A crise os privou de renda e a informalidade dificulta seu acesso à chance de sobrevivência
“De que serve ter conta em banco quando a gente não tem o que guardar?”,
pergunta, com lógica inquestionável, um dos milhões de brasileiros que
têm direito ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido pelo governo
federal para trabalhadores informais e autônomos de baixa renda, mas
que, sem acesso à internet e sem conta bancária, não têm como se
habilitar para receber os benefícios. Como mostrou reportagem do Estado,
são cerca de 5,5 milhões de pessoas nessa situação. São os chamados
“invisíveis”, que em tempos normais conseguem auferir alguma renda, em
geral inferior a meio salário mínimo, e tocam sua vida com o que obtêm
do trabalho informal. A crise os privou dessa renda e a informalidade
agora dificulta seu acesso a benefícios que podem assegurar sua
sobrevivência. [o mais grave é que milhões desses desamparados não conseguem receber os R$ 600,00;
Quando acessam o aplicativo da Caixa tem a informação: 'em análise' - quando tentam mais informações e abrem o aplicativo para ver as razões de tão demorada análise, se deparam com a informação: 'dados inconsistentes'.
Quando abre o cadastro e tenta encontra/sanar alguma inconsistência nada encontram. Conferem todas as informações e constata correção. Deveriam pelo menos apontar onde está a inconsistência que ninguém percebe???]
“Sei que todo mundo agora deve ficar em casa. Mas preciso ficar com
fome?”, disse um deles. Outro parece um pouco mais resignado: “A gente
que trabalha sem carteira assinada acaba aprendendo a não contar muito
com o dia seguinte”. A pandemia do coronavírus parece começar a colocar
em risco o dia seguinte para uma parte da população que, por isso mesmo,
merece atenção especial da sociedade e, sobretudo, das autoridades.
São imensos os riscos que a grave crise econômica e social produzida
pelo avanço da covid-19 trouxe para todas as empresas e pessoas. Já são
mais de 2,6 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus em todo o
mundo e mais de 180 mil mortes causadas por ele. Uma parte da população é muito mais vulnerável aos impactos danosos da
pandemia e, por isso, está muito mais sujeita a riscos. O diretor do
Programa Mundial de Alimentos da ONU, David Beasley, alertou, em
entrevista ao jornal britânico The Guardian, que a pandemia está
provocando fome generalizada de “proporções bíblicas”. De acordo com
estatísticas da ONU, são 265 milhões de pessoas à beira da fome por
causa da pandemia.
No Brasil, de acordo com cálculos do Banco Mundial divulgados pelo
jornal Valor, a crise provocada pelo novo coronavírus pode empurrar para
a pobreza extrema mais 5,7 milhões de brasileiros, caso os programas
sociais do governo não sejam efetivamente implementados – e, em seguida,
estendidos – e não haja apoio eficaz para as empresas manterem o maior
número possível de postos de trabalho.
De imediato, há que se encontrar solução para o drama social dos mais de
5 milhões de pessoas “invisíveis” não apenas para o sistema de
arrecadação tributária, mas, sobretudo neste momento de crise
humanitária, para os programas de assistência social. O problema já
existia, mas a pandemia o agravou e, assim, tende a acentuar
desigualdades que, conhecidas há muito tempo, se tornaram históricas no
País.
As próprias comunidades onde vivem essas pessoas vêm procurando e
encontrando caminhos para minimizar seus problemas. O espírito de união é
forte nessas áreas. Hortas comunitárias estão sendo formadas, comida
vem sendo distribuída ou repartida. Associações tão informais quanto o
trabalho desses “invisíveis” montam cadastro dessas pessoas, orientam
seus pedidos de obtenção do auxílio de emergência e, nos casos dos que
não têm acesso à internet nem conta bancária, acompanham o andamento das
solicitações. São associações e organizações não governamentais que
nunca tiveram a simpatia do atual governo, como observou para o Estado o
diretor da FGV Social, economista Marcelo Neri. A crise, diz Neri,
chegou depois de cinco anos de aumento da pobreza, por isso é preciso
agir.
O governo federal diz estar atento a essa parcela mais desprotegida da
população. O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, disse que a maior
parte dessas pessoas será atendida por aplicativos e pelo site criados
pela Caixa Econômica Federal em abril. Medidas alternativas para que o
auxílio emergencial chegue aos que continuarem sem acesso à ajuda
emergencial começarão a ser colocadas em práticas em maio. Só em maio?
Editorial - O Estado de S. Paulo
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