas o pequeno PIB de 2019 não confunde
É óbvio que um presidente contracenando com humoristas faz parte do
arsenal de promoção de imagem “humana” ou “popular” em qualquer lugar –
Barack “Late Night Show” Obama que o diga. Mas quando Jair Bolsonaro
divide a cena com um humorista fantasiado de presidente do Brasil diante
do Alvorada (um edifício oficial) – como ocorreu ontem –, a quem
encarrega de responder a perguntas de repórteres, e depois o próprio
presidente divulga o vídeo em redes sociais, sugere uma confusão:
afinal, quem é o comediante? [curioso é que durante o carnaval, um humorista em fim de carreira, o 'alguma coisa' Adnet, desfilou fantasiado de presidente da República, simulando o uso de uma faixa presidencial e fazendo flexões e muitos criticaram Bolsonaro - ausente do local. Agora o presidente resolveu prestigiar um humorista e é criticado, suscitando a pergunta: 'quem é o comediante'?]
Pode-se até acreditar que confusão seja uma arma conscientemente
empregada por Bolsonaro para desequilibrar adversários, mas não se pode
fugir à constatação de que virou uma de suas características
permanentes. Para focar no que é mais recente, é confusa a pauta da
manifestação que ele apoia (ou não?) para o dia 15, além da palavra de
ordem mais abrangente de prestigiar o presidente.
Ficou confusa também a demanda, do ministro da Economia, Paulo Guedes,
para que participantes do ato “defendam reformas”. No caso da
tributária, qual a ser defendida? Existe uma do governo? Qual das várias
que tramitam no Legislativo? Qual se deveria pedir em primeiro lugar? A
PEC emergencial, talvez? A favor de Bolsonaro deve-se assinalar que não é o único, de propósito
ou não, a criar confusões. Na raiz da queda de braço entre Legislativo e
Executivo para disputar migalhas do Orçamento (afinal, mais de 90% já
estão comprometidos em despesas obrigatórias), está uma confusão
política de autoria dos próprios parlamentares.
O fundo da questão não era o Orçamento impositivo, mas a esdrúxula
criação do dispositivo que permitiria a um relator dispor de R$ 30
bilhões do Orçamento. Os parlamentares criaram uma perigosa confusão
entre “legisladores” e “executores” do Orçamento. Que o governo,
confuso, demorou para perceber.
Nos desdobramentos da original criou-se mais uma confusão espetacular.
Os que apoiaram a manutenção de vetos presidenciais (que o Planalto
havia negociado, depois repudiado, depois renegociado) à “emenda do
relator” eram em boa parte senadores conhecidos pela oposição ao
governo, mas cientes de uma confusão de interesses dentro do próprio
Congresso. Querendo arranjar um jeito de continuar onde estão além do
fim do ano, os dois presidentes das casas legislativas tinham topado uma
manobra (a tal “emenda do relator”) de políticos aglomerados numa massa
em geral amorfa (o tal “Centrão”), ao preço de deslegitimar a própria
instituição.
Desembarcar de acordos “meia boca” discutidos em conversas de bastidores
não ficou fácil pra ninguém dos dois lados da praça. Mesmo a projetada
tramitação “normal” e seguindo ritos daquilo destinado a eliminar
confusões – os projetos do governo regulamentando a execução de emendas,
parte dos “acordos” – não diminuiu as ansiedades. Raposas felpudas no
Congresso alertam para o fato de que na Comissão Mista Orçamentária, que
vai examinar os tais projetos, jabuti sobe em árvore. Em outras
palavras, não consideram letra morta a esdrúxula “emenda do relator”,
pois é o ”Centrão“ seu motor e a grande força no Congresso.
De novo a favor de Bolsonaro deve-se reconhecer que ele tinha de
proteger seu ministro da Economia ao retirar dele poderes para
movimentar o Orçamento – que mais fazer, diante da confusão sobre
aplicação e alcance do Orçamento impositivo? Note-se, porém, que, ao se
evitar uma confusão dessas, torna-se ainda mais evidente uma outra de
imensa abrangência na economia: a da insegurança jurídica. Fora a ironia
do fato de Guedes ter ingressado no nutrido clube de gestores públicos
que preferem nada decidir, pois temem ver seu CPF envolvido numa
averiguação de órgãos de controle.
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo
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