Mas no léxico bolsonarista, desobediência à Lei é pleonasmo. Com a exigência de contar com o “povo” armado o mandatário pretende, por sua vez, lutar contra a imaginária ditadura que habita seus piores pesadelos. Vale a lembrança: a “ditadura” referida está sentada no STF, no Congresso, nas cadeiras de governadores e prefeitos — nos demais poderes em geral — que resistem aos intentos totalitários do capitão. Ditadura para Bolsonaro são os freios e contrapesos que frustram seus planos anárquicos, investigam filhos e amigos diletos, não lhe passam informações estratégicas e controlam os notórios excessos do inquilino do Planalto. Os “camisas pardas” de Bolsonaro funcionariam, assim, dentro de uma lógica miliciana, intimidando autoridades de Estado, a imprensa, juízes e parlamentares, “comunistas”, os supostos inimigos, como de hábito já o fazem. O “mito” deseja estar acima e à margem da lei, talkey? Por intermédio da guarda pretoriana e do esquema de inteligência secreto, ninguém pode lhe segurar, acredita.
E daqui para frente estará tudo dominado. Na Polícia Federal, que ele jurava não interferir — mas cujas evidências deixaram provada e comprovada a sua influência —, a troca na direção, afastando desafetos (sem nenhum demérito técnico), foi seguida de um aparelhamento inédito da estrutura inteira. O novo chefe da PF, poucos dias após assumir, publicou 99 portarias de uma só vez no “Diário Oficial”, cada uma delas dispondo sobre a troca de um a cinquenta ocupantes de cargos, modificando por completo a composição da polícia, de alto a baixo, nos diversos escalões. Um rearranjo vergonhoso, feito à plena luz do dia, para acomodar os interesses do capitão. Ato seguinte, uma operação foi disparada contra o maior alvo e eventual adversário político de Messias: o governador do Rio, Wilson Witzel. Para além do mandado em si – de resto bem fundamentado por suspeitas de desvio —, o que salta aos olhos é a flagrante informação privilegiada dada de véspera às hostes bolsonaristas, que já se vangloriavam publicamente, por meio de entrevistas e posts nas redes, da revanche da investigação, antes mesmo de ela ocorrer. Como é possível tamanho vazamento “devidamente oficializado”, para a felicidade do mandatário, que dava gargalhadas ao lado de apoiadores apreciando o sabor da vingança?
Não é de hoje, Bolsonaro avilta a presidência e está disposto, num anseio stalinista, a conspirar contra a República, ao lado de seus grumetes ideológicos que lhe dão guarida. “Por mim botava esses vagabundos na cadeia, a começar pelo STF”, grunhiu o pseudo ministro da Cultura, Abraham Weintraub, na reunião da esbórnia, enquanto a colega, Damares Alves, paradoxalmente responsável pelos Direitos Humanos, sugeria pedir a prisão de governadores e prefeitos. [pedir ou sugerir a prisão de alguém não é crime;
crime é ofender os alvos da sugestão ou pedido, que deve ser unido na forma da lei.] O presidente em pessoa tem clamado por “intervenção militar”. Desafia sobranceiramente as deliberações da Suprema Corte e tenta destruir o pináculo da estrutura democrática nacional que é a harmonia dos poderes. A conduta do chefe da Nação evidencia delitos em série, cometidos por alguém que se sente protegido por sua guarda pretoriana de delinquentes.
Carlos José Marques, diretor-editorial
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