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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Com que forças conta Bolsonaro? - Míriam Leitão

O Brasil está em situação grave. Os militares do gabinete e o ministro da Defesa acham que o presidente Jair Bolsonaro tem razão e só fazem reparos ao tom. Acreditam que, sim, o Supremo Tribunal Federal (STF) está exorbitando de suas funções. Não está, mas a opinião dos militares dos quais se cercou o reforça, e ele então decide escalar e assim fortalece sua militância. Por outro lado, na reforma da Previdência foi feito um grande agrado às polícias militares, com a extensão aos PMs do benefício dado às Forças Armadas: a manutenção da integralidade e da paridade. Isso aumentou o apoio das PMs ao presidente. Bolsonaro ontem fez ameaças ao Supremo e ao ministro Celso de Mello. Quem vai impor limites? Perguntei isso a uma alta autoridade, e ouvi que as instituições já estão impondo limites.

[os brasileiros, com raras exceções, sempre interpretam as situações destacando a opção mais chamativa, mais danosa.
Que tal interpretar as palavras do presidente - uma citada no parágrafo adiante - como um alerta avisando que não mais tolerará agressões ao Poder Executivo, à Constituição, e, as combaterá via judicial, com recurso à Suprema Corte?
Somem a interpretação proposta com atos concretos do presidente Bolsonaro = combatendo via Supremo à convocação do ministro Weintraub e também o inquérito das fakes news.
Experimentem.] 



Na visão dessa autoridade, o que os ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes estão fazendo é impondo limites. O plenário do STF tem feito isso também. Câmara e Senado, quando mudam propostas ou rejeitam projetos, estão avisando ao presidente quais são as fronteiras entre os poderes. As instituições estão fazendo um risco no chão — disse essa autoridade.

A já tradicional gritaria matinal foi, ontem, mais estridente. Cada palavra foi bem estudada. E a entonação. Quando ele elevou a voz para dizer “Acabou, porra!” estava enviando mensagem à militância. Tudo o que faz ou diz é gravado para ser usado em campanhas ou no seu projeto autoritário. Para esse uso foi gravada a reunião ministerial. O filho 03 foi de novo escalado para ameaçar a democracia. A fala do deputado Eduardo é de que não é uma questão de “se” mas de “quando” acontecerá a “ruptura”. Foi dita na noite da quarta-feira para acalmar a militância de extrema-direita assustada com a operação de busca e apreensão do inquérito das fake news. O projeto de Bolsonaro é este mesmo: a ruptura. Adianta pouco as negativas de que não haverá golpe militar porque as democracias morrem de outra maneira.

O Supremo Tribunal Federal está em duas encrencas. O tribunal aprovou o fim da condução coercitiva do investigado (ADPFs 395 e 444). E se Abraham Weintraub não atender à ordem do ministro Alexandre de Moraes? A segunda encrenca é o início polêmico desse inquérito. Foi aberto de ofício, o ministro Alexandre de Moraes foi nomeado sem sorteio e tropeçou no início com a censura à revista “Crusoé”. Ao longo do tempo, contudo, o processo ganhou relevância política, não porque mirou a direita, mas porque está investigando indícios de crime.

Os próprios militares que estão no governo não defendem o que um deles definiu para outro alto integrante do poder como “milícia digital”. Mas o presidente colocou toda a força da presidência para defender exatamente essa milícia digital, investigada pelo Supremo. “Com dor no coração ouvi aqueles que tiveram a sua casa violada,” disse o presidente. “Essa mídia social me trouxe à presidência.”  Bolsonaro está deliberadamente fazendo uma confusão entre liberdade de expressão e o crime de divulgar fake news, caluniar, difamar, organizar-se para atacar através de robôs, contratar empresas de disparos em período eleitoral, financiar manifestações antidemocráticas. É isso que está sendo investigado. O grande desafio da democracia é criar antídotos contra esses ataques às instituições. O Congresso também prepara uma lei dura para evitar o uso criminoso das mídias sociais. As próprias plataformas estão estabelecendo normas. Não é ameaça à liberdade de expressão. O presidente sabe disso.

Ele está claramente querendo intimidar o Judiciário. Por efeito bumerangue, conseguiu aumentar a união dentro da Corte, como se viu no curto e claro discurso do ministro Luiz Fux, avalizado por Dias Toffoli, em defesa de Celso de Mello. Bolsonaro acredita que neutralizou o Ministério Público com a nomeação de Augusto Aras, a quem ofereceu ontem publicamente o cargo de ministro no STF. Acredita que consegue o apoio das Forças Armadas, pelas vantagens que deu aos oficiais, e que tem o respaldo das PMs, pelo ganho dado aos policiais militares.
Durante a tarde, enquanto Bolsonaro conversava com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mandou o recado: – É bom dialogar, mas é bom ficar claro que nós vamos continuar reafirmando que a nossa democracia é o valor mais importante do nosso país e as instituições precisam ser respeitadas.
Bolsonaro tentará ignorar recados e passar por cima dos limites.

Míriam Leitão, jornalista - com Alvaro Gribel, São Paulo

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