Madeleine Lacsko
Numa semana as pessoas se comovem e na outra se sentem traídas.
Que tal se sentirem adultas e responsáveis?
Desde a semana passada venho tentando entender o furor nas redes com a história de Suzy e o abraço dado pelo médico Drauzio Varella, que há mais de 30 anos atua no sistema penitenciário. Num primeiro momento, havia uma multidão comovida e agora, após saber do crime, há uma multidão que se sente traída. O cachimbo do Estado-babá entortou a boca do brasileiro, que abdica de ser adulto e pensar por si, quer que alguém se encarregue sempre das decisões que deveria tomar.
Tenho muitos irmãos evangélicos e católicos que atuam em ministérios e pastorais em presídios. Eu até faço trabalhos em instituições que abrigam adolescentes infratores, mas é uma falha da minha alma não conseguir me comover com história de adulto criminoso. Não é porque me acho esperta nem se trata de decisão racional: apenas, por algum motivo, não me toca o coração. [a criminosa apesar do crime horrível que cometeu - que a torna merecedora de pena mais severa do que a em cumprimento - merecendo todo o repúdio da sociedade, na entrevista se valeu da omissão do entrevistador e não informou seu horrível crime = o condenado estuprou e matou por estrangulamento uma criança de 9 anos.
Oportuno lembrar que o entrevistador está correto quanto a não emitir julgamento sobre os crimes dos seus entrevistados. mas, tem o DEVER, em nome da clareza da informação de mencionar que o aquele entrevistado cometeu um crime hediondo.
Sua conduta nesse aspecto foi deplorável, lamentável, reprovável. E até motiva a pergunta: quantos criminosos repugnantes ele entrevistou e deixou, com sua omissão, que fosse passada a imagem de ser um pobre coitado.
No caso em questão a COITADA é a vítima da sanha assassina e doentia do entrevistado.]
Agradeço a Deus por ter colocado no mundo pessoas como meus irmãos que trabalham na recuperação de detentos e o dr. Drauzio Varella, capazes de olhar para aquelas pessoas sem se deixar influenciar pelo peso dos horrores que fizeram. Agradeço principalmente porque, sempre que se fala em prisão, ecoa na minha cabeça a frase que meu professor de Psiquiatria Forense, Alvino Augusto de Sá, amava repetir: "hoje ele está contiDo, amanhã ele estará contiGo." Acompanhei nas redes a empolgação das pessoas que se uniam em mutirões para escrever cartas para Suzy depois da cena comovente do abraço entre ela e o médico. Preferi calar porque, confesso, tive vergonha do que pensei e senti. Se a pessoa está há 8 anos sem visita, quer dizer que está há pelo menos esse tempo no regime fechado. O que ela fez para ficar tanto tempo?
Vi pessoas se mobilizando para mandar cartas ao presídio e até, ápice da loucura, mobilizando crianças para mandar cartas a uma pessoa presa. Sinceramente, que adulto em sã consciência manda uma carta para alguém cumprindo uma pena longa e coloca o próprio endereço sem se informar sobre essa pessoa?
Quem coloca uma criança em contato com alguém cuja história e caráter desconhece?
Adultos não têm o direito de fugir de suas responsabilidades.
É característica da alma humana se compadecer diante do sofrimento alheio, ainda que seja merecido, ainda que se trate de um monstro. O agir, no entanto, depende de decisões adultas e maduras. Nenhum adulto que se leva pela emoção tem o direito de botar a culpa em outra pessoa.
Após ser "revelado" que era realmente gravíssimo o crime que levou a uma pena sabidamente dada apenas a crimes gravíssimos, vi diversas pessoas íntegras que se sentiram traídas - e com toda razão. Ocorre que não foram traídas por uma rede de TV nem pelo médico, foram traídas pelo próprio coração. É decisão emocional - e não racional - se comover sem pensar no que a pessoa fez no verão passado. Não é admissível que um adulto acredite na conversa de alguém que está no regime fechado há pelo menos 8 anos e depois queira dividir a culpa.
Há uma discussão justa sobre se o crime cometido pela pessoa deveria ter sido dito ao público. Como jornalista, questiono em primeiro lugar se teria - como produtora ou editora - selecionado esse personagem específico. Muito provavelmente não, mas isso é porque tenho esse defeito do coração duro mesmo. O segundo ponto é, uma vez tomada a decisão de dar voz a essa pessoa, se informaria ao público o crime. Eu sou da confusão, colocaria a informação em letreiro na tela para aparecer bem na hora em que todo mundo estivesse chorando de pena de alguém que está no mínimo há 8 anos na cadeia.
A reação forte diante da revelação do crime, que incluiu até ameaças contra o dr. Drauzio Varella, mostra a incapacidade total de lidar com frustrações, a característica fundamentalmente adolescente da nossa sociedade. Que o episódio sirva para que repensemos nossa postura diante do sensacionalismo, uma técnica poderosa utilizada desde a Roma Antiga. Trata-se de descrever um evento olhando pelo seu ângulo mais "sensacional", ou seja, pelo que mais causa sensações nas pessoas, mais puxa pelo emocional, sem ter a mesma preocupação com fatos e contextualização. Seja diante do sensacionalismo na grande mídia ou dos gafanhotos de redes sociais, a nossa postura é a de rendição total.
O sensacionalismo na mídia de massas é muito mais fácil de perceber do que nas redes sociais, onde tudo é triado por algoritmos e você só recebe o que mexe com as suas sensações em particular. Emoções são naturais da alma humana e é ótimo que possamos ter essa experiência, mas será que não estamos colocando emoção demais e cérebro de menos em diversos tipos de decisões no cotidiano? Não tenho resposta.
Madeleine Lacsko, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo
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