José Casado
Guedes anunciou que tudo segue como antes
Há quatro semanas, Jair Bolsonaro recebeu um esboço de plano para
criação de 1.008.635 empregos nos próximos dois anos. Encomendara o
projeto a assessores, militares na reserva, e aos ex-deputados Rogério
Marinho (PSDB-RN), ministro do Desenvolvimento, e Onyx Lorenzoni
(DEM-RS), da Cidadania.
Bolsonaro entregou o programa ao chefe da Casa Civil, Walter Braga
Netto. Atravessaria os próximos dois anos em campanha pela reeleição,
inaugurando obras com 42 mil novos empregos a cada mês. A pandemia já
delineava um cenário tétrico, com 200 mortes, mas ele se mantinha no
modo ignorância desdenhosa: “Outros vírus já mataram muito mais”. Já
decidira demitir Luiz Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça).
Marinho e Onyx estavam ajudando-o a abrir as portas do governo a
lideranças políticas notórias pelo clientelismo. Se reuniram com Paulo
Guedes, da Economia. Sobraram divergências e ressentimentos, com excesso
de acidez entre Guedes e Marinho. A “agenda única” escanteava Guedes, e
invertia sua proposta liberal, impondo protagonismo ao Estado na saída
da crise. Era uma rasteira no “Posto Ipiranga”, dada pelo presidente,
sob o bastão de comando ao chefe da Casa Civil.
Guedes dissimulou em público com a passividade de monge budista.
Assistiu, quieto, ao presidente comandar uma sessão de slides sobre 65
obras rodoviárias, 42 aquaviárias, 32 aeroportuárias e sete
ferroviárias. No silêncio efervesceram conversas sobre sua demissão.
Ontem, Bolsonaro recuou. Guedes agradeceu-lhe a “confiança” e anunciou
que tudo segue como antes. O presidente já colecionava 24 pedidos de
impeachment, dois inquéritos criminais no Supremo e a caminho de um
novo, por improbidade. Em três semanas o número de mortos pelo vírus
subiu de 200 para mais de mais de 4.500 — mais de 2.150% no registro
oficial. Ainda não há indício de que o governo tenha um plano, além do
pandemônio político criado em plena pandemia.
José Casado, jornalista - Coluna em O Globo
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