Coluna publicada em O Globo - Economia 14 de maio de 2020
Talvez não seja a comparação mais adequada, mas vamos em frente:
suponha uma pessoa que sente já não ter motivos para viver, mas não toma
consciência disso. Essa pessoa não vai tentar o suicídio, mas vai fazer
coisas que configuram uma tentativa. Por exemplo: correr como um maluco
na moto, beber e dirigir, exagerar nos remédios ou nas drogas.
Essa pessoa estaria “acting out”. A expressão “act out” aparece assim
explicada em dicionários especializados, em tradução livre do inglês:
comportar-se mal porque você está infeliz ou desconfortável,
frequentemente por motivos dos quais você não está consciente. Em termos psicanalíticos, uma definição de “acting out” é a seguinte:
uma mensagem cifrada que os sujeitos endereçam para o Outro, embora o
sujeito em si mesmo não é nem consciente do conteúdo desta mensagem, nem
mesmo ciente de que suas ações expressam uma mensagem.
Claro, o leitor já imaginou onde queremos chegar: o presidente
Bolsonaro tem tudo planejado, age de caso pensado, ou está “acting out”? É possível encontrar objetivos nas coisas que faz. O principal é
manter o poder. O problema é que o poder que encontrou na chefia do
governo e do Estado é menor e mais limitado do que ele imaginava. E
certamente ele não se conforma com isso. Reparem a quantidade de vezes que diz: “eu mando”, “eu sou o
presidente”. Outro dia, referiu-se a ele como sendo “o chefe supremo”.
Lembram-se? Foi quando o presidente se queixou que a Polícia Federal
parecia mais preocupada com o assassinato de Marielle do que com a
investigação da facada. [com todas as escusas ao ilustre Sardenberg, ele considera que Bolsonaro se expressa de forma autoritária, por certamente ter sido poupado de assistir entrevistas do governador do DF - Ibaneis.
Mesmo quando faz promessas que não pode cumprir, e nem pretende tentar,usa e abusa de:
- eu vou decretar, eu sou o governador, eu vou liberar, eu vou proibir, eu vou determinar..... e por aí vai.]
Ora, não há chefe supremo numa democracia representativa. Bolsonaro também não se conforma com o fato de que não é o único ator
em cena. Por isso detona ministros que se destacam, abre guerra contra
governadores e prefeitos que ocupam espaços e ataca a imprensa que não o
segue. Pode parecer estranho, mas o presidente dá sinais de que não se
conforma também com o peso e a extensão do noticiário sobre o
coronavírus.
Fala-se mais da epidemia do que dele – e fala-se, na imprensa séria,
de maneira que não agrada ao presidente. Ele desclassifica a doença, não
se importa com os mortos e não se conforma que outros líderes políticos
ganhem espaço falando e fazendo o contrário do que ele, Bolsonaro,
quer. [e a cada semana é apresentada uma nova previsão 'especialistas' marcando data do ACHATAMENTO DA CURVA;
quando começou a predominância do coronavírus o tal achatamento ocorreria meados de abril/20. Agora já está sendo previsto para julho/20.
O triste é que enquanto reverberam a necessidade do isolamento social, o tempo vai passando e o efeito 'imunidade de rebanho' tão repudiado, vai ocorrendo.]
E aqui já não estamos no campo do racional ou do consciente. Quando,
no dia em que o número de mortos passava de 10 mil, o presidente disse
que ia fazer um churrasquinho para 30 pessoas – claramente estava
“acting out”. Não é razoável supor que ele tenha pensado algo assim: bom, o que eu
posso dizer ou fazer para derrubar essa notícia? Ou, o que eu posso
fazer para provocar e suplantar isso?
É verdade que o presidente desistiu do churrasquinho. Mas não pediu
desculpas, nem admitiu que se tratava de um comportamento impróprio.
Disse que o churrasco era fake news da imprensa e simplesmente foi
passear de moto aquática. Também não se desculpou pelo “e daí?” – a expressão de desdém pelos
mortos que aparece em toda reportagem sobre o Brasil na imprensa
internacional. O “e daí?” saiu assim no ato, não planejado. Quando
alertado que estava gravado, fez outra narrativa, mas, de novo, sem
admitir a impropriedade da primeira.
Temos, portanto, uma sequência de mau comportamento de um presidente
inconformado com os limites do poder, assustado com os inquéritos que o
envolvem e sua família e seus amigos, com ciúmes dos outros atores
políticos e enraivecido com a imprensa séria e independente. Esse tipo de comportamento prejudica os outros mas também prejudica a
pessoa que o pratica. Em certos momentos, a gente pensa: mas o que quer
o presidente, provocar sua queda? É óbvio que ninguém está preparando um golpe contra ele. Mas a
frequência com que o presidente fala disso é sinal de que, sim, ele acha
que um inquérito no STF é uma tentativa de derrubá-lo. [perfeita a interpretação do inquérito no STF, feita pelo articulista.
Só não foi mais-que-perfeita por faltar na frente de tentativa, o adjetivo: fracassada.]
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
O que o leva ao “acting out”. O mundo todo tem o mesmo problema: uma
pandemia e uma recessão. O Brasil tem isso e mais um problema que o
mundo não tem: Bolsonaro.
Essa pessoa estaria “acting out”. A expressão “act out” aparece assim explicada em dicionários especializados, em tradução livre do inglês: comportar-se mal porque você está infeliz ou desconfortável, frequentemente por motivos dos quais você não está consciente. Em termos psicanalíticos, uma definição de “acting out” é a seguinte: uma mensagem cifrada que os sujeitos endereçam para o Outro, embora o sujeito em si mesmo não é nem consciente do conteúdo desta mensagem, nem mesmo ciente de que suas ações expressam uma mensagem.
Claro, o leitor já imaginou onde queremos chegar: o presidente Bolsonaro tem tudo planejado, age de caso pensado, ou está “acting out”? É possível encontrar objetivos nas coisas que faz. O principal é manter o poder. O problema é que o poder que encontrou na chefia do governo e do Estado é menor e mais limitado do que ele imaginava. E certamente ele não se conforma com isso. Reparem a quantidade de vezes que diz: “eu mando”, “eu sou o presidente”. Outro dia, referiu-se a ele como sendo “o chefe supremo”. Lembram-se? Foi quando o presidente se queixou que a Polícia Federal parecia mais preocupada com o assassinato de Marielle do que com a investigação da facada. [com todas as escusas ao ilustre Sardenberg, ele considera que Bolsonaro se expressa de forma autoritária, por certamente ter sido poupado de assistir entrevistas do governador do DF - Ibaneis.
Mesmo quando faz promessas que não pode cumprir, e nem pretende tentar,usa e abusa de:
- eu vou decretar, eu sou o governador, eu vou liberar, eu vou proibir, eu vou determinar..... e por aí vai.]
Ora, não há chefe supremo numa democracia representativa. Bolsonaro também não se conforma com o fato de que não é o único ator em cena. Por isso detona ministros que se destacam, abre guerra contra governadores e prefeitos que ocupam espaços e ataca a imprensa que não o segue. Pode parecer estranho, mas o presidente dá sinais de que não se conforma também com o peso e a extensão do noticiário sobre o coronavírus.
Fala-se mais da epidemia do que dele – e fala-se, na imprensa séria, de maneira que não agrada ao presidente. Ele desclassifica a doença, não se importa com os mortos e não se conforma que outros líderes políticos ganhem espaço falando e fazendo o contrário do que ele, Bolsonaro, quer. [e a cada semana é apresentada uma nova previsão 'especialistas' marcando data do ACHATAMENTO DA CURVA;
quando começou a predominância do coronavírus o tal achatamento ocorreria meados de abril/20. Agora já está sendo previsto para julho/20.
O triste é que enquanto reverberam a necessidade do isolamento social, o tempo vai passando e o efeito 'imunidade de rebanho' tão repudiado, vai ocorrendo.]
E aqui já não estamos no campo do racional ou do consciente. Quando, no dia em que o número de mortos passava de 10 mil, o presidente disse que ia fazer um churrasquinho para 30 pessoas – claramente estava “acting out”. Não é razoável supor que ele tenha pensado algo assim: bom, o que eu posso dizer ou fazer para derrubar essa notícia? Ou, o que eu posso fazer para provocar e suplantar isso?
É verdade que o presidente desistiu do churrasquinho. Mas não pediu desculpas, nem admitiu que se tratava de um comportamento impróprio. Disse que o churrasco era fake news da imprensa e simplesmente foi passear de moto aquática. Também não se desculpou pelo “e daí?” – a expressão de desdém pelos mortos que aparece em toda reportagem sobre o Brasil na imprensa internacional. O “e daí?” saiu assim no ato, não planejado. Quando alertado que estava gravado, fez outra narrativa, mas, de novo, sem admitir a impropriedade da primeira.
Temos, portanto, uma sequência de mau comportamento de um presidente inconformado com os limites do poder, assustado com os inquéritos que o envolvem e sua família e seus amigos, com ciúmes dos outros atores políticos e enraivecido com a imprensa séria e independente. Esse tipo de comportamento prejudica os outros mas também prejudica a pessoa que o pratica. Em certos momentos, a gente pensa: mas o que quer o presidente, provocar sua queda? É óbvio que ninguém está preparando um golpe contra ele. Mas a frequência com que o presidente fala disso é sinal de que, sim, ele acha que um inquérito no STF é uma tentativa de derrubá-lo. [perfeita a interpretação do inquérito no STF, feita pelo articulista.
Só não foi mais-que-perfeita por faltar na frente de tentativa, o adjetivo: fracassada.]
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
O que o leva ao “acting out”. O mundo todo tem o mesmo problema: uma pandemia e uma recessão. O Brasil tem isso e mais um problema que o mundo não tem: Bolsonaro.
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